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terça-feira, 25 de outubro de 2016

ESTÃO TODOS ERRADOS – Reação de Cármen Lúcia a Renan é a fina flor do corporativismo

Meus caros, vou contar para vocês o que é o corporativismo. É assim! Digamos que um grupo de profissionais de determinada área se reúna e decida que a soma dos quadrados dos catetos não corresponde ao quadrado da hipotenusa. Digamos ainda que, para esse grupo de profissionais, negar o teorema de Pitágoras seja uma questão de manter privilégios adquiridos ao longo da história. Bem, nesse caso, independentemente do que diga a realidade, eles continuarão a negar uma obviedade que está na natureza, que está na realidade. Se for gente poderosa, todos arcaremos com o peso dessa negativa.

Querem tornar essa realidade mais terrena? Pois não! Boa parte do que o estado brasileiro arrecada hoje, nas três esferas, é consumida com salário de funcionalismo e as respectivas aposentadorias, entenderam? Ao longo dos anos, as várias categorias profissionais foram se organizando e impondo suas, digamos, “necessidades” ao conjunto dos brasileiros. Resultado? O estado está quebrado. A Previdência está quebrada. E ninguém consegue mudar nada porque a corporação não deixa.

O corporativismo é uma das formas que assume a morte da democracia. Não por acaso, os regimes fascistas, nas suas mais variadas matizes, são corporativistas. Os grupos organizados se impõem como um corpo, como uma unidade, ao estado. E quem paga a conta é sempre o pobre.

Vamos lá. O senador Renan Calheiros reagiu à ação realmente destrambelhada e ilegal perpetrada pela Polícia Federal, com autorização de um juiz de primeira instância, no Senado Federal. Já tratei do assunto aqui. Chamou o magistrado de “juizeco”. É claro que o termo é impróprio e que não cabe conferir mais temperatura à situação. Uma coisa é reagir com a energia que o caso exige — e o que se fez é, sim, coisa grave. Outra, distinta, é partir para o bate-boca.

Pois bem: a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, resolveu sair em defesa de todos os juízes e reagiu de modo igualmente impensado. Em sessão do CNJ, Cármen exigiu respeito ao Judiciário e declarou que, a cada agressão a um juiz, ela própria se sente agredida. A ministra afirmou ainda que todos os magistrados são passíveis de erros, como qualquer ser humano. Disse, no entanto, que não admite a tentativa de desmoralização de um juiz.

Afirmou literalmente a ministra:
“Todas as vezes em que um juiz é agredido, eu e cada um de nós, juízes, é agredido. E não há a menor necessidade de, numa convivência democrática, livre e harmônica, haver qualquer tipo de questionamento que não seja nos estreitos limites da constitucionalidade e da legalidade”.

A fala está assim transcrita em todos os lugares. Não honra nem a isenção nem a língua portuguesa, da qual a “juíza” se diz amante. Começo por esta. Naturalmente, Cármen pretendeu dizer “eu e cada um de nós, juízes, SOMOS AGREDIDOS”. Há na curta fala da ministra duas agressões à língua: de concordância nominal e de concordância verbal. Mas o erro verdadeiramente grave é de conceito, é de direito.

É um péssimo caminho.

Não cabe a Cármen Lúcia reagir como “juíza” à fala de Renan ou de qualquer outro. Até porque poderia estar na presidência do CNJ quem juiz não foi, a exemplo de Celso de Mello, de Gilmar Mendes, de Joaquim Barbosa e da própria Cármen Lúcia, que não têm origem na magistratura. Quando o indivíduo assume uma vaga no STF — e, por consequência, na presidência do CNJ —, deixa lá fora a sua vida pregressa. Se não for assim, um advogado de origem, como Roberto Barroso, quando chegar ao posto máximo, não terá isenção para enfrentar demandas propostas pela OAB, por exemplo.

Insisto: não endosso os termos em que Renan fez a sua crítica. Mas também considero muito ruim a reação da ministra Cármen Lúcia.

Acreditem: onde há corporativismo, há menos democracia do que seria saudável.

Não cabe à presidente do Supremo e do CNJ entrar no debate como “juíza”. Ela não é parte do conflito. Se quiser ser, deixa de ser juíza, ora…



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