O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), precisa tomar um Rivrotril. Ele reagiu ontem um pouco acima do tom contra a Operação Métis, desfechada pela Polícia Federal, que acabou prendendo quatro agentes da Polícia do Senado. Numa entrevista coletiva, sobrou pancada para todo mundo: para a PF propriamente; para o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e para o juiz Wallisney de Souza OlIveira, titular da 10ª Vara Federal de Brasília.
Segundo Renan, a Polícia Federal recorre a “métodos fascistas”. Mandou ver na metralhadora: “Um juizeco de primeira instância não pode, a qualquer momento, atentar contra um Poder. É lamentável que isso aconteça num espetáculo inusitado, que nem a ditadura militar o fez, com a participação do ministro do governo federal que não tem se portado como um ministro de Estado. No máximo, tem se portado como um ministro circunstancial de governo, chefete de polícia”.
Bem, o ministro, no caso, é Alexandre de Moraes, da Justiça, que preferiu não responder. Vamos pôr os pingos nos is.
Como resta sabido desde os tempos em que José Eduardo Cardozo era titular da Pasta, e os petistas também não se conformavam com isto, o ministro não tem o que fazer nessas horas. Quando a PF envia a um juiz pedido de mandado de busca e apreensão, de prisão provisória, prisão preventiva ou condução coercitiva, isso não passa pelas mãos do titular da Justiça. Moraes não tinha o que fazer. Parece que, ao forçar a mão no ministro, Renan tenta ver se descola uma mudança na cúpula da PF. E isso não é bonito.
Também não me agrada a linguagem a que recorre para se referir a Wallisney: “juizeco de primeira instância”. Isso só serve, como serviu, para despertar brios corporativos de associações de juízes, que logo protestaram.
Feitas essas ressalvas, destaque-se: a operação, entendo, foi mesmo ilegal, e já está praticamente formado um consenso a respeito entre os que entendem de direito. A turma do pega-pra-capar não quer saber de lei. Trata-se daqueles imbecis que gostariam de trocar o autoritarismo petista pelo autoritarismo não petista.
Se o pretexto da invasão do Senado era a obstrução de escutas determinadas pelo STF, então o pedido do Ministério Público deveria ter sido enviado ao… STF. Também é falsa a alegação de que a Polícia do Senado não poderia executar diligências fora da Casa. E é mentira que a máquina empregada na varredura poderia impedir escutas legais determinadas pela Justiça. A razão é simples: quem faz isso são as empresas de telefonia.
Assim, não havia como as varreduras interferir na investigação. Foi, com efeito, uma decisão destrambelhada. Renan recorreu ao Supremo contra a operação. E é muito difícil que do tribunal não saia uma decisão óbvia: só aquela Corte pode determinar ações contra a sede de um dos Poderes da República. E não porque Wallisney seja “juizeco”, mas porque hierarquia existe. É simples.
Renan é investigado hoje em 11 inquéritos. Nem por isso fala bobagem quando afirma:
“Tenho ódio e nojo a métodos fascistas. Como presidente do Senado, cabe a mim repelir. A Lava Jato é sagrada, significa sempre avanços para o país. Mas não significa dizer que não podemos comentar seus excessos. Comentar excesso da Lava Jato ou de qualquer outra operação não significa conspiração, em português claro. A submissão ao modelo democrático não implica comportamentos passivos diante desses abusos. A nossa trincheira tem sido sempre a mesma, a Justiça, processo legal, sem temer esses arreganhos, truculência, intimidação”.
Há muita coisa errada na biografia de Renan. Mas não há nada de errado nessa fala, não.
Que fique claro: há praticamente um consenso nos meios jurídicos de que a operação foi um tiro no pé.
Que Renan pague por tudo o que fez. Se comprovados os crimes de que é acusado, isso significa que não honrou o Senado Federal. Mas o Senado Federal segue sendo parte de um dos Três Poderes e não pode ser tratado como se fosse um covil.
E que se registre de forma inequívoca: a Polícia do Senado não cometeu crime nenhum nesse caso. A operação foi, sim, só um arreganho de autoritarismo. Agora Renan deveria saber desde sempre que um ministro da Justiça não tem poder para brecar uma operação da PF autorizada pelo Poder Judiciário, ainda que determinada por um juiz de primeira instância.
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