Quando olho a qualidade daqueles que se alinham contra mim nas redes sociais, tendo Olavo de Carvalho como o candidato a Vírgílio do inferno, eu me dou conta dos meus múltiplos acertos. Não fossem os meus amigos quem são, não fossem tão queridos, eu teria hoje em dia mais razão para me orgulhar dos que têm a pretensão de ser meus inimigos.
Constato o que querem e pensam. Observo a sutileza e a precisão dos argumentos. Deparo-me com a estupidez em estado bruto, com o raciocínio mais alvar, com a simplificação grosseira. Tudo isso, como se sabe, é marca do fascismo de direita. E o de esquerda? Não é mais inteligente. Apenas substitui a distopia despótica dos seus colegas do outro lado pela utopia despótica.
Tudo lixo.
Olavo, o “mago” (se não me engano, está tentando ganhar uns trocos dando aula de ocultismo ou algo assim: ele é bom em ocultar coisa), tem como como arma Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e seus fanáticos.
Só não sejam inocentes. Vivemos a era em que se compram adesões e silêncios. E tudo custa muito caro. A Lava Jato tem razão, claro!, ao dizer que a safadeza não é monopólio do PT! O que há de safado hoje em dia apontando os crimes dos petistas, ah, é uma enormidade! “E você, Reinaldo, é diferente?” Bem, a “polícia” deles já tentou me desmoralizar, não é? Sim, sou diferente. Vivo do meu trabalho desde os 15 anos. Não peço que acreditem ou apostem em mim. Moral proletária.
É curioso que tentem atacar A Hebraica-SP por não ter convidado Bolsonaro — não houve “desconvite”; isso é falso — apelando à liberdade de expressão. Olhem o massacre que os sicários do deputado e dessa extrema-direita babona tentam promover nas redes. Como nem os brucutus conseguem defender a frase do seu líder, segundo quem um garoto gay merece é ser espancado pelo pai (“levar um couro”), então tentam sair pela tangente. “Ah, mentira, Bolsomito (engulhos!) só era contra o kit gay”.
Kit gay
Falso! Contra o kit gay, eu também me posicionei. Aliás, antes de Bolsonaro! E com a dureza necessária. Evidenciei a sua impertinência técnica; deixei claro que o material abrigava uma espécie de assédio moral; apontei até o erro de matemática no filme. Está aqui, neste post de 2011.
Dizia um filmete sobre um garoto que se descobria bissexual: “Foi copiando a lição de probabilidade, que Leonardo teve um estalo: por que precisaria decidir ficar só com garotas ou só com garotos se ele se interessava pelos dois? E ele não era de ficar com qualquer um. Mas, quando ele gostava, não importava se era garoto ou garota. E, gostando dos dois, a probabilidade de encontrar alguém por quem sentisse atração era quase 50% maior. Tinha duas vezes mais chance de encontrar alguém (…)!”
Escrevi então: “Se Leonardo, antes, colhia os seus namoros em apenas 50% do público namorável — as meninas — e poderia, descoberta a sua bissexualidade, fazer a coleta também nos outros 50%, então a probabilidade de encontrar alguém por quem sentisse atração “era 100% maior”, não 50%. Erro de matemática. Bando de ignorantes! O professor que ensinou probabilidade para o Leonardo deveria ser um craque em homoafetividade, mas um estúpido na sua disciplina.”
Eis aí. Aliás, mais de uma vez, defendi o direito que Bolsonaro tinha de dizer tolices. Evidenciei em reiteradas oportunidades o que me parecia simples patrulha. Reconheci que Dilma só vetou o kit gay de Fernando Haddad em razão da quizomba que ele armou no Congresso. Mas era ele quem não se levava a sério.
Uma coisa é combater o proselitismo em sala de aula — de qualquer tipo —; outra, distinta, é achar que tal combate confere ao sujeito o direito de pregar que garotos gays sejam espancados ou afirmar que nem todas as mulheres “merecem” ser estupradas — só as bonitas! “Ah, ele não disse isso!” As palavras têm sentido.
Um colunista
Um amigo me manda um link de um post de Tony Goes, colunista do F5 e militante gay. Ele escreve sobre o caso da Hebraica e critica opinião expressa por Clóvis Rossi, segundo quem o clube “silenciou” Bolsonaro ao não convidá-lo. A tese: boçalidades como as que diz o deputado têm de ser conhecidas para que sejam combatidas. Minha opinião, como sabem, é outra: se eu fosse judeu, sentir-me-ia, do ponto de vista moral, duplamente obrigado a recusar a presença do ilustre: por aquilo que há de humano e universal em mim; por que aquilo que me é (seria) particular. Já expus a minha tese: um judeu tem estampada na alma a memória der ser perseguido só por ser o que se é.
Escreve Gois: “Por incrível que pareça, hoje eu estou mais para a opinião do Reinaldo Azevedo do que para o do Clóvis Rossi.”
Tem lá a sua graça esse “por incrível que pareça”. Não tenho a ilusão de que o autor seja meu leitor regular. Mas uma coisa é certa: ele é outros tantos que acham “incrível” concordar comigo certamente “leram” mais o que disseram que escrevi do que aquilo que efetivamente escrevi. Em 11 anos de blog, procurem um único texto que saia do trilho da defesa do Estado democrático e de direito, da tolerância, da diversidade, da convivência dos contrários — sem que, por isso, precisemos abrir mão do que efetivamente pensamos.
Oponho-me, sim, à chamada lei que “criminaliza” a homofobia ou a que pune o chamado “feminicídio” por uma questão de lógica elementar, de filosofia do direito. Aceito debater o aumento da pena para homicídio, mas repudio esse direito pautado por ideologia de gênero, classe ou ofício. Sou um liberal, não um comunista. Sou um liberal, não um fascista.
Os imbecis têm hoje um mantra: “Ah, o Reinaldo mudou…” Uma ova! Não digo que jamais mudei de opinião porque, afinal, estúpido não sou. Era presidencialista, por exemplo. Sou um parlamentarista radical hoje. Já fui militante de esquerda. Há 30 anos pelo menos, sou um liberal e me considero da chamada “direita democrática”. Sim, existe uma direita antidemocrática e fascistóide. E esta é tão minha adversária intelectual como a esquerda. Com uma diferença: ela consegue ser mais brutal e mais ignorante.
Infelizmente, e conheço os dois lados da moeda, circulam mais livros, em qualquer de suas plataformas, entre esquerdistas do que entre direitistas. Os comunas também veem mais filmes. Dedicam-se mais ao debate cultural. Seu legue de referências é muito maior. Produzem, com tudo isso, uma formidável montanha de lixo, mistificação e quinquilharias ideológicas. Mas ainda é mais eficiente que o cemitério de ideias e a ignorância militante do outro lado. Desgraçadamente é assim. Tanto é verdade que a esquerda costuma vencer as guerrilhas cultuais, não é? E Trump? Bem, foi preciso apelar à pós-verdade e aos russos. Vamos ver quanto tempo vai durar.
Encerro
Não sou “likedependente”. Sempre soube o que me custaria enfrentar personagens como Olavo, Bolsonaro e minoridades associadas. Sei também o peso de recusar certas ofertas de amizade de gente que desprezo. E não pensem que fiz isso ou aquilo para defender A ou B. Fiz porque achei certo, porque achei justo, porque a coragem é uma virtude em si, assim como a covardia é um defeito de caráter em si.
Coragem e covardia são elementos estruturantes da personalidade. A coragem será sempre encantadora, mesmo a de um tolo. A covardia será sempre asquerosa, mesmo a de um sábio.
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