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terça-feira, 18 de outubro de 2016

O estado democrático E de direito e um livro sobre a morte de Celso Daniel

 

CELSO DANIEL LIVRO

Que coisa, não é?

Lula escreve um artigo hoje na Folha em defesa do estado de direito. Faz a síntese que melhor lhe parece do seu caso. E eu não esperava mesmo que se incriminasse. Mais ainda: o estado democrático E de direito lhe assegura o direito de se defender. Ainda bem: se ele não gozasse dessa prerrogativa, o provável que é você, leitor, dela também não usufruísse. Nem eu.

Pois é… Eu também defendo o estado democrático “E” de direito. Nunca junto essas palavras sem o conectivo. A razão é simples. Um estado democrático será, necessariamente, de direito, mas um estado de direito pode não ser democrático. Convém lembrar disso sempre. A ditadura militar brasileira era, em regra, um estado de direito. Adiante.

Então eu e Lula somos iguais aos olhos de alguns comediantes morais de plantão? Vamos ver.

Eu defendia os valores de hoje quando o PT estava na Prefeitura de Santo André, e eu já era crítico do partido, bem antes de bater no PT virar uma profissão. E uma profissão rentável para muitos. Hoje em dia, ainda mais, né? Duro era cutucar a onça com vara curta quando os companheiros estavam no auge. Mais difícil ainda era apontar as suas falhas quando se dizia que eles representavam a esperança. Fui redator-chefe do “Diário do Grande ABC” no fim da década de 80 — os donos eram outros. Sei bem o que peso das coisas.

E depois tive revista, que os companheiros ajudaram a fechar com a sua brutalidade.

A propósito: acaba de sair o livro “Celso Daniel: política, corrupção e morte no coração do PT”, de Silvio Navarro, editor da VEJA.com e da TVeja. Comecei a ler hoje. É coisa de craque. Navarro desfaz o emaranhado em que está envolta a morte do prefeito de Santo André — cidade-sede do “Diário” — e traz à luz personagens novas. Quem matou Daniel? Leiam o livro.

Uma coisa resta inequívoca: o software do “modelo petista de gestão”, coisa na qual Lula não entra em seu artigo, foi desenvolvido em Santo André. E, no caso, meus caros, lamento pelos velhos e novos detratores, não tem pra ninguém: sou pioneiro nessa crítica até porque eu estava lá. Não me tornei crítico do PT só para escandalizar. Conheço de perto seus métodos de gestão. A palavra “petralha” foi criada em homenagem à gestão petista de Santo André. Celso ainda estava vivo.

Estado de direito
Por isso, seja quando Lula é o tema, seja quando estamos nos referindo ao dito “massacre do Carandiru”; seja quando o interlocutor público é o sr. Ivan Sartori ou o sr. Sergio Moro; seja quando o acusado é um ex-presidente da República ou um amigo jornalista, podem contar com a minha fé no estado democrático E de direito.

Não existe uma escolha entre essa convicção e outra consequência qualquer. Sem o ordenamento jurídico que dá ossatura à vida democrática, não se constrói civilização, só arbítrio. E eu não vou abrir mão de fazer a coisa certa, de dizer a coisa certa, de defender a coisa certa. E o “certo”, no caso, é o que apontam os códigos recepcionados pela democracia.

Eis uma das razões por que o desembargador Ivan Sartori não pode, por exemplo, nem mesmo tentar o dedo em riste contra mim porque ele sabe que, no embate comigo, ele já perdeu. Porque eu tenho clareza de que parte do seu voto no caso do Carandiru — a anulação — está amparada em texto inequívoco. A absolvição no ambiente do TJ, que ele também defende, é matéria polêmica.

E assim será em todos os casos, pouco importa quem seja o alvo.

Volto a Celso, volto a Lula
O petrolão, que aí está, começou a ser gestado em Santo André. A repulsa do PT ao estado democrático E de direito, em nome do qual Lula agora se defende, é muito mais profunda do que parece. O que lamento, à margem, é que uns tantos, sob o pretexto de punir o próprio Lula, possam fazer pouco caso do que não é um valor negociável. E eu não vou negociar.

O PT e Lula passam. Os valores com que serão punidos tenderão a permanecer por muito tempo. Se os promotores que hoje investigam as safadezas do PT e de outros partidos pretendem, entre as suas 10 medidas:
– legalizar a coleta ilegal de provas;
– fazer teste aleatório de honestidade;
– criar embaraços indevidos ao habeas corpus…

Então direi: NÃO CONTEM COMIGO. Não terão o meu apoio. Não para essas três medidas. O meu oponente privilegiado não é Lula, mas a incivilização. Ele não é meu inimigo pessoal. Alguns podem me ter nessa condição, mas eu não os tenho — o que pode ser um pouco frustrante, admito.

É uma pena mesmo que Lula tenha descoberto tardiamente os valores do estado democrático E de direito. Certamente não era nele que pensava quando comandou a articulação para que seu partido se tornasse a única referência na política. Certamente não era nele que pensava quando seus partidários tentavam aniquilar moralmente os que consideravam adversários, estivessem onde estivessem. Certamente não era nele que pensava quando cravou a expressão “herança maldita” para classificar tudo o que tinha vindo na política antes dele e não útil a seus propósitos.

Eu estava do outro lado.

De qual lado? Do lado tucano? Que bobagem! Eu estava do lado do ordenamento jurídico democrático, onde estou ainda hoje, quando Lula caiu em desgraça. E DEFENDO QUE ELE TENHA AS PRERROGATIVAS QUE A OUTROS SEMPRE NEGOU. Ou Lula, por acaso, esperou que a Justiça desse a última palavra antes de destruir a honra de um adversário? Ou seu partido hesitou alguma vez quando se tratou de destroçar a reputação de alguém que não era útil a seus propósitos?

MAS ATENÇÃO! NÃO É O DESTINO DE LULA QUE ME FAZ ESCOLHER ISSO OU AQUILO.

Perguntem se os petistas preferem enfrentar no debate público essa minha postura ou a estridência vazia. Eles sabem a diferença entre um argumento e uma caricatura.

Eu poderia dizer a Lula agora: “Bem-vindo ao estado democrático E de direito”. Só não o faço porque fico imaginando qual seria a sua postura se, no seu lugar, estivesse Fernando Henrique Cardoso ou um adversário qualquer. Aliás, nós vimos: diante de todas as arbitrariedades cometidas pela Operação Satiagraha, comandada pelo então buliçoso delegado Protógenes, o então presidente se limitava a dizer que as pessoas estavam reclamando porque, afinal, a Polícia Federal passara a investigar de verdade.

Ah, sim: a Satiagraha perseguiu, inclusive, alguns jornalistas que se insurgiram contra atos atrabiliários.

Concluo
Façam o seguinte: leiam o livro de Silvio Navarro. Vejam como tudo começou. Eu continuo lutando para que o desfecho seja a continuidade das garantias democráticas.

E podem espernear à vontade que não arredo pé.



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