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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Tudo tem de ser investigado, inclusive a motivação de algumas delações

 

Dada a forma que as coisas assumiram no Brasil, nós, da imprensa, estaríamos obrigados a tratar com igual importância todos os vazamentos de depoimento, façam eles sentido ou não. Afinal, tratar-se-ia de não privilegiar nem proteger nenhum dos lados da disputa. A suposição embute, de saída, um erro ou uma má-fé: tudo o que está no noticiário seria nada menos do que um confronto de versões do “lado” e do “outro lado”.

Assim, se um disser que o papa Francisco nunca recebeu propina do petrolão, mas o outro assegurar que “sim”, a nós, da imprensa, cumpriria noticiar o que ambos asseveram. E, por óbvio, o papa Francisco passaria a ser um suspeito. Claro! Sempre se poderia indagar que sentido faria o Sumo Pontífice receber capilé da bandidagem. Ainda que a resposta fosse “sentido nenhum”, alguém diria que nossa tarefa não é brigar com a notícia. O nosso serviço seria publicar o conteúdo do vazamento e ligar para a assessoria do Vaticano para perguntar se o herdeiro do Trono de Pedro tem algo a dizer. Eventualmente, a gente informa que, procurado, o titular do Vaticano não foi encontrado e não respondeu à solicitação até a hora tal. É evidente que não parece ser esse um bom caminho.

Por que essa digressão inicial? Carlos Alexandre de Souza Rocha, um dos delatores da Lava Jato, afirmou ter levado R$ 300 mil, no segundo semestre de 2013, a um diretor da UTC Engenharia chamado Mirada. Tal dinheiro seria destinado ao senador Aécio Neves (MG), presidente do PSDB. O tucano, obviamente, nega a acusação e a considera absurda.

Vamos ver: Souza Rocha é um ex-entregador de propinas de Youssef. Tanto o doleiro como o dono da UTC, Ricardo Pessoa, fizeram seus respectivos acordos de delação. E nenhum deles citou Aécio. Ou os dois teriam cometido uma omissão problemática, ou o tal Souza Rocha precisa ser visto com o devido cuidado. Até uma pecinha do folclore petista contra Aécio está na acusação. Transcrevo trecho da Folha: “Rocha diz ter manifestado estranheza sobre o fato do local da entrega [do dinheiro] ser o Rio de Janeiro, já que Aécio ‘mora em Minas’. Miranda teria respondido que o político ‘tem um apartamento’ e ‘vive muito no Rio de Janeiro’.” Há mais: o distribuidor de propinas também teria estranhado o fato de um oposicionista receber a grana, e o diretor da UTC teria respondido: “Aqui a gente dá dinheiro para todo mundo: situação, oposição, todo mundo.”

Ou estou muito enganado, ou tal depoimento parece talhado na medida para incriminar também a oposição e demonstrar, então, que, na política, todos são mesmo iguais, tese que, evidentemente, interessa ao petismo. Mas sejamos rigorosos.

Uma determinada hipótese interessar ao PT não implica que seja necessariamente falsa. O ponto é outro: por que a UTC, com ou sem a intermediação de Alberto Youssef, pagaria propina a Aécio? Em que o senador mineiro poderia facilitar a vida da empresa na Petrobras ou junto a qualquer outro órgão do governo? Ainda, e faço tal ressalva porque o rigor me impõe, que a UTC tivesse feito qualquer pagamento a Aécio, é evidente que tal evento não se inscreveria nas lambanças do petrolão. Poderia até ser outra coisa, mas parte do esquema criminoso que está sendo investigado, convenham, não.

Renan e Randolfe
O mesmo Souza Rocha diz que Youssef teria confidenciado um pagamento de até R$ 2 milhões para Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, e de R$ 200 mil ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Aí o petralhinha se assanha: “Ah, no caso de Renan, você acredita, mas não no de Aécio?” Não se trata de matéria de crença. Renan é investigado em seis inquéritos na Lava-Jato. Só não foi denunciado ainda por Rodrigo Janot porque o procurador-geral da República decidiu dispensar ao senador toda a bondade que não teve com Eduardo Cunha, muito especialmente depois que o presidente do Senado selou um acordo com o Palácio do Planalto.

O dinheiro teria sido repassado a Renan para que ele colaborasse para inviabilizar a CPI da Petrobras. Ele tinha, sim, poder para criar dificuldades para o andamento dos trabalhos, mas não Aécio ou Randolfe.

Tudo tem de ser investigado, claro!, inclusive a motivação de algumas delações.



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