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quarta-feira, 15 de março de 2017

Assim não, Gaspari! As ruas nem redimem nem condenam o impossível

Elio Gaspari escreve um texto na Folha de hoje que requer uma explicação — no caso, é ele quem tem de explicar, não eu. E também desenvolve uma tese que é, para dizer pouco, polêmica. Começo por esta.

Escreve ele: “Só a rua salva a operação Lava Jato da pizza”. Bem, no Brasil e no mundo, a rua já salvou e já danou, não é mesmo? Se a gente diz que “só a rua” é capaz de operar alguma coisa, o que se faz é ignorar as instituições.

Como fiz a defesa enfática do impeachment e apoiei as manifestações públicas, um dia alguém me perguntou numa entrevista: “E se o Congresso recusar o impedimento de Dilma?” Dei a resposta que devem dar as pessoas que aceitam os pressupostos da democracia: respeite-se o resultado!0

Ir à rua, obedecendo as regras da democracia, em favor disso ou daquilo é do jogo. Não aceitar a decisão do colegiado a quem cabe… decidir, bem, aí já se trata de delinquência política.

Assim, por óbvio, não existe, no regime democrático, o “só a rua pode”. As instituições podem. Os cidadãos pressionam. Bem, esse, claro, é o ponto de vista de um direitista liberal. E gostaria que alguém me dissesse se há algo na minha convicção que agride a doutrina…

Triplo salto carpado argumentativo
Escreve Gaspari:
A grande pizza começa a ser assada fabricando-se um tipo de anistia parlamentar e/ou judiciária para o caixa dois. Em seguida as propinas virarão caixa dois e estamos conversados.”

Há impropriedades diferentes e combinadas no trecho. E é nesse ponto que ele nos deve, a seus leitores, uma explicação.

O Artigo 1º do Código Penal traz de forma cristalina:
“Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”

Ganha uma daquelas bolsas de estudo que Gaspari costuma distribuir quem disser qual é o artigo do Código Penal que trata do “crime de caixa dois” e qual é a “cominação legal”.

Ninguém leva o galardão. Acho, sim, que é preciso criar o “crime de caixa dois”. Há que se votar uma lei para isso. Mas, como é sabido, leis penais só podem retroagir para beneficiar pessoas, nunca para punir.

Atenção! Não existe “anistia judiciária”. Segundo o Inciso VIII do Artigo 48 da Constituição, a concessão de anistia, de qualquer uma, é uma prerrogativa do Congresso, do Poder Legislativo, com a sanção do presidente da República. Assim, sob nenhuma hipótese, um juiz anistia alguém. O que a Justiça faz é aplicar a decisão.

E aí Gaspari emenda:
“Em seguida, as propinas virarão caixa dois e estamos conversados”.

Não! Não virarão! Como é que isso poderia ser posto em lei, Gaspari? Não há caminho jurídico para isso. O que muitos defendem é o inverso: o caixa dois, que crime não é, só poderá ser considerado “propina” ou “lavagem de dinheiro” se o Ministério Público Federal produzir a prova de que esses outros crimes foram cometidos.

Uma das coisas que me incomodam no alinhamento automático da imprensa com a Lava Jato (não me refiro a Gaspari em particular; se achasse, diria) é essa fabricação de falsas evidências. Que o colunista não me responda, mas responda a si mesmo: quem poderá impedir o Ministério Público de denunciar alguém por corrupção (propina) se a dita-cuja aconteceu?

Finalmente, noto que Gaspari mandou muito mal no caso do financiamento de campanha e do voto em lista. Pode até ajudar as ruas, mas não colabora com os fatos. Eu sou radicalmente contrário às duas coisas. Defendo a doação de empresas a campanhas e quero voto distrital.

Mas o jornalista deveria dizer, então, quem põe o guizo no pescoço do gato já para 2018. Quem vai dar a cara ao tapa e liderar a luta pelo financiamento de empresas? Não só isso. Ainda que possível fosse, haveria empresas para doar depois do tsunami? Não creio.

Ora, se financiamento de empresas não haverá, então tem de ser público. Só para 2018, defendo eu. Essa modalidade, parece-me, traz junto o voto em lista. Ou se fará o quê? Distribuir “x” reais para cada candidato a deputado do Partido Y fazer a própria campanha? Não faz sentido!

E, bem, a minha boa proposta é a seguinte: que se comece agora um estudo profundo, incluindo especialistas em lavagem de dinheiro, caixa dois e coisas do gênero para elaborar um projeto de reabilitação da doação de empresas, mas em novos moldes. E, obviamente, em vez do voto proporcional ou em lista, instituir-se-ia o voto distrital.

Em suma:
– não existe proposta nenhuma de anistia do caixa dois porque já não é crime;}
– não existe proposta nenhuma para chamar propina de caixa dois;
– o Judiciário não pode conceder anistia;
– sem doação de empresas e sem fundo público, a eleição continuaria à mercê do crime organizado;
– ninguém se mostra com coragem de resgatar as doações privadas para 2018;
– se a doação for pública, a única coisa que faz sentido é o voto em lista.

E eu repudio as duas coisas. Mas o modelo em vigor é ainda mais perigoso.

Nota: é verdade que Gaspari fala em “um tipo de anistia”… Bem, é um jeito de deixar claro que anistia não é, e ele sabe disso. A química, por exemplo, não aceitaria essa imprecisão. O carvão jamais será considerado “um tipo de diamante”. Ou o contrário.


Arquivado em:Brasil, Política


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