Cármen Lúcia, presidente do Supremo, precisa tomar cuidado para não se deixar picar pela mosca azul — com brocados dourados — que transmite às vítimas o Complexo de Luís XIV. Caso se pegue à frente do espelho tentada a dizer “Le STF c’est moi”, convém buscar o remédio com urgência na Constituição e no Regimento Interno do Supremo.
A ministra fez o que pode e deve: autorizou os juízes que trabalhavam com Teori Zavascki — e que continuavam na lida mesmo durante o recesso judicial — a retomar o trabalho. Sim, eis uma decisão que um presidente plantonista da corte pode tomar durante o recesso.
Agora Cármen Lúcia tem de decidir se vai fazer, sob o estímulo de Rodrigo Janot, o que nem pode nem deve: ser ela mesma a homologar, ainda durante o recesso, na condição de plantonista, as delações.
Se o fizer, não estará se comportando como magistrada, mas como despachante dos interesses dos Ministério Público Federal. Pior do que isso: estará dando um chute no traseiro dos outros nove ministros. A troco de quê? Será que Cármen Lúcia pode, no tribunal, dar lição de moral a todos eles e reivindicar um, sei lá como chamar, exclusivismo ético?
É impressionante que setores da imprensa flertem com isso e estimulem a, nada menos!!!, presidente do Supremo a desrespeitar a lei. Vamos ver.
Teori voltaria ao trabalho no dia 1º de fevereiro. Os juízes e outros profissionais que o auxiliam lhe passariam então a síntese das delações. Atenção para o que vem: – ninguém sabe quando ele as homologaria: – ninguém sabe se o faria em conjunto ou caso a caso; – ninguém sabe, por óbvio, se iria recusar alguma.
Ou sabe? Quem tem essa informação? Cármen Lúcia? Rodrigo Janot? Os juízes auxiliares?
Muito bem! O procurador-geral da República, num movimento estranho à lógica, recorreu à ministra com um pedido de urgência no caso, o que, em tese, abriria brecha para Cármen Lúcia, ainda durante o recesso, homologar ela mesma as delações da Odebrecht.
Para registro: há quem aposte que esse movimento de Janot foi combinado com a presidente do Supremo, o que lhe daria pretexto para atropelar o Regimento Interno e todos os seus colegas de tribunal. Vamos ver.
Ora, se um simples pedido de urgência do procurador-geral desse ao presidente do tribunal o poder de se comportar como relator, isso poderia ser feito em qualquer caso, pouco importando se esse relator está morto ou vivo.
Parece piada: quer dizer que, com Teori vivo, Janot não via uma pressa tal que levasse à homologação ainda antes de fevereiro. Com Teori morto, no entanto, é preciso acelerar a decisão? Vale dizer: Cármen e Janot veriam na morte do ministro uma janela de oportunidades para apressar os trabalhos?
Não, senhores! O Regimento Interno do Supremo não prevê que o presidente plantonista se comporte como relator de casos. Está lá para atender a algumas urgências processuais, não as urgências políticas do procurador-geral da República. Se Cármen o fizer, estará exorbitando de suas funções. Não creio que haverá um levante na Casa, é claro!, mas o fato é que ela estará dizendo não reconhecer a existência de outro ministro capaz de se desincumbir de tão importante tarefa.
Mais: caso assim procedesse, estaríamos diante de uma homologação conscienciosa ou de um mero despacho burocrático, para dar satisfação à torcida? A resposta é óbvia.
Em vez de desmoralizar o Supremo, o Regimento Interno e os outros nove ministros, creio que Cármen Lúcia deveria é reunir logo seus pares para definir um critério que resulte na escolha do futuro relator da Lava-Jato. A ele, sim, cabe a tarefa de avaliar as delações para homologá-las ou não.
“Ah, mas haverá atraso…”, grita alguém. É mesmo? De quantos dias? Qual era a data estipulada por Teori? Havia, por acaso, um calendário? Então, para que não se tenha o atraso impossível de mensurar, vai-se optar pela antecipação, em desrespeito explícito à norma?
Ora, vamos parar de mistificação! Há ministros no Supremo cuja retidão moral nada deixam a dever à de Cármen Lúcia. Realmente não sei em que nicho e em razão de que lobby se consolidou a fantasia de que só ela, agora, conseguiria tomar uma decisão isenta nesse caso. Ainda que o fizesse ao arrepio da lei.
Deixo um conselho à ministra: a esta altura, Vossa Excelência já conta com todos os elementos necessários para, em companhia de seus pares, decidir que critério será aplicado para a escolha do relator da Lava-Jato. A meritíssima sabe que é dele a atribuição de homologar as delações.
Afinal, todos nós admiramos a Lava-Jato porque prezamos a lei, o Estado de Direito, não é mesmo, Janot? Ou agora se vai optar pela gambiarra também no Supremo? E tudo em nome de uma moral superior?
Ademais, moral superior que viola as instituições será sempre moral inferior.
Arquivado em:Blogs, Brasil, Política
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