O Supremo Tribunal Federal precisa tomar cuidado quando se mete a preencher supostos vazios da Constituição para não criar questões que nem ele próprio possa resolver. Vamos ver?
A Rede entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade alegando que não pode estar na linha sucessória, ainda que em mera interinidade, quem é réu numa ação penal. E não pode por quê?
Diz o Parágrafo 1º do Artigo 86 da Constituição:
§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I – nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;
II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.
Muito bem! O relator da ação, Marco Aurélio, acatou a tese. Também disse que não pode. Já votaram com ele Luis Fux, Rosa Weber, Edson Fachin, Teori Zavascki e Celso de Mello. Está formada a maioria. Gilmar Mendes estava ausente da sessão, e Dias Toffoli pediu vista.
Vamos lá. A ação foi movida quando Eduardo Cunha era presidente da Câmara. O objetivo da Rede era lhe cassar o cargo de presidente da Casa. Vamos ver.
A Constituição é explícita: um presidente da República não pode ser réu. Mas nada diz sobre os respectivos presidentes da Câmara e do Senado. Se não diz, não cumpre ao Supremo legislar, certo? Ou os senhores ministros do Supremo se transformam em deputados e senadores eleitos por ninguém. Há mais.
Entendo que assumir a Presidência da República seja uma consequência do cargo ocupado; não é uma questão pessoal. Sendo assim, a Presidência interina cabe, depois do vice, pela ordem, ao presidente da Câmara e do Senado. Como a Constituição nada diz sobre a condição de réu ou não de quem ocupa tal cargo, a especulação é descabida. Mas eu sou literalista.
Admito que se possa fazer a outra leitura: se um presidente não pode ser réu, tampouco pode sê-lo quem o substitui. Ok. Que assim seja. Mas tal exigência não compromete as demais funções do presidente da Câmara ou do Senado eventualmente na condição de réu. Ou estaremos diante de um caso em que o rabo é que balança o cachorro, em vez de o cachorro balançar o rabo. A interinidade é apenas um dos rabichos da função de presidente de uma das Casas. Não será esse rabicho a determinar o resto e a impor uma exigência que não está na Constituição.
Ou, então, será preciso admitir as consequências de uma leitura diversa da minha. Qual é a idade mínima para alguém ser deputado da República? Resposta: 21 anos. Assim, em tese ao menos, um deputado pode presidir a Câmara com essa idade. Se pode, ele está na linha de sucessão interina, certo? Qual é a idade mínima para alguém ser presidente da República? Resposta: 35! Como ficamos?
É quase certo que um deputado não chegaria à Presidência da Casa antes dos 35, eu sei. Estamos aqui a lidar com possibilidades. O fato é que uma das atribuições do presidente da Câmara não determina, e é certo que assim o seja, uma idade mínima para o exercício de tal cargo. Também nesse caso, seria forçar o rabo a balançar o cachorro.
O Brasil irá no bom caminho, estejam certos, se os juízes julgarem e os legisladores legislarem. Não tenho nada contra a que se vote uma emenda deixando claro que o presidente da Câmara ou do Senado têm de deixar essa função caso se tornem réus. Também acho aceitável, embora um tanto exótico, que se estabeleça uma idade mínima para a Presidência da Câmara.
Mas atenção! Isso cabe ao senhores deputados e senadores.
Entendo que o Supremo terá de proceder a uma espécie de modulação da decisão. Então fica estabelecido: réu não posse assumir a Presidência da República nem interinamente. Mas isso não o impede de presidir a Câmara e o Senado, ainda que a gente não goste disso. Para que tal impedimento se dê, será preciso mudar a Constituição.
E o lugar de fazer isso é o Congresso Nacional.
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