Ai, ai…
Já escrevi aqui que os canalhas só aprenderam com Maquiavel a defesa de meios ilícitos com fins supostamente nobres e a apologia da traição ao outro e à palavra empenhada. Da leitura de “O Príncipe”, os que leram, só não restou o apego aos fatos. O presidente Michel Temer resolveu retirar da proposta de reforma da Previdência os servidores estaduais e municipais que tenham regimes próprios. Quem é contra a reforma vibra e acha que é só o começo. Quem é favorável vê uma capitulação inaceitável. Eu estou entre os que defendem a reforma. Como reagir?
Em primeiro lugar, com uma pergunta quase socrática, para um diálogo imaginário: “Por que diabos Temer faria isso?” Bem, certamente, na raiz da decisão não há uma questão ideológica. Ocorre que, hoje, o governo ainda não teria maioria para aprovar o texto — está longe disso. A resistência maior, detectou o Planalto, e é verdade, parte dos Estados, especialmente de professores — cuja mobilização, justa ou injusta, costuma contar com apoio popular — e de policiais civis.
Claro, claro! Você sempre pode dar uma de moleque birrento ou bater o pezinho, como aquela garota chatinha de “A Fantástica Fábrica de Chocolates” ou pode se ater aos… fatos. É preciso operar com critérios. Na sua vida privada, você tem todo o direito de apostar tudo, correndo o risco de ficar sem nada. De um governante, espero que faça as apostas possíveis.
Convocar manifestação, diga-se, contra os políticos, tem lá as suas facilidades, não é? Aliás, há quem pretenda, a um só tempo, malhá-los e instá-los a aprovar uma reforma da Previdência a mais draconiana… Mas faço aqui um desafio: que tal convocar uma passeata em defesa da reforma da Previdência? Quantas pessoas iriam às ruas?
A reforma é necessária. É vital para o país sair do buraco. Mas isso não a torna, por si, uma proposta popular. Boa parte dos que vomitam seu rancor na Internet contra os políticos e o Congresso é contra a reforma da Previdência. Querem um teste? Perguntem o que o buliçoso Jair Bolsonaro pensa a respeito? E, no entanto, os “bolsonaristas” irão às ruas contra os… políticos. Espero que não levem a garrucha. A propósito: os que vão defender a Lava Jato também empenharão seu apoio a vazamentos ilegais e coletivas em off? Sigo.
No que diz respeito às contas federais, a mudança é irrelevante. Mas é claro que uma pressão se desloca para os Estados e municípios, e os governadores, prefeitos e e respectivas Assembleias e Câmaras terão de responder ao desafio de criar um sistema viável. Os chefes dos Executivos estaduais e municipais gostariam, claro!, que tudo emanasse do governo federal. Assim, poderiam se eximir de quaisquer responsabilidades políticas. Diga-se o mesmo de deputados estaduais e vereadores. Bem, não vai ser assim. Essa responsabilidade terá de ser compartilhada.
E é bom que seja. Assim se testam também as convicções e a dedicação à causa das contas públicas dessas outras lideranças. De todo modo, esse não foi o propósito. O governo apenas constatou que deixar o texto como estava, correspondia a ficar com reforma nenhuma. Eu gosto disso? A resposta, obviamente, é não. Mas não se trata de questão de gosto e sim de qual era a alternativa.
Mas Temer acertou ou errou? Acho que acerta ao apostar no possível. E não pensem que, de imediato, isso já dá ao governo a maioria necessária. Ainda não.
Bem, quem sabe alguns milhões em favor da reforma da Previdência consigam mudar esse quadro, não é mesmo? Aguardo a convocação. Aí também vou pra rua.
O pior é que há o risco de a direita xucra não entender a ironia e comê-la pensando ser alfafa.
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