Cabral, Garotinho, a Justiça divina, os ódios e a civilização

 

As cenas estão na internet para expiar e espiar. Servem aos propósitos da catarse e também atendem aos nossos impulsos, ainda que os mais primitivos, de justiça divina.

Sérgio Cabral, ex-governador do Rio, está lá, de cabelo cortado, uniforme verde, posando para fotos. Quem já o viu em sua armadura de arrogância bonachona pode até se divertir com a sua cara nua. Sem terno, os ombros se arredondaram. Sem a pose, os braços se afinaram em contraste com o abdômen expandido. Cara a cara, há tristeza no fundo dos olhos. É a condição humana. Mesmo Cabral a ela está sujeito.

Anthony Garotinho, cujo estilo sempre foi mais estridente, conserva a sua essência mesmo no momento mais dramático. Tem um pequeno surto quando o estão colocando na ambulância. Uma das filhas, a deputada Clarissa Garotinho (PR-RJ), chora copiosamente. Grita. Quer ir junto no veículo. Nas redes, ninguém confia na crise do pai; ninguém aposta no sofrimento da filha.

A Justiça primitiva precisa expropriar os alvos de nosso ódio de atributos humanos. Só assim conseguimos suspender a empatia. Ou nos solidarizamos… Sim, se a gente tem bom caráter, reconhece o sofrimento sem especular sobre a biografia de quem sofre. Se a gente tem maus bofes, dá de ombros: “Dane-se! Era ladrão!”, Ou ainda: “Dane-se! É meu inimigo”.

Querem saber?

Não vibro com nada disso. Como não vibrei quando Saddam Hussein, o facinoroso, foi encontrado num buraco. Ou quando lhe apertaram o torniquete no pescoço. Acho tudo de uma profunda tristeza. Acho isso tudo um retrato de nossa miséria: da miséria política, da miséria moral.

“Oh, Reinaldo está chocado que se esteja fazendo justiça com esses canalhas!”

Não!

Que se faça justiça, que se aplique a lei, que fiquem todos na cadeia pelo tempo que for justo.

Só tomo o devido cuidado para que as sementes do ódio e do ressentimento não germinem no terreno da razão.

Na segunda, numa lanchonete de estrada, um carro cheio de esquerdistas resolveu me hostilizar. Havia parado para tomar um café. Um dos caras me chamou de “golpista”, acenou com a justiça física — se é que me entendem — e também com a justiça divina. Ele estava tão certo de suas convicções que não tinha tempo para o decoro, a boa educação, os fundamentos da civilização.

O arquivo do meu blog deixa claro o que penso e sempre pensei de Garotinho e Cabral. No caso deste último, diga-se, houve um tempo em que eu era o único jornalista da grande imprensa que ousava, digamos, relativizar a unanimidade.

Contem comigo para a vida civilizada.

Que se faça justiça. O ódio não tem nada a ver com isso. Não no meu mundo.

Debato política por convicção. Meus afetos estão em outro lugar.

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