A reação das esquerdas cariocas, de Marcelo Freixo (o psolista derrotado) em particular, e de setores consideráveis da imprensa à vitória de Marcelo Crivella (PRB) para a Prefeitura do Rio é das coisas mais vergonhosas que vi em muitos anos. Raramente a gente pode identificar preconceitos tão diversos juntos, amarrados, compondo um eixo de valores. Raramente, em suma, os fascistas que se querem do bem foram tão explícitos.
Dito de outro modo: os esquerdistas endinheirados da Zona Sul estão revoltados com o povo das Zonas Norte e Oeste. O melhor desempenho do socialista branco, de olhos azuis (é um “critério Lula” de análise política), se deu em Cosme Velho e Laranjeiras: 67,09% dos votos válidos. Crivella, o candidato que, segundo as esquerdas, seria contra os pobres, triunfou pra valer em Cosmos, Paciência e Santa Cruz: 77,82% dos votos válidos. Acabou a paciência dos ricos distributivistas com os pretos de tão pobres e pobres de tão pretos. Eles não sabem votar!
Um emblema do inconformismo com o resultado das urnas foi a capa do jornal “Extra” desta segunda, uma das manifestações mais agudas de mau jornalismo em muitos anos. Ali estava o retrato do inconformismo com o povo, da leitura xucra da política, do fel antipopular transformado em gracinha supostamente criativa, do trocadilho infeliz alçado à condição de análise política. Vejam.
O que se tem aí? Em letras garrafais, lê-se: “O RIO É UNIVERSAL”. É evidente que se faz uma alusão direta à denominação pentecostal à qual pertence o prefeito eleito. Ao mesmo tempo, tenta-se emprestar a essa palavra o sentido denotativo: universal é aquilo que diz respeito a todos; é o contrário do particular, do isolado. Nota à margem para quem não sabe: universal, em grego, é “katholikós”. Daí deriva a “Igreja Católica”, aquela que seria de todos, não apenas de um povo eleito. Sigamos com a capa do Extra.
Abaixo do título principal, vêm, então os grupos que comporiam a universalidade do Rio, que seria o oposto da Igreja Universal: “É dos gays, do Carnaval, das mulheres, da diversidade, da umbanda, dos negros, do Cristo, da tolerância”. Na sequência, em letras maiúsculas: “AGORA É CONTIGO, CRIVELLA”.
É evidente que uma capa como essa não será analisada pelos professores de esquerda das faculdades de jornalismo. Trata-se de uma das maiores imposturas de todos os tempos. Analisemos as suas implicações:
1: é evidente que se está a sugerir que o Rio dos “gays, do Carnaval, das mulheres, dos negros etc” não votou em Crivella, mas em Freixo. Ocorre que o mapa eleitoral evidencia justamente o contrário;.
2: o Rio que votou em Freixo é, ele sim, o menos universal de todos: é majoritariamente branco, endinheirado e de esquerda;
3: se gays, admiradores do Carnaval e do Cristo, mulheres e negros tivessem votado em Freixo, o prefeito eleito do Rio seria… Freixo!;
4: noto uma sutileza eloquente na capa, referendada pela imagem: o “Extra” diz que o Rio é “da umbanda”, mas não diz que a cidade é “do cristianismo”, e sim “do Cristo”, referindo-se à estátua;
5: na diversidade imaginada pelos formulador da capa, cabe a umbanda, mas não o cristianismo, embora, como se sabe, os católicos, protestantes tradicionais e evangélicos componham a esmagadora maioria da população do Rio e de qualquer cidade;
6: a capa infere o óbvio: ser “Universal” (da igreja) corresponderia a ser um anti-universalista — e essa universalidade estaria representada pelo candidato do PSOL, com o seu ódio ao modelo que permite a diversidade humana: o capitalismo.
7: o editor do “Extra” foi modesto no apoio de Freixo à universalidade. Deveria ter dito que o Rio é também dos black blocs, não? Afinal, foram eles que infernizaram por meses a vida dos cariocas, sem que Freixo jamais tenha se prontificado a censurar a desordem que promovem.
Para encerrar
O “Extra” pertence ao grupo Globo. Crivella é sobrinho de Edir Macedo, chefão da Universal e dono da Record. Nesse caso, o exercício de preconceito e mau jornalismo só serve para alimentar a suspeita, que me parece falsa, de que estamos apenas diante de uma briga de dois grupos de comunicação. O menor se meteria em política para tentar agredir o maior; e o maior reagiria em nome da diversidade, mas com o propósito de também responder a uma questão originalmente comercial.
É tudo ruim, não é mesmo? No fim das contas, estamos falando é de desrespeito à vontade do eleitor. A maioria quis um Marcelo, não o outro.
Suponho que tal maioria também faça parte da universalidade do Rio, não? Ou universal, na concepção do pessoal que imaginou aquela capa infeliz, é só o que abriga os perdedores?
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