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quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Cabral: ele inovou ao destruir o Rio e agora serve como agente passivo do direito criativo

Sergio Cabral, quando governador do Rio, foi acumulando, vamos dizer assim, heterodoxias de estilo. E, em se confirmando o que apontam as investigações preliminares, também não era nada ortodoxo na relação que mantinha com empresários que prestavam serviços ao Estado.

A acusação que há contra ele é igualmente pouco corriqueira até para os padrões da bandidagem flagrada pela Lava-Jato: ele seria uma espécie de chefe de um enclave com regras próprias dentro do esquema criminoso mais geral.

Já na condição de investigado, as heterodoxias não pararam de acompanhá-lo. O homem teve a prisão preventiva decretada por dois juízes federais. Um dueto de magistrados mandando meter em cana preventiva um mesmo investigado abre uma fronteira nova na Lava-Jato e percorre caminhos praticamente inauditos no direito. Forma-se uma espécie de colegiado de primeira instância para prisões preventivas.

O momento é especial. O Rio está quebrado. Dá-se de barato que se trata de uma herança da… gestão Cabral. O ajuste fiscal a que o Estado terá de ser submetido será certamente doloroso. A extrema-esquerda aproveita para pôr as manguinhas de fora.

Para um político que foi acumulando ineditismos quando no cargo, outros tantos vão se apresentando. Ao justificar a sua prisão, um dos juízes, Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, decidiu tecer considerações sobre a fidelidade de Cabral a seus eleitores.

Lê-se lá: “No topo da cadeia de comando da estrutura criminosa sob investigação, conclui o Ministério Público Federal, estaria o ex-governador do Estado do Rio de Janeiro Sérgio de Oliveira Cabral Santos Filho, ora investigado (…). Se forem confirmadas as suspeitas iniciais levantadas pelos investigadores e Procuradores da República oficiantes, em especial no que diz respeito à participação do investigado Sérgio Cabral, independente da gravidade dos fatos e suas consequências sobre as finanças públicas tanto do Estado do Rio de Janeiro como da União, estaremos diante de um gravíssimo episódio de traição eleitoral, em que um indivíduo mostra-se capaz de menosprezar a confiança em si depositada por milhões de pessoas, para cargos nos Poderes Legislativos (do Estado e da União) e Executivo (do Estado) e em tantas eleições.”

Como se percebe, a apreciação não se limita à atuação de Cabral como governador. Há referências à sua trajetória política como um todo. Nada disso está no Artigo 312 do Código de Processo Penal. Mas quem há de negar que Cabral mereça?

A vez de Moro
Sérgio Moro também abriu caminhos novos, ainda que sem esquecer o Artigo 312 do CPP, que lista os motivos para alguém ser preso preventivamente.

O juiz classificou as provas reunidas pelos investigadores como uma “prática profissional e sofisticada de crimes” contra a administração pública e determinou o bloqueio de até R$ 10 milhões das contas de Cabral e de outros 11 investigados. Para lembrar: a sua decisão é relativa, exclusivamente, a uma investigação do contrato de terraplenagem do Comperj.

Se Bretas teceu considerações sobre a traição de Cabral a seu eleitorado, Moro se fixou na traição aos princípios da administração pública. Escreveu ao explicar por que o ex-governador tinha de ser preso:
“Essa necessidade faz-se ainda mais presente diante da notória situação de ruína das contas públicas do governo do Rio de Janeiro. Constituiria afronta permitir que os investigados persistissem fruindo em liberdade do produto milionário de seus crimes, inclusive com aquisição, mediante condutas de ocultação e dissimulação, de novo patrimônio, parte em bens de luxo, enquanto, por conta de gestão governamental aparentemente comprometida por corrupção e inépcia, impõe-se à população daquele Estado tamanhos sacrifícios, com aumentos de tributos e corte de salários e de investimentos públicos e sociais”. Ainda segundo Moro, a corrupção, aliada ao caos das contas, gera “uma versão criminosa de governantes ricos e governados pobres”.

A iminência — que, suponho, deve ter sido evidenciada pelo MPF — de dissipação, dissimulação ou ocultação do produto de ações criminosas, constitui motivo previsto no Artigo 312 para alguém ser preso preventivamente. Já a “versão criminosa de governantes ricos e governados pobres” é antítese de gosto literário que serve para ornar sentença condenatória — e chegará a hora de Moro redigi-la —, não para justificar a prisão preventiva.

Como governador, Cabral inovou em muitos aspectos a administração pública. Produziu uma ruína no Estado de grandes proporções e, durante uns bons anos, foi incensado por setores consideráveis da imprensa.

Agora, como investigado e preso, aponte-se a sua contribuição, ainda que passiva, para o direito criativo.



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