Já escrevi aqui algumas vezes que a pior reforma da Previdência é a impossível — e tudo, pois, ficaria como está, com o país quebrado. E a melhor é a possível. Mas desde que se mude o suficiente para tornar o sistema ao menos viável. Penso que o presidente Michel Temer está certo quando afirma que as mudanças que o governo imprimiu ao texto não caracterizam um “recuo”. Trata-se de negociação.
Negociadores, com efeito, não recuam, mas cedem diante de circunstâncias apresentadas pelos interlocutores.
E, agora sim, cumpre dizer: o governo já cedeu o que podia. A partir do ponto a que se chegou, já se caminharia para a descaracterização de um texto que, reitero, busca a solvência do sistema. E, ora vejam!, sabem quem está na linha de frente da resistência às reformas, a fazer lobby desbragado no Congresso, a pressionar parlamentares, a apelar, queira ou não, a uma espécie de chantagem? O Ministério Público Federal!
Sim, senhores! Esse ente que hoje se apresenta como o salvador da pátria, que reivindica o monopólio da virtude, que pretende ser o Poder Moderador do Brasil — ou, quem sabe, o Poder Único (PUN)… Bem, esse valente defensor dos nossos interesses não quer a reforma da Previdência. A atuação se dá, vamos dizer, nas sombras. Já chego lá.
Concessões
Sim, o governo entrou na reforma consciente de que enfrentaria dificuldades. Tentou criar um modelo para durar, sei lá, uma quatro décadas. Não vai conseguir. Se o texto passar como está, é possível que, em 15 ou 20 anos, o debate se recoloque. Bem, mas que se busque então a solvência para esse tempo. É melhor do que o desastre de hoje, é certo!
– No texto original, propunha-se idade mínima de 65 anos, independentemente de gênero. Agora, a das mulheres caiu para 62;
– na primeira versão, na prática, a aposentadoria de 100% requereria 49 anos de contribuição; caiu para 40;
– o limite de 62 anos para mulheres e 65 para homens vale também para os servidores, com exigência de 25 anos de tempo mínimo de contribuição;
– na primeira versão, professores e policiais estavam sujeitos às mesmas regras dos trabalhadores do setor privado; agora, professores se aposentam aos, 60 e policiais, aos 55 anos;
– a proposta para o trabalhador rural no texto original era 65 anos de idade mínima. Caiu para 57 para mulheres e 60 para homens. Exigia-se um tempo mínimo de contribuição de 25 anos; caiu para 15.
– a pensão por morte seria desvinculada do salário mínimo. Não será mais, até um limite de dois mínimos para quem acumula pensão e aposentadoria;
– o Benefício de Prestação Continuada não estaria vinculado ao salário mínimo, e a idade inicial para recebe-lo passaria de 65 para 70 anos. O mínimo continua a ser a referência, e a idade para o BPC passa a ser 68;
– Antes, havia uma idade mínima para o contribuinte entrar nas regras de transição. Não mais. Haverá 30% de pedágio sobre o tempo que ainda falta para o trabalhador cumprir a regra atual:
- a) 35 anos de contribuição para homens e 30 para mulheres;
- b) será preciso ter a idade mínima, segundo uma tabela, que muda a cada dois anos. Em 2017, por exemplo, é de 53 anos para mulheres e 55 para homens. Em 2036, será de 62 anos para as mulheres; em 2028, de 65 para os homens.
Ambiente hostil
O que se vê acima é um governo com disposição de negociar. Até porque a reforma é inadiável, mas não poderia ser feita em ambiente político mais hostil. Afinal, a direita xucra vitupera contra os políticos — quaisquer políticos, sob o estímulo do Ministério Público Federal —, e a esquerda (com o auxílio de direitistas, sim!) tenta inviabilizar a mudança previdenciária. Deputados e senadores, e serão eles a votar, desse modo, são intimidades pelo berreiro cretino de uns e de outros.
Foi preciso, sim, negociar mais do que seria razoável em tempos normais. Mas não estamos em tempos normais. Como se encontra, ainda que menos efetiva do que se pretendia, a reforma segue sendo essencial para o país.
Pressão
Mais eis que aqueles que se apresentam como o braço armado (de ira santa) do povo; que abusam de sua autoridade e gravam vídeos contra o projeto que aperfeiçoa a lei que pune abuso de autoridade; que abusam de sua autoridade e criam páginas na Internet sobre a operação, como se investigados em inquérito já fossem condenados (mais um abuso de autoridade), eis, então, que os bravos senhores do Ministério Público, por intermédio de suas seções internas e associações de caráter sindical, resolveram se opor à reforma.
E a pressão é exercida sobre deputados e senadores. Vale dizer: os valentes tribunos do povo do Ministério Público querem manter inalterados os privilégios de que dispõem hoje. Acontece, e todos sabem — também os parlamentares —, que o MPF tem poder de vida e morte sobre os políticos. Com a devida vênia, a coisa assume ares de chantagem e ameaça.
Como?
Ah, você não acredita? Acha que estou pegando no pé do Ministério Público? Então clique aqui e acesse a “Nota Técnica” que a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão enviou ao Congresso. Algumas das alterações acima ainda não haviam sido feitas, é verdade, mas elas não mudam o espírito do texto, que quer mesmo é deixar tudo como está.
Uma das entidades mais combativas — contra a reforma — é um troço que, com absoluta certeza, só existe no Brasil (e confesso que nem procedi a uma pesquisa para assegurá-lo): chama-se “Frentas”. É uma, atenção!, “Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público”. Vocês entenderam direito: em Banânia, quem investiga e acusa forma uma entidade de caráter sindical com quem julga. Só falta agora chamar a Polícia!
A tal frente está empenhada em combater a reforma e em pedir reajuste de salários… Num encontro havido no fim do mês passado, estavam presentes representantes da Associação Nacional do Membros do Ministério Público (Conamp), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), e Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT), Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e Associação dos Magistrados do Brasil (AMB).
Encerro
É isso aí, meu bom brasileiro! Saia às ruas brandindo fotos de Deltan Dallagnol, Carlos Fernando, Rodrigo Janot e Sérgio Moro. Afinal, eles estão fazendo um meritório trabalho de combate à corrupção. E estão mesmo! É uma evidência. Mas pertencem à categoria daqueles que, hoje, têm a certeza de que lhes cabe o governo do Brasil.
E, como é sabido, todos aqueles que outorgam a si mesmos o poder absoluto começam sempre por preservar os próprios privilégios.
Arquivado em:Brasil, Economia, Política
from Reinaldo Azevedo – VEJA.com http://ift.tt/2olhdZH
via IFTTT
Nenhum comentário:
Postar um comentário