Li inteirinho o despacho do juiz Sérgio Moro, que transformou Lula em réu pela segunda vez — a Justiça Federal de Brasília já havia aceitado uma denúncia contra ele por tentativa de obstrução da Justiça no caso do planejamento da fuga de Nestor Cerveró, que já tinha dado início às tratativas para a delação premiada.
A íntegra do despacho está no blog. Sugiro que a leiam. Embora os procuradores da força-tarefa tenham largado uma batata quente no colo do juiz, ele a descascou e digeriu sem ressalvas. Moro endossou, sem reservas, o procedimento e a sequência narrativa de Deltan Dallagnol, ainda tenha destacado que a aceitação da denúncia não implique reconhecimento de culpa e que admita que os fatos apresentados como provas sejam questionáveis.
Escreve o juiz:
“Nessa fase processual, não cabe exame aprofundado das provas, algo só viável após a instrução e especialmente o exercício do direito de defesa. Basta, nessa fase, analisar se a denúncia tem justa causa, ou seja, se ampara-se em substrato probatório razoável. Juízo de admissibilidade da denúncia não significa juízo conclusivo quanto à presença da responsabilidade criminal.”
Num determinado ponto do despacho, escreve o juiz um trecho que certamente dará azo a polêmicas:
“É durante o trâmite da ação penal que o ex-Presidente poderá exercer livremente a sua defesa, assim como será durante ele que caberá à Acusação produzir a prova acima de qualquer dúvida razoável de suas alegações caso pretenda a condenação. O processo é, portanto, uma oportunidade para ambas as partes”.
Isso é polêmico por quê? O acusador provar que o acusado é culpado seria um fundamento equivalente ao acusado provar que é inocente.
Depois de lembrar que o MPF acusa Lula de ter recebido R$ 3.738.738,00 de um total de R$ 87.624.971,26 que a OAS teria pagado em propina — e esse pagamento se deu no caso do tríplex de Guarujá e do armazenamento de seu acerbo pessoal —, Moro segue um percurso para aceitar a denúncia, a saber:
1: não há dúvida de que a Petrobras foi palco das ações de uma organização criminosa;
2: quatro ex-diretores da Petrobras já foram condenados — dois deles fizeram delação premiada e confessaram os crimes;
3: as condenações de Pedro Correa, Luiz Argolo e José Dirceu provam a existência do esquema;
4: já está comprovado que, num conjunto de obras, a OAS pagou propina de R$ 29.223.961,00, o que já custou a condenação de Léo Pinheiro.
E Lula?
Elencados esses elementos, Moro conclui que o MPF consegue evidenciar, na primeira parte da denúncia, a existência do esquema criminoso, mas observa: “Questão diferenciada diz respeito ao envolvimento consciente ou não do ex-presidente no esquema criminoso.”
Moro elenca, então, as razões apontadas pelo MPF para denunciar Lula:
1: arranjos partidários, similares aos do mensalão, foram feitos com o conhecimento do então presidente;
2: a proximidade de Lula com alguns dos empreiteiros investigados;
3: os benefícios obtidos pelo PT decorrentes do esquema;
4: as delações de Pedro Correa e Delcídio do Amaral afirmando que ele sabia de tudo.
Mas isso prova a tese do Ministério Público? O próprio Moro responde:
“Certamente, tais elementos probatórios são questionáveis, mas, nessa fase preliminar, não se exige conclusão quanto à presença da responsabilidade criminal, mas apenas justa causa.”
A segunda parte
O juiz, em seguida, esmiúça a segunda parte da denúncia e destaca as evidências de que a família Lula da Silva tinha, sim, vínculos com o tríplex e que são, ao menos, consistentes os indícios de que Lula seja o proprietário oculto do imóvel.
Tanto o apartamento como o pagamento do armazenamento do acervo pessoal do ex-presidente podem ser, pois, frutos do esquema criminoso.
E Moro enfatiza mais uma vez que os elementos dados são, a seu juízo, suficientes para aceitar ao menos a denúncia. Escreve:
“Tais fatos e provas são suficientes para a admissibilidade da denúncia e sem prejuízo do contraditório e ampla discussão, durante o processo judicial, no qual os acusados, inclusive o ex-Presidente, terão todas as oportunidades de defesa.”
Em defesa dos procuradores
Note-se que Sérgio Moro faz uma defesa nada discreta do procedimento adotado pelos procuradores ao explicar por que deram tanta ênfase à organização criminosa se, afinal, Lula não seria acusado desse tipo penal. Escreve ele:
“A omissão encontra justificativa plausível, pois esse fato está em apuração perante o Egrégio Supremo Tribunal Federal (Inquérito 3989), pois a suposta associação também envolveria agentes que detêm foro por prerrogativa de função e em relação ao ex-Presidente não teria havido desmembramento quanto a este crime.
Os fatos, porém, não foram descritos gratuitamente, sendo necessários para a caracterização das vantagens materiais supostamente concedidas pelo Grupo OAS ao ex-Presidente como propinas em crimes de corrupção e não meros presentes.”
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