Há coisas que a lógica convencional não explica. Quando isso acontece na política, quase sempre a verdade está com alguma tramoia subterrânea. Então vamos ver.
Há um processo de impeachment em curso, ainda nos seus primeiros passos. Por escolha do governo, a tramitação será demorada — e, podem crer, o calendário estendido joga contra o Planalto, daí o esforço malsucedido de suspender o recesso. Sigamos.
Michel Temer, obviamente, é alternativa de poder, dado um governo no qual ninguém aposta. Uma nota à margem: a situação é tão surrealista que pessoas racionais, inteligentes, sensatas mesmo, dão, às vezes, respostas disparatadas: não acreditam no impeachment de Dilma, mas também acham que ela não tem como chegar ao fim do mandato…
Eis que se alevanta, então, um “líder” para não apenas inviabilizar o impeachment no Senado — não é de hoje que Renan faz promessas (já volto ao ponto) —, impedindo, então, a ascensão de Temer, como também para destituir o vice-presidente da República do comando do PMDB.
Quem é o líder? Ora, ninguém menos no que Renan Calheiros, investigado em imodestos seis inquéritos da Operação Lava Jato. Não duvidem: se o inimigo do Planalto fosse Renan, em vez de Cunha, quem, a esta altura, estaria denunciado — não é mesmo, Rodrigo Janot? — e com um processo no Conselho de Ética seria… Renan!
A ousadia tarja-preta do presidente do Senado é mesmo impressionante, típica de quem aposta em alguma garantia que nos escapa. De onde vem a certeza de que pode se mover com tanta desenvoltura, oferecendo-se, a um só tempo, como esbirro do Planalto e como o homem que vai tirar Temer do comando do PMDB, para jogar o partido no colo do governo?
Um pouco de lógica convencional: dado o quadro, se você é um peemedebista, leitor amigo, gostaria de ter um capitão como esse, com essa ficha? Para conduzir o navio a que porto?
O partido realiza a sua convenção em março. Renan se mexe freneticamente, em parceria com o Palácio do Planalto, para destituir Michel Temer do comando da sigla. A Folha informa que o vice recebeu em sua casa os figurões do PMDB do Rio, fração importante da legenda, que está contra o impeachment, para tratar da chamada unidade. Estiveram com ele em São Paulo o governador Luiz Fernando Pezão, o prefeito Eduardo Paes e o ex-governador Sérgio Cabral — além de Moreira Franco, braço-direito do presidente do PMDB.
A ala fluminense teria deixado claro que se opõe, sim, ao impeachment de Dilma, mas defende que Temer continue no comando do PMDB. Moreira Franco também conversou com o deputado estadual Jorge Picciani (PMDB-RJ), pai de Leonardo, o líder que foi destituído e reconduzido ao posto.
Duvido um pouco que Renan consiga liderar a rebelião para ser um condestável de um eventual novo comando do PMDB. Ainda que não destitua Temer, é evidente que a dobradinha Planalto-Renan surtiu um efeito positivo para o Planalto:
a: obrigou o vice a jogar na defesa em seu próprio território;
b: lançou dúvidas em alguns setores sobre a capacidade de ele “unir o país”.
Mas o que quer Renan?
Vejam que curioso. As respectivas estratégias de Eduardo Cunha, investigado em três inquéritos, e de Renan, investigado em seis, são distintas desde o começo. O presidente da Câmara sempre soube que, vamos dizer, não tinha trânsito no Ministério Público, e denunciou, com linguagem beligerante, que o Planalto jogava em dobradinha com Rodrigo Janot. Nunca teve dúvida de que tentariam mandá-lo para a guilhotina e procurou armar a sua defesa na Casa que preside.
Renan, já faz tempo, procurou outro caminho. Celebrou um acordo com Dilma ao tempo em que as contas do governo ainda estavam sob avaliação no TCU. Não ser muito importunado pelo Ministério Público Federal era parte da sua paga. E ele não foi, certo? Denunciei a manobra aqui no dia 12 de agosto e voltei ao assunto no dia 17 do mesmo mês.
No caso do TCU, Renan não conseguiu entregar o que prometeu. O governo avançou com tal violência contra o tribunal que não sobrou aos ministros outro caminho que não o voto unânime contra as contabilidade de Dilma. Mas o presidente do Senado não fez por menos e resolveu retardar a votação do relatório. E segue sendo, desde aquela data, a fiel escudeiro do Planalto.
Que curioso, não? Cunha partiu para o confronto na certeza de que Janot jogava em dobradinha com o Palácio para destruí-lo. Renan, visivelmente, faz o contrário, mas também na certeza de que a dobradinha existe e de que esta lhe pode ser útil.
Mas como, se há seis inquéritos e até uma quebra de sigilo?, perguntaria alguém. Com a devida vênia, existe uma diferença entre investigação e mise-en-scène. Exemplo de investigação: o que o MP fez com Cunha. Exemplo de mise-en-scène (por enquanto ao menos): o que está fazendo com Renan. Cai na conversa quem quer.
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