Qual é a chance de terminar bem o que começa errado, avança errado e insiste no erro? Acontecer aquilo que rima com cerda.
Em depoimento à Polícia Federal, Marcelo Calero, ex-ministro da Cultura, afirmou que só se demitiu porque foi pressionado pelo próprio presidente Michel Temer a achar uma solução para atender à demanda do ministro Geddel Vieira Lima, aquele que queria, por interesse pessoal, a liberação da construção de um prédio em Salvador contra veto técnico definido pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Então vamos ver como se constrói um problema desnecessário. E faço um corte aqui: começo com a saída de Calero.
Vamos lá. Ele pediu demissão. Certamente inconformado com o assédio de que foi alvo, concedeu uma entrevista acusando a pressão de Geddel. É certo que, ao fazê-lo, praticamente inviabilizou a construção do prédio na forma pretendida pelo titular da Secretaria de Governo.
Mas o ex-ministro preservou o presidente da República. Não tocou no nome de Temer. E tenho pra mim que não o faria se não tivesse virado alvo da demonização do governo e dos governistas.
No sábado, quando a entrevista veio à luz, Temer deveria ter telefonado para Geddel: “Explique-se e se desculpe pela eventual atuação inconveniente”. E tudo teria morrido por aí.
Em vez disso, líderes fazem um aromaria de apoio a Geddel. Um deles diz que Calero deu um “piti” e que “demandas” daquela natureza são comuns em política. Na cerimônia de posse, Temer não cita o nome do antecessor de Roberto Freire, deixa-se cumprir o protocolo ao fazer os agradecimentos e larga no ar, mais uma vez, a suspeita de que o criador de caso era o ministro que cumpria a sua função constitucional.
Então ficamos assim: se o Palácio do Planalto e a máquina do governo não têm cuidado com a biografia de quem sai, por que este que sai haveria de ter com o Palácio do Planalto e a máquina do governo?
Em seu depoimento, Calero explicita como teria sido a pressão do presidente:
“Que, na quinta, 17, o depoente foi convocado pelo presidente Michel Temer a comparecer ao Palácio do Planalto; que, nessa reunião, o presidente disse ao depoente que a decisão do Iphan havia criado ‘dificuldades operacionais’ em seu gabinete, posto que o ministro Geddel encontrava-se bastante irritado; que, então, o presidente disse ao depoente para que construísse uma saída para que o processo fosse encaminhado à AGU [Advocacia-Geral da União], porque a ministra Grace Mendonça teria uma solução”.
Taí… Um problema imobiliário do sr. Geddel Viera Lima, por incompetência política do Planalto, virou uma crise de governo.
Segundo Calero, Temer teria dito mais: “Que, no final da conversa, o presidente disse ao depoente ‘que a política tinha dessas coisas, esse tipo de pressão'”.
Grita na oposição
É claro que as esquerdas não deixariam isso passar em branco. Lindbergh Farias (PT-RJ), o patriota que lutou até a última mulher para impedir o impedimento de Dilma, agora fala em impeachment de… Temer. Acusa-o de crime de responsabilidade.
A Alínea 7 do Artigo 9º da Lei 1.079 define ser crime responsabilidade “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.” Os oposicionistas defendem ainda a criação de uma CPI.
Chance
Haverá a denúncia de impeachment contra Temer? Acho que a gente pode dar isso como certo. Vai prosperar? É claro que não. Em primeiro lugar, trata-se de um óbvio exagero. Em segundo, quem faz a aceitação primária de uma denúncia contra o presidente da República é o presidente da Câmara, de modo soberano.
Rodrigo Maia (DEM-RJ), que ocupa o cargo, não aceitaria. Quem quer que o substitua faria o mesmo, já que deve ser um político da base aliada.
Mas eis aí o que custa uma administração atrapalhada da política. Quem quer que tenha aconselhado Temer nesse caso induziu-o a fazer uma besteira monumental.
PS: Ah, sim: defendi que Geddel fosse sumariamente demitido. Fez-se o contrário: decidiram fortalecê-lo. O resultado está aí.
from Reinaldo Azevedo http://ift.tt/2ftL5dh
via IFTTT
Nenhum comentário:
Postar um comentário