Carlos Fernando dos Santos Lima, que é uma espécie de orientador intelectual da força-tarefa da Operação Lava Jato, saiu-se com juízos bastante singulares nesta quarta ao defender a destrambelhada ação da Polícia Federal no Senado, com autorização de um juiz de primeira instância, Vallisney de Souza Oliveira. Afirmou: “Um juiz de primeira instância pode autorizar a entrada em qualquer lugar porque não existem lugares imunes às buscas e apreensões no Brasil. Não existe nenhum santuário”.
De fato, não existem santuários. A questão é saber se, não sendo o Poder Legislativo um santuário, ele pode ser a casa da mãe joana e palco para demonstração gratuita de força e, vamos ser claros, de truculência. Com que propósito?
Como a tese do doutor é furada, é evidente que ele se atrapalha. Afirma, com acerto, que existem competências para investigar pessoas. Estou com ele. E avança: “Agora, se fosse uma investigação de algum senador, aí sim essa investigação teria de ir para o Supremo”. Mas esperem: qual era mesmo a acusação contra os funcionários do Senado? A de que eles tentavam obstar interceptações determinadas pelo… Supremo! Então é evidente que, havendo indícios razoáveis, e não há, de que a obstrução estava em curso, só um ministro do STF poderia ter dado aquela autorização.
Ele vai adiante: “Agora, varreduras são possíveis e são rotineiramente feitas para se localizarem eventuais escutas ambientais. Entretanto, o que vicia um ato é o motivo pelo qual ele é feito. Se o motivo é para verificar escutas ilegais, é correto e não tem dúvida nenhuma. Agora, se é para verificar eventuais escutas que possam ser autorizadas por um juiz, eu acho que não é correto. O que precisamos verificar é a motivação da questão”.
Está tudo errado na fala, e Santos Lima acaba de evidenciar a ilegalidade da operação. As escutas determinadas pela Justiça — logo, escutas legais — são executadas pelas operadoras de telefonia. Digamos que fosse prática corriqueira do STF autorizar escutas ambientais — o que não é: ainda assim, será que o senador não poderia solicitar uma varredura? Uma vez que ele não sabe que está sendo alvo do procedimento (ou este perderia a eficácia), é evidente que não pode ser acusado de estar tentando obstar uma determinação judicial que nem sabe existir. A menos que, agora, o doutor Santos Lima queira conhecer o fundo das consciências das pessoas mais do que o próprio Deus.
Sigamos na hipótese. Ainda que um senador tivesse dito algo assim: “Acho que o Zavascki mandou pôr uma escuta ambiental lá em casa; faça uma varredura”, ainda assim, a Polícia do Senado não teria cometido crime nenhum.
Querem uma situação semelhante? Digamos que, num processo de investigação, alguém esteja sendo monitorado secretamente, com autorização judicial, por agentes da polícia. Ora, a pessoa pode desconfiar que está sendo seguida. Se ela se socorrer de terceiras pessoas para despistar seus seguidores, será que estarão todos cometendo crime de obstrução da Justiça? A hipótese é ridícula.
Se algum ministro do Supremo tivesse imposto a senadores alguma medida cautelar e se agentes do Senado estivessem concorrendo para que os parlamentares burlassem as restrições, aí, sim, estaria caracterizada uma clara afronta a uma determinação judicial. Fazer aquele estardalhaço no Senado porque policiais da Casa estariam em busca de eventuais escutas autorizadas pela Justiça, bem, aí não tem jeito: tratou-se apenas de exercício gratuito de truculência contra o Legislativo.
Nem crime existe.
E, por último, não custa lembrar: o Ministério Público Federal também não é um santuário. Tampouco é a morada de Deus.
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