“Ah, agora Gilmar Mendes quer anular as provas da Lava jato que vazaram”. Trata-se, obviamente, de um exagero — em particular do Estadão, que deu o seguinte título na homepage da versão online: “Gilmar acusa PGR de crime e defende anulação de delações que vazaram”. Bem, é o que se chama “esquentar” a notícia para tentar torná-la ainda mais atraente.
Mas, afinal, o que disse o ministro nesse particular? Isto:
“[já propus] o descarte de material vazado, uma espécie de contaminação de provas colhidas licitamente, mas divulgadas ilicitamente (…) E acho que nós deveríamos considerar este aspecto.”
Vamos àquilo que o ministro disse no ano passado, ao seu contexto e à sua eventual aplicação no presente. Provas, delações ou testemunhos, vazados ou não, não serão descartados liminarmente por ninguém. Nem por Mendes. Algum disciplinamento há de haver, nascido ou de lei votada no Congresso ou de decisão do próprio STF. E, sim, defendo que se criem regras para isso.
Afirmar que o ministro quer descartar provas da Lava Jato que foram vazadas corresponde a ignorar o real debate. Mendes certamente se referia a vazamentos que são industriados pelo órgão investigador, pelo órgão acusador. O ministro não é ingênuo e sabe que a anulação de qualquer prova que vazasse levaria bandidos a tornar públicas evidências contra si mesmos para que não pudessem ser usadas em juízo. Ou ainda: a defesa de acusados poderia, ela mesma, vazar uma delação para que esta se inviabilizasse.
Parece haver um esforço para ignorar a crítica realmente feita pelo ministro. Seu alvo principal foi um crime cometido por procuradores da República, denunciado por Paula Cesarino Costa, ombudsman da Folha. Os valentes integrantes do MPF decidiram vazar nomes da “Lista de Janot” numa entrevista coletiva, mas concedia em off. Vale dizer: os jornalistas, com apuro ético duvidoso, assistiram em grupo ao cometimento de um crime grave e silenciaram. Isso é diferente, reitero, de um jornalista estabelecer uma relação com uma fonte.
E, sim, considero o óbvio: os jornalistas não têm o dever legal do sigilo. Mas acho eticamente inaceitável que silenciem, em pool, diante de um crime.
De todo modo, a imprensa tem costas largas, não é? Ela Wiecko, subprocuradora da República e representante da PGR na sessão, tentou livrar a cara de seus parceiros de MPF. Disse: “Uma coisa que me chama muito a atenção é o poder da mídia. Aqui, no caso, a ombudsman da Folha inclusive critica o próprio jornal. E é isso que vejo: a mídia estabelece o momento, eles fazem investigação, sim, ministro, têm acesso, não sei como, mas eles têm muitas informações e estabelecem o momento em que colocam essas notícias a público”.
E ouviu a resposta óbvia: “A mídia não estaria divulgando nomes se esses nomes não tivessem sido fornecidos. É muito claro! Não vou acreditar que a mídia teve acesso [à lista de Janot] a partir de uma sessão espírita, isso parece ser evidente”.
O ministro também criticou duramente o espalhafato da Operação Carne Fraca e a tomou como símbolo de que alguns órgãos de Estado estão tentando instituir as próprias leis: “Um delegado decide fazer uma operação, a maior do Brasil, para investigar a situação da carne. Anuncia que todos nós estaríamos comendo carne podre e que o Brasil estava exportando para o mundo carne viciada. Por que fez isso? Porque, no quadro de debilidade da política, não há mais anteparos, perderam os freios. E não querem que se aprove a lei de abuso de autoridade.”
Alguém seria capaz de negar?
Arquivado em:Brasil, Política
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