A pior coisa que pode acontecer ao Poder Judiciário de qualquer país é ceder à ideologia. Um dos maiores riscos que corre a democracia — e vou falar daqui a pouco de Sérgio Moro — é o juiz achar que pode fazer Justiça com a própria toga, ao arrepio do que está escrito. Isso nunca termina bem.
Já disse, inclusive, qual é, para a mim, a distinção básica que existe entre um “conservador”, que chamarei aqui de “liberal”, e um esquerdista. O segundo acredita que se pode transgredir as leis, recepcionadas pela democracia, para fazer Justiça. O outro tem a certeza de que ignorar a lei para ser justo só abre caminho para injustiças novas.
Por que essa introdução. Como vocês já viram abaixo, o juiz Valentino Aparecido Andrade condenou a PM de São Paulo por supostos atos violentos nas manifestações de 2013. Ele quer o Estado pague uma indenização de R$ 8 milhões.
A sentença determina ainda a elaboração de um plano para a atuação da PM em protestos — como se não houvesse um — e a proibição do uso de armas de fogo, balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. Ah, sim: ele abre exceção para os casos em que o protesto deixa de ser pacífico. Parece brincadeira. Quando foi que a PM reprimiu protestos civilizados?
Trecho
Há trechos na sentença do juiz que, a meu ver, ultrapassam o limite do aceitável por aquilo que afirmam e por aquilo que sugerem. Vamos a um deles:
“Cabe aqui chamar a atenção para um especial fato, de que durante os protestos em favor do impeachment, a mesma Polícia Militar de São Paulo, se antes atuara com desmedida violência, ali atuou de forma adequada, buscando proteger o exercício do direito de reunião, o que permitiu que aqueles protestos transcorressem tranquilamente. Isso nos conduz a uma pergunta: teria a Polícia Militar aplicado o mesmo plano de atuação de que se utilizara em 2013, ou conforme a finalidade do protesto aplicou um diferente plano de atuação?”
O juiz certamente é sério, mas esse trecho da sentença não é. Há a clara sugestão de que a corporação atuou com viés ideológico e aplicou violência seletiva.
Pergunto: o doutor teve ao menos a curiosidade de ir a algum protesto em favor do impeachment? Tivesse ido, veria que lá não havia black blocs, baderneiros, mascarados de todo tipo. Desocupados profissionais não atiravam pedras ou rojões contra os policiais. A única vítima fatal de protestos, diga-se, é o cinegrafista Santiago Andrade — morto, no caso, no Rio, por black blocs. Foi atingido por um morteiro que, soube-se depois, era destinado a atingir os policiais.
O doutor é insaciável na sua, digamos, teoria. Ele já havia tomado essa decisão em caráter liminar em outubro de 2014. A decisão provisória foi cassada pelo Tribunal de Justiça em novembro daquele ano. Agora, ele toma uma decisão de mérito.
É certo que o governo de São Paulo vai recorrer novamente. Até que sua sentença não seja revista, e espero que seja, a Polícia de São Paulo terá de enfrentar pedras, coquetéis Molotov, incendiários irresponsáveis e toda sorte de bandoleiros sem armas de fogo, sem balas de borracha, sem bombas de gás lacrimogêneo.
É uma pena que o doutor não tenha como proibir os black blocs de usar coquetéis Molotov. E uma pena que os manifestantes de extrema esquerda, em vez de tirar selfies com os policiais, como faziam aqueles favoráveis ao impeachment, prefiram tentar matá-los.
Mas quem é que liga, com o diria o neoesquerdista Caetano Veloso, para pobres de tão pretos e pretos de tão pobres, todos fardados, obrigados a manter a ordem no Estado e na cidade em que o juiz Valentino Aparecido Andrade emite sentenças?
Penso, ademais, na dimensão prática de sua decisão. A tropa vai para a rua sem aqueles apetrechos. Mas, diz o doutor, se a coisa fugir do controle, então eles poderão ser usados. É mesmo? E de quem será essa avaliação? Do doutor Valentino? E de onde cairão os instrumentos necessários para conter a turba? Do céu?
De resto, o doutor precisa saber o que é uma bomba de gás lacrimogêneo: trata-se de um instrumento de dissuasão, não de ataque. Se ninguém decidir tocar nela, não fere ninguém. É uma alternativa ao confronto físico, que pode ferir tanto policiais como manifestantes.
De resto, com todas as vênias, quem o juiz pensa ser para determinar que pais de família, maridos de família, filhos de família — quase todos eles pretos de tão pobres ou pobres de tão pretos — saiam às ruas sem qualquer instrumento de defesa ou de dissuasão para enfrentar criminosos organizados, mascaradas, dispostos a tudo?
É evidente que o doutor foi além de suas sandálias e que só o comandante de uma tropa tem condições de saber, no campo de ação, o que é e o que não é necessário para preservar a ordem pública e a integridade dos que são e dos que não são manifestantes.
O doutor pode ser isento. Mas a sua sentença é pautada pela ideologia.
Ou, então, o governador Geraldo Alckmin que seja ainda ousado: Valentino para secretário de Segurança Pública! Ele certamente saberá o que fazer!
Encerro
Valentino Aparecido Andrade, na prática, exige que os policiais corram ainda mais risco de vida do que já correm normalmente. A decisão só não é inédita porque, antes, houve outra, tomada por Valentino Aparecido Andrade.
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