Olhem, meus caros, vocês têm, felizmente, ampla liberdade para escolher o caminho que acharem melhor. Ainda voltarei a esse tema. O deste colunista é a ordem legal. Quando eu a acho insatisfatória, defendo que mude segundo as regras. A razão é simples: estamos numa democracia. A ilegalidade, para punir bandido de qualquer natureza e corrupto de qualquer partido, será sempre uma má escolha.
Pouca gente terá prestado atenção, mas, nesta terça, o Supremo Tribunal Federal evidenciou a ilegalidade de uma das dez propostas do Ministério Público para combater a corrupção: a coleta ilegal de provas, desde que de boa-fé. Cabe a pergunta: que tribunal do mundo a aceitaria? Que defensor do Estado de Direito ou da ordem democrática entraria nessa?
Quando faço a defesa do Estado de Direito — vale dizer: da legalidade —, alguns trouxas resolvem me atacar. Não é de hoje. Têm pra mim a importância que têm. O meu ponto desde sempre é este: quem fere a lei para fazer justiça é contraproducente e, no fim das contas, acaba colaborando com gente que merece ser punida.
Poucas pessoas enganaram tanto seus eleitores e admiradores como Demóstenes Torres, que já foi senador a acabou cassado. Era respeitado até pelas esquerda por sua coerência e pelo rigor na defesa de alguns pontos de vista. Quando contestado, quase sempre a vertente do ódio era ideológica apenas, despida de conteúdo.
E, no entanto, ficou claro para o país que atuava em parceria com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Foi cassado. JUSTAMENTE CASSADO. A decepção que deixou num grupo imenso de admiradores foi imensa. Parecia um caso de “o médico e o monstro”. O crime maior que cometeu foi trair a confiança de seus eleitores, que viam nele um esteio da ética.
Sim, eu falava com ele de vez em quando, embora nunca o tivesse visto pessoalmente. Quando caiu em desgraça, um blog sujo, financiado pelo PT, tentou fazer do senador um meu amigo. Gente vagabunda! Eu valorizava as suas qualidades, não os seus defeitos, que nem os esquerdistas conheciam. Ao caso.
Nesta terça, POR UNANIMIDADE, A Segunda Turma do STF anulou interceptações telefônicas que o comprometiam com Cachoeira. Razão: Demóstenes era senador, e tal procedimento só poderia ser determinado pelo Supremo. Ocorre que as gravações foram feitas no âmbito das operações Vegas e Monte Carlo, que investigaram os negócios de Cachoeira, e foram determinadas por um juiz de primeira instância.
Os ministros apontaram o óbvio: usurpação de competência. “Todas as interceptações foram feitas por autoridade incompetente para investigar senador da República, todas elas”, afirmou Dias Toffoli, o relator.
Para a Procuradoria Geral da República, isso seria irrelevante porque, afinal, não era ele o investigado. Errado. As interceptações continuaram mesmo depois que se descobriu tratar-se de um senador. É claro que o caso que lhe dizia respeito deveria ter sido remetido ao Supremo.
Todos os ministros, reitero, de escolas tão diversas, que estão longe de formar um bloco de amigos, votaram pela anulação. E com falas muito duras, a exemplo de Gilmar Mendes: “Daqui a pouco, nós chegaríamos a uma outra consideração: por que não validar a tortura se podemos aproveitar a interceptação telefônica ilícita? Por que não a prova ilícita vinda de constrangimentos físicos, psicológicos?”
De fato, as ditaduras não veem problema nisso.
Celso de Mello, o decano da Corte, foi claro: “Ninguém pode ser investigado, acusado, condenado com base em provas ilícitas. Este é um caso clássico de desrespeito à ordem constitucional”.
Ricardo Lewandowski afirmou que a Corte não vai tolerar “mais qualquer tipo de usurpação de competência”, e Teori Zavascki chamou o episódio de “lamentável”.
Não! O processo contra Demóstenes no Tribunal de Justiça de Goiás não será extinto, mas as gravações não poderão ser usadas como provas contra ele.
Notaram?
É claro que há outros elementos além das escutas. Mas não é menos claro que elas poderiam ser usadas em juízo contra Demóstenes se a primeira instância tivesse respeitado a lei e enviado o caso ao Supremo. Mas não!
Resultado: a transgressão cometida se tornou uma utilidade para Demóstenes, o que comprova a minha tese.
Claro, sempre haverá quem ache que o STF deveria ter ignorado a lei, como afirmaram alguns ignorantes quando Cunha foi preso: “Decisão desmoraliza o Supremo”. A tese: já que o pedido havia sido apresentado a Teori, por que ele não disse “sim”? Porque um deputado ou senador só podem ser presos em flagrante. Mesmo afastado, Cunha seguia sendo deputado. E flagrante não houve.
Como afirmei aqui, a coleta ilegal de provas jamais passará pelo Supremo. Já não passou.
Que isso sirva de advertência à Lava Jato. Demóstenes, o bem cassado, certamente ficou feliz com o fato de o juiz ter feito a coisa errada.
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