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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Desconstruindo as mistificações de um intelectual petista em coluna de jornal

Estou mais ou menos de férias, como sabem. Por três semanas, deixarei de publicar minha coluna na Folha, “Os Pingos nos Is” só voltam ao ar no dia 11, na Jovem Pan, e este blog está em ritmo mais lento. Mas, a exemplo do que faço desde 2006, sempre que acho necessário, volto a esta, como se dizia antigamente, tribuna!

André Singer, colunista da Folha e ex-porta-voz de Lula, escreve neste sábado um artigo de uma desonestidade intelectual como raramente vi. A coisa é particularmente séria no que diz respeito ao pensamento porque Singer é professor de sociologia da USP. Pertence àquele grupo seleto de pessoas que é pago pelo estado para pensar com independência. Esquerdista que é, Singer certamente está entre aqueles que acham que o ente público que lhe garante o salário não é “neutro”. Aí ele se dá o direito de enfiar o pé na jaca.

O professor escreve um artigo para tentar demonstrar que a imprensa protege os escândalos tucanos e superdimensiona os petistas, alimentando a falácia de que existe uma conspiração na “mídia” — ele emprega essa palavra — contra o seu partido. André — eu o trato pelo prenome para distingui-lo de outro Singer, o Paul, seu pai, também membro do partido — sabe que isso é mentira. Talvez eu deixasse passar em branco se outro escrevesse as mesmas bobagens. Não ele. E, antes de desmontar suas falácias, explico por quê.

André foi secretário de Redação da Folha. À época em que exerceu essa função, estava logo abaixo do diretor de redação. Como se brinca, era o cara que mandava soltar e prender no jornal. E todos sabem que ele exerceu seu cargo com bastante altanaria. Sua irmã, Suzana Singer, anos depois, ocupou o mesmo cargo. Mais tarde, tornou-se ombudsman — é aquela senhora que me chamou de cachorro quando fui convidado para ser colunista no jornal. Ela não reconhecia em mim a isenção e a serenidade para exercer tal ofício. Não sei se entenderam a graça da coisa.

Muito bem! Se a mídia conspira contra o PT, a família Singer deve ter larga experiência nessa conspiração, já que dois de seus membros exerceram cargos de comando no principal jornal do país. Pergunto:
– alguma vez foram convocados pelo patrão para distorcer a notícia?;
– alguma vez receberam a orientação para perseguir petistas e proteger tucanos?;
– alguma vez tiveram de omitir uma notícia favorável ao PT?;
– alguma vez tiveram de inventar uma notícia contrária ao PT?;
– alguma vez foram forçados a carregar nas tintas contra o petismo?;
– alguma vez foram forçados a minimizar malfeitos tucanos?;
– alguma vez passaram a seus subordinados essa orientação?

Como, estou certo, ambos responderiam “não” a cada uma dessas indagações, pergunto: de quem exatamente André está a falar? Qual é a mídia que distorce? Ou será que esse é um defeito de caráter que atinge outros chefes de redação, mas que jamais afetaria a pureza e a independência de um Singer?

Na Folha, fui editor adjunto de política e coordenador de política da Sucursal de Brasília. Vai ver tenho cara de bobo, e ninguém me chama para conspirar por isso. André e Suzana certamente não participaram de conspiratas por excesso de caráter — devem ter deixado isso para os outros. E eu não participei por falta de esperteza: ninguém me queria para organizar tramoias.

Truque antigo
André recorre a um velho truque da esquerda, que remonta aos escritos de Lênin sobre imprensa. Segundo aquele tarado homicida, ela era necessariamente reacionária porque não controlada pela classe operária — ou, no paradigma leninista, pelos bolcheviques. Lênin, ao menos, tinha a honestidade de dizer que imprensa ruim era toda aquela que não fosse partidária — do seu partido. André omite essa pretensão.

Escreve o articulista (em negrito):
O pagamento de R$ 60 milhões por parte da Alstom, como indenização por uso de propina no mandato do pessedebista Mário Covas em São Paulo (Folha, 22/12), a revelação de que a dobradinha Nestor Cerveró-Delcídio do Amaral remonta ao tempo em que ambos serviam ao governo Fernando Henrique Cardoso (Folha, 18/12) e a condenação do ex-presidente tucano Eduardo Azeredo a 20 anos de prisão (Folha, 17/12), por esquema análogo ao que levou José Dirceu à cadeia em 2012 (condenado à metade do tempo), confirmam que há dois pesos e duas medidas no tratamento que a mídia dá aos principais partidos brasileiros.
Enquanto o PT aparece, diuturnamente, como o mais corrupto da história nacional, o PSDB, quando apanhado, merece manchetes, chamadas e registros relativamente discretos. O primeiro transita na área do megaescândalo, ao passo que o segundo ocupa a dimensão da notícia comum.

Vamos lá:
1: O caso Alstom mereceu e merece atenção enorme do jornalismo. A única coisa que foi abordada com discrição pela imprensa foi o papel ativo que teve o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, nesse episódio, atuando em dobradinha com um deputado petista e com o comando do Cade para tentar implicar o governo de São Paulo na tramoia. Cardozo teve de admitir que enviou, imaginem vocês!, um papel apócrifo ao Cade. A atuação foi de tal sorte exótica que despertou a atenção até da moribunda Comissão de Ética Pública.

2: É claro que houve corrupção em outros períodos da história. A questão é saber quando os corruptos estão num empreendimento pessoal, ou mesmo grupal, e quando atendem a um projeto de poder. Se André tem a informação de que a sujeira serviu ao PSDB, ao governo Covas ou a outros, que, então, diga.

3: Afirmar que “que a dobradinha Nestor Cerveró-Delcídio do Amaral remonta ao tempo em que ambos serviam ao governo Fernando Henrique Cardoso” chega a ser asqueroso. Ambos eram funcionários da Petrobras. De que maneira o PSDB ou o governo FHC se beneficiaram das sem-vergonhices da dupla? André quer fazer de conta que alhos e bugalhos são a mesma coisa.

4: Quem disse que se dá pouco destaque ao caso Azeredo? É uma mentira verificável pelos fatos. Singer deveria observar, por exemplo, que a condenação do ex-governador de Minas, ainda em primeira instância, é maior do que a de qualquer político do mensalão.

O militante petista André não está obrigado a fazer a distinção que vem agora, mas o professor está — se pretende encarar os seus alunos com um mínimo de verdade: o que se chamou de “mensalão mineiro”, mesmo na versão mais extrema, consistiu no uso da máquina pública para fazer caixa de campanha. Tendo acontecido como se diz, a prática é criminosa e tem de ser punida.

Mensalão e petrolão são outra coisa. Trata-se de máquinas de assalto ao estado, de que o crime eleitoral é apenas a sua expressão menos maligna. De resto, Azeredo perdeu a reeleição. O mensalão e o petrolão constituíram formas de criar uma República paralela na vigência dos governos Lula e Dilma.

Por que André distorce tão miseravelmente a verdade?

Ora, o objetivo é empurrar a imprensa não para a neutralidade, mas para a compensação. Ao acusar o jornalismo — majoritariamente petista e de esquerda, diga-se — de perseguir o PT, André pretende incitar as franjas do partido nas redações a cobrar “isenção”, que consistiria, então, em praticar equilibrismo, de sorte que PT e PSDB tivessem um mesmo número de “notícias negativas” no terreno moral. Como se o país tivesse assistido em qualquer tempo a coisas como mensalão, petrolão e eletrolão.

O ápice da empulhação teórica está aqui:
Isso não alivia a situação do PT, o qual, como antigo defensor da ética, tinha compromisso de não envolver-se com métodos ilícitos de financiamento. No entanto, o destaque desequilibrado distorce o jogo político, gerando falsa percepção de excepcionalidade do Partido dos Trabalhadores. A salvaguarda do PSDB pelos meios de comunicação reforça a tese de que o objetivo é destruir a real opção popular e não regenerar a República.

Pela ordem:
1: Notem que André não se refere ao PT como “ex-defensor da ética”, mas como “antigo”, no sentido mesmo do anterioridade, quiçá do pioneirismo… Santo Deus!

2: André restringe aos crimes do PT aos de financiamento de campanha. É mentira!

3: Mas, ora vejam, o pioneiro da ética, agora, só não quer um tratamento excepcional: o partido exige ser tratado como um corrupto semelhante aos outros.

4: Observem que, na pena de André, só existe uma “real opção popular”: o PT!  E a imprensa, na qual a família Singer saber ser chefe, estaria interessada em destruir tal opção. É mesmo? O que André, o chefe, fez em favor de tal intuito?

Mais adiante, avança:
Se a mídia quisesse, de fato, equilibrar o marcador, aproveitaria o gancho para mostrar que juízes, procuradores e policiais, vistos em conjunto, têm sido parciais. Enquanto a máquina investigatória avança de maneira implacável sobre o PT, o PSDB fica protegido por investigações que andam a passo bem lento. Aposto que se uma vinheta do tipo “e o metrô de São Paulo?” aparecesse todo dia na imprensa, em poucas semanas teríamos importantes novidades.

Desconstrua-se:
1: André, o ex-jornalista que ainda não conquistou a devida independência para ser um intelectual, não está interessado nem em jornalismo nem em Justiça: ele quer é “equilibrar o marcador”. A imprensa só seria isenta no dia em que o noticiário negativo sobre PT e PSDB fosse o mesmo, independentemente dos crimes cometidos por um e por outro.

2: O colunista também quer que se abandone a notícia em nome de uma abordagem puramente ideológica e persecutória: cobra que se demonstre a parcialidade dos investigadores. Bem, ele poderia ter usado o seu texto para elencar nomes e fatos, por exemplo. O que ele próprio não faz seria um dever indeclinável do jornalismo. E que se destaque: ele ainda pode fazê-lo. As redes sociais estão aí.

3: Prático, André chega a sugerir uma campanha: “E o metrô de São Paulo?”.

No fecho patético de seu artigo, dispara:
Hipótese plausível é que os investigadores poupem o PSDB exatamente porque sabem que não contariam com a simpatia da mídia se apertassem o cerco aos tucanos. Conforme deixa claro o juiz Sergio Moro no artigo de 2004 sobre a “mãos limpas” na Itália, a aliança com a imprensa é crucial para o sucesso desse tipo de empreitada. Trata-se de um sistema justiça-imprensa, que aqui tem agido de modo gritantemente seletivo.

Dou de barato que os Singers, quando chefes de redação, jamais foram chamados para uma conspiração. Ou a teriam denunciado, não? Por que, então, outros desempenhariam tal papel?

Segundo André, o “sistema justiça-imprensa” tem agido no Brasil de modo “gritantemente seletivo”. É… A gente percebe isso pelos efeitos… Mesmo com tanta conspiração, o PT caminha, caso Dilma se segure, para 16 anos no poder. Se dele for apeado, terá sido apenas e exclusivamente por sua obra e por suas escolhas.

O militante André Singer tem o direito de falar a asneira que quiser lá nos domínios do partido e para consumo de sua economia interna. Aquele que escreve na Folha é mais do que o militante — até porque, nesse quesito, há outros mais qualificados e graduados do que ele. O autor do artigo é também um professor de sociologia de uma universidade pública. As duas condições lhe cassam a faculdade de mentir.

A propósito: André foi secretário de Redação da Folha entre 1987 e 1988. Ele procurava “equilibrar o marcador” da cobertura entre as lambanças do governo Sarney e as da oposição, inclusive as do PT? 

Sossegue, rapaz! Assim que você e sua turma forem levados pelo eleitorado para a oposição, a imprensa continuará a ser mais crítica com o governo — com o governo de turno. Porque essa é a natureza do jogo, pouco importando quem esteja no poder. Ao menos tem de ser assim com a imprensa séria, aquela que incomoda o PT. Aquela de que André não gosta mais.

Petista, desde que o PT existe, André sempre foi. Mas ele já soube se comportar como um jornalista. Infelizmente, na academia, ele não conseguiu ainda perceber a dimensão de um professor, repetindo o erro grotesco de outros que se comportam, na universidade, como esbirros de um partido.

Se André quer ser apenas um prosélito, deveria cair na militância pra valer e se candidatar a um cargo no partido.



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