Donald Trump está no poder há meros 11 dias. E já deu para perceber que o mundo que ele deseja é incompatível com um estágio de civilização para o qual contribuíram, de forma definidora, ora vejam!, os Estados Unidos.
A globalização econômica é uma construção e uma conquista americanas. A aldeia global, na área da cultura, é uma construção e uma conquista americanas; a forma como está organizado o sistema de trocas entre as nações — indústria, comércio, serviços — é uma criação e uma conquista americanas. A tudo isso o celerado resolveu dar as costas.
No fim das contas, olhem que estupefaciente!, descobrimos que existe um homem que odeia o papel desempenhado pelos Estados Unidos nos últimos 150 anos. Seu nome é Donald Trump.
E como ele chegou lá? Existe uma crise econômica e social aguda no país, situação que costuma abrir as portas para delinquentes da estirpe de Trump? A resposta, obviamente, é “não”. Ao contrário: o sistema, com erros e acertos, deu prova de vitalidade. Então como foi que o desastre se deu?
Trump, com efeito, é um acontecimento só possível na era das redes sociais. Os demagogos de plantão tendem a chamar isso tudo de “o verdadeiro povo” — como se os críticos do presidente fossem o “falso”. Não! Não são “o verdadeiro” coisa nenhuma! Até porque os mecanismos de manipulação da opinião público e de plantação deliberada de mentiras estão comprovados. O que as redes têm feito, isto sim, é nivelar verdades e mentiras. No fim das contas, tudo seria apenas “opinião”.
Mais: paranoides como Trump sempre estão a insinuar que há grandes conspirações e maquinações em curso e que um ente maligno qualquer, escondido em algum lugar do planeta, está engabelando todo mundo. Os agentes das trevas seriam “os políticos”. E Trump, por óbvio, se apresenta como um não-político.
A imigração sem freios, sem métodos, sem planejamento, sem controle — escolham aí — cria problemas? Ora, é claro que sim! Há o risco efetivo de terroristas se imiscuírem entre refugiados e imigrantes? Mais do que risco: isso já aconteceu. Mas a resposta é erguer um muro com um país vizinho, no que é uma declaração mitigada de guerra? A resposta é proibir por 90 dias a entrada no país de cidadãos de Irã, Iraque, Síria, Iêmen, Somália e Sudão? Ou impedir por 120 dias o ingresso de refugiados?
A reação a esse destrambelhamento é forte. Dezesseis procuradores estaduais — sim, de Estados governados por democratas — resolveram declarar guerra à medida. Juízes estão reafirmando a sua ilegalidade. Empresas americanas também a criticam; reitores das universidades se opõem ao texto, e o imbróglio atinge a administração: Trump demitiu, como se fosse ainda o chefão de “O Aprendiz”, a procuradora-geral interina, Sally Yates, depois de ela declarar que o Departamento de Justiça não defenderia a decisão do presidente.
Pois é… Onze dias. Sai reforçada a impressão que tenho de que não conclui o mandato. Há muito, uma parte essencial dos interesses americanos mundo afora depende da admiração. Isto mesmo: a máquina publicitária fez do “jeito americano de viver” uma espécie de éden a ser alcançado, vivido, emulado.
Em 11 dias, o que se vê mundo afora é uma onda de ódio e repulsa aos EUA que seus piores inimigos não conseguiriam estimular. Mais uma obra de Trump.
Por isso, infiro que, antes que ele quebre o sistema americano e a pax americana, serão a pax americana e o sistema americano a quebrá-lo.
Querem saber? Por mim, quanto mais maluco, melhor. Que se apresse o seu destino.
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