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sexta-feira, 10 de março de 2017

Bolsonaro ensina como combater o feminicídio: com o homicídio!

Gente, há muito tempo eu não via uma, como posso chamar?, conexão, sinapse ou sei lá o quê tão bem-feita como um vídeo de Jair Bolsonaro, que está no site “Nas Ruas”.

Vocês têm de assistir. Está aqui.

Essa é a “direita” — e coloquem-se aspas aí — que diz que quer chegar ao poder.

O deputado — um mártir da liberdade de expressão, uma pobre vítima do pensamento politicamente correto, um Cristo do esquerdismo romano — é aquele senhor que acha que mulheres feias não merecem ser estupradas.

Como a sua mulher, a sua filha e a sua irmã — e quem sabe as dele — são bonitas, há de se concluir que mereçam.

“Ah, não distorça o que ele disse!”

É?

Topo um debate com quem se disponha a ser o linguista do bolsonarismo. O urso desdentado não vale. É tão linguista como filósofo. A propósito: as doações de internautas voltaram aos níveis anteriores? Sigamos.

A propósito: o debatedor leve as fotos das mulheres da família para que os bolsonarismo avalie se mereceriam ou não ser estupradas. Eu não levarei. Acho que essa fala é crime.

Bolsonaro, aquele que não é estuprador, mas, se fosse, só estupraria as mulheres que merecessem (as bonitas), resolveu fazer a sua saudação no Dia Internacional da Mulher.

E disse esta maravilha: “Parabéns a todas as mulheres do Brasil PORQUE (notaram o engate?) eu defendo a posse de armas de fogo para todos, né?, inclusive vocês, obviamente, as mulheres. Que nós temos de acabar com o mi-mi-mi. Acabar com essa história de feminicídio; que, daí, com arma na cintura, vai ter é homicídio. Tá ok? Felicidades aí”.

Carla Zambelli, que é líder do tal Nas Ruas, gostou da fala, parece. Riu.

Pois é

Qual é um dos principais problemas da direita xucra, de que Bolsonaro é o epítome? Transformar uma boa causa em simples expressão do fascismo da vulgaridade, em grosseria, em estupidez, em sordidez além dos limites do que pode tolerar a civilização.

A boa causa e a vulgaridade
Ou não é o que ele faz no vídeo? Eu, por exemplo, sou contra essa história de “feminicídio” ou “lei anti-homofobia” em razão daquilo que entendo deva ser o direito: uma norma tendente ao universal — no universo onde vigora a lei —, que não distingue os seres agravados nem diferentemente os agravadores a depender de suas vítimas.

Bolsonaro é a versão boçal disso. Ou o avesso disso. Seu combate à tese do “feminicídio” ignora questões de princípio. Ele não gosta é de feministas. Seu combate à lei anti-homofobia nada tem a ver com a agressão a fundamentos da Constituição. É que ele não gosta de gays e acha que estes só estão por aí porque não tomaram uma surra (“um couro”) de seus respectivos pais.

Bolsonaro é um Midas bem particular. Tudo aquilo em que toca vira dejeto.

As lutas da direita liberal, submetidas à sua leitura, viram coisas abjetas.

Lobby armamentista
Ainda não entendi direito esse lobby em favor das armas e da revisão do Estatuto do Desarmamento. E não emprego a palavra no seu sentido pecuniário. Até porque, se eu souber que há opiniões compradas, eu informarei. Não sei.

O que se nota — e, bem, eu estudei linguística — é que o deputado recitou um texto ensaiado, que buscava, inclusive, ser engraçado.

Sim, claro!, Bolsonaro sabe que “homicídio” não é, vamos dizer, masculino de “feminicídio” porque a primeira palavra se refere ao assassinato do “humano”, não ao do macho. O “homo” que ali vai é o “sapiens”. Para Dilma, quando muda de gênero, é “mulher sapiens”…

Bolsonaro estava tentando ser engraçado. E, quando ele faz humor, apela a coisas como arma e homicídios. Quando ele fala a sério, como vimos, diz que só as mulheres bonitas merecem ser estupradas.

Cálculo ruim
Bem, digo o que penso, não? É a minha profissão. E torço para que o Supremo condene Bolsonaro, o que implicará a cassação de seu mandato e a inelegibilidade.

Mas não sou o único a torcer por isso. Há gente vibrando em silêncio mais do que eu ou mesmo lhe emprestando solidariedade. Mas simula o contrário.

Finge indignação, mas torce para o Supremo quebrar as pernas do buliçoso deputado porque, afinal, é evidente que a extrema-direita não tem votos para ganhar a eleição. Mas não é menos evidente que pode criar dificuldades para “J. Pinto Fernandes” (cito Drummond), que seria o candidato “ideal” da direita.

Em suma: o delírio em curso consiste em achar que a próxima disputa será a união de todas as esquerdas contra a união de todas as direitas. Como se um liberal ao lado de Bolsonaro fosse menos exótico que um liberal ao lado do PT. Para ser franco, acho é até mais: um liberal sempre pode ensinar alguma coisas aos petistas, como Marcos Lisboa ensino, no primeiro governo Lula, o valor da responsabilidade fiscal. Mas um liberal nada tem a ensinar a Bolsonaro porque o valentão considera o seu parceiro um frouxo. No máximo, ao lado de figura tão singular, o liberal se torna um pouco mais burro.

Bem! Tomara que o país não caminhe para tal polarização por pelo menos dois motivos: 1: porque seria péssimo para o futuro do país; 2: porque “todas as direitas” perderiam.

Mas isso é prefiguração.

Fascinante mesmo é ver essa manifestação de sofisticação intelectual em ação.

Caras e caros, sei bem o que passei a enfrentar depois que cravei a expressão “direita xucra”.

Não me arrependo. Na verdade, eu me orgulho.

O pior adversário de um liberal é a direita xucra. Desde a Alemanha da década de 20 do século passado.


Arquivado em:Brasil, Política


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