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quinta-feira, 20 de outubro de 2016

“Ai, que absurdo! Ai, que esquerdista!” Apontarei dois equívocos de Moro numa só palestra

Bem, meus caros, eu não tenho nenhum receio de enfrentar patrulhas, partam de onde partirem: adversários intelectuais, amigos, ex-amigos e, acreditem, até família. Meu compromisso também com a minha mulher e filhas é dizer o que eu penso. E espero que elas façam o mesmo. Isso não obriga cada um nós a gostar do que os outros dizem. Essa é a natureza do jogo.

Na esfera pública, não reconheço ninguém acima das leis e dos valores democráticos. E, sim, vou criticar aqui duas opiniões emitidas pelo juiz Sérgio Moro, que já demonstrou gostar muito de aplauso e tolerar pouco as críticas. Em carta recente à Folha, ele sugeriu que o jornal faz mal em abrigar certas divergências. Sim, ele contestava um artigo de Rogério Cézar de Cerqueira Leite, quase todo ele, também acho, equivocado.

Mas Rosa, a Luxemburgo, já disse que “liberdade é e será sempre a liberdade dos que discordam de nós”. Lênin não concordava com ela. Ele ganhou. Ela perdeu. Deu no que deu. Na carta enviada à Folha ao menos, o juiz parece sugerir que a coisa não deva ser bem assim.

Ele conferiu uma palestra a servidores da Justiça do Paraná. Apontou um quadro de “corrupção sistêmica” no país e defendeu, por isso, a “aplicação vigorosa da lei”. Confesso não saber o que é isso. Sei o que é lei. Ainda que a safadeza fosse uma exceção no Brasil, acho que tal procedimento deveria ser “vigoroso”. Não fosse, logo haveria uma “quadro de corrupção sistêmica”.

Haver ou não um sistema não deve determinar se a aplicação da lei deve ser frouxa ou vigorosa. Há de ser sempre vigorosa: para mitigar o sistema ou para que este não passe a existir

Moro criticou o generoso sistema de recursos no Brasil. E, se querem saber, nesse particular, estou com ele. É claro que é excessivo. Até que uma reforma não mude isso, a lei tem de ser cumprida.

O juiz disse ainda outra coisa que merece esclarecimento:
“Quando a regra do jogo é a corrupção, não admitir o risco de reiteração criminosa me parece incorreto”.

Soa a tautologia, mas diz mais do que parece. De maneira encoberta, ele está se referindo a prisões preventivas. Tal prisão só se chama “cautelar” porque a sociedade se “acautela”, se previne, de crimes futuros — já que é impossível se prevenir do que já aconteceu. Moro expressa a sua discordância com o Artigo 312 do Código de Processo Penal e com outros dispositivos legais: para ele, atos do passado indicam o risco sobre o futuro. Assim, aquilo que deveria ser considerado só numa sentença condenatória, para ele, vale para decretar a preventiva.

Você tem todo o direito de achar que isso é uma maravilha. Mas essa é a Lei de Moro, não é a lei do Brasil. “Acho que Moro está certo, e o Brasil errado”. Dada a quantidade de safadeza, é compreensível. Mas me parece, então, que é preciso mudar a lei, antes que venha a Lei do Rezende, a Lei do Santos, a Lei do Azevedo… A lei de quantos sobrenomes tenham os milhares de juízes do Brasil.

Abuso de autoridade
O titular da 13ª Vara Federal de Curitiba atacou ainda o projeto que muda a lei de abuso de autoridade, a 4.898 que é de 1965. Disse ser um “atentado à magistratura”.

Já escrevi muito a respeito. O texto é de 2009 e não poderia, pois, ter sido pensado para conter a Lava Jato, como dizem alguns. Começou a tramitar na Câmara e lá ficou parado. Foi resgatado pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e tem como relator Romero Jucá  (PMDB-RR).

Já desafiei Moro, o procurador Deltan Dallagnol ou qualquer outro a apontar qual trecho da lei tolhe a liberdade do Poder Judiciário ou cria embaraços ao Ministério Público. Ninguém diz nada. Ninguém aponta nada. Opta-se sempre pela crítica genérica ao texto, que é bom.

A proposta foi elaborada a perdido do então presidente do STF e do CNJ, Gilmar Mendes. Formou-se uma comissão de especialistas para elaborar o texto, ao qual pertencia ninguém menos do que Teori Zavascki, membro do STJ à época e hoje ministro do Supremo, relator do petrolão.

Disse Moro:
“É importante que, se for realmente se pensar e aprovar esse projeto, que fossem estabelecidas salvaguardas para que ficasse claro que o alvo dessa lei não é a interpretação da magistratura a respeito do que significa o Direito. Do contrário, vai ser um atentado à independência da magistratura”.

Bem, meritíssimo sabe que uma lei não diz o que ela “não é”, mas o que ela é. Para que o texto contivesse tal salvaguarda, Moro teria de apontar que trecho do texto tenta impor uma visão de mundo ao juiz ou uma concepção fechada do que seja direito.

Meu desafio permanece: que Moro e outros detratores do projeto, a exemplo de Deltan Dallagnol, sublinhem os trechos que tolheriam a magistratura ou inibiriam a Lava Jato.

Sem isso, vira apenas o apelo do “acreditem em mim porque eu mando prender”

De resto, Moro faz mal em se lançar numa cruzada.



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