O apresentador Fausto Silva tem um apelido: “Faustão”, que rimou com o seu “Domingão”. O aumentativo certamente deriva de seu corpo avantajado. A partir deste domingo, também designa a ligeireza truculenta a que pode recorrer para opinar a respeito de um assunto sobre o qual está escandalosamente desinformado. Foi o que fez ao investir contra a reforma do ensino médio. Dado o canhão de influenciar a opinião pública que tem nas mãos, trata-se de uma irresponsabilidade. Seu programa já teve altos e baixos. Chegou ao fundo do poço quando levou uma mulher nua que servia de bandeja de sushi. Ou quando transformou pessoas com deformidades físicas em atração. A televisão italiana vista pelos olhos de Fellini ficaria ruborizada. Depois reencontrou o eixo entre o entretenimento e um papo sempre meio moralista sobre política, com sotaque esquerdizante.
Vindo da cobertura futebolística, Fausto foi repórter de campo e levou para a TV o estilo zagueiro de fazenda: “Deixa que eu chuto”. Às vezes, a bola vai parar no mato. Neste domingo, logo depois de Diego Hypólito narrar as agruras por que passou e sua autossuperação — reclamando que atleta não tem aposentadoria (no Brasil, se a gente não toma cuidado, tudo termina em teta… no mau sentido!) —, num papo chato pra caramba, o apresentador resolveu opinar sobre a reforma no ensino médio nestes termos:
“A educação física, os caras iam tirar. Essa porra desse governo nem começou, não sabe se comunicar e já faz a reforma sem consultar ninguém. Então, o país que mais precisa de educação faz uma reforma com cinco gatos pingados que não entendem porra nenhuma, que não consultam ninguém e aí, de repente, tiram a educação física, que é fundamental na formação do cidadão. Aí, quando você percebe, um país como esse, que tem uma saúde de quinta [categoria], não tem segurança, não tem emprego, não tem respeito a profissões básicas. O país que não respeita professor, pessoal da polícia e pessoal da área de saúde é um país que não oferece o mínimo aos seus cidadãos”.
Vamos lá
Comecemos pelo óbvio. Quem não sabe porra nenhuma da reforma é Faustão. Opinar é coisa séria. Não basta dar uma de zagueiro de fazenda. Especialmente quando está falando a milhões de pessoas. Poderia observar que Faustão jamais se referiu às gestões petistas como “essa porra desse governo”. E olhem que aquela porra daquele governo:
– quebrou o país;
– quebrou a Petrobrás;
– elevou a dívida pública a um patamar insuportável;
– produziu 12 milhões de desempregados;
– rebaixou a segurança e a saúde a patamares inéditos;
– roubou e espoliou os pobres, como resta provado.
Eu não teria grande dificuldade, caso a tanto me dedicasse, de demonstrar que, se Fausto não foi exatamente um estafeta daquele regime, foi um seu aliado objetivo durante boa parte do tempo. “Porra de governo”? Ele mal começou, ocupado que está ainda em desarmar as bombas que herdou. Mas não quero me ater a isso.
Crítica ignorante
É claro que Fausto não leu a proposta e ignora o debate. Está vocalizando as críticas corporativistas da esquerda. Está repetindo a bobajada que circula entre os grupelhos das redes sociais. Vamos ver.
1: O governo não decidiu quais disciplinas ficam e quais saem da grade. Isso será definido com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A previsão é que ocorra no primeiro semestre de 2017. E já estamos muito atrasados nisso;
2: se Fausto Silva entrar no Google para consultar a Constituição de 1988 — SIM, FAUSTO, ELA JÁ VAI COMPLETAR 30 ANOS —, encontrará lá o caput do Artigo 210, em que se lê:
“Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.”;
3: ao longo de quase três décadas, isso não saiu do papel; um dos empecilhos está no corporativismo e no assembleísmo dos esquerdistas de meia-tigela aos quais, tudo indica, Fausto deu ouvidos;
4: é mentira que o a proposta tenha ouvido só alguns gatos-pingados. A MP repete boa parte do conteúdo da Lei 6.840, que está sendo debatida na Câmara desde 2013;
5: a MP não definiu que disciplinas vão desaparecer, mas quais serão fixas nos três anos: português, matemática e inglês;
6: nos primeiros 18 meses, os alunos do Brasil inteiro terão o mesmo número de disciplinas — definidas pela BNCC; nos 18 meses finais, poderão eles próprios compor a grade, segundo seus interesses;
7: implementado adequadamente — e o desafio é hercúleo —, ter-se-á ensino considerado integral: pelo menos sete horas diárias;
8: abre-se a possibilidade de conciliar a capacitação técnica com o ensino de segundo grau.
Notem: o que a MP faz é apenas dar o primeiro passo, para romper o marasmo. Muita energia terá de ser dispensada para fazer esse modelo funcionar. Seus fundamentos estão absolutamente corretos: aumentar a arbitragem do aluno; aproximar o ensino médio da vida real; manter o estudante mais tempo na escola; criar as condições para a implementação da BNCC; combater a evasão escolar.
Isso é bom para os brasileiros e é especialmente positivo para os alunos mais pobres, que frequentam a escola pública, uma vez que as melhores instituições privadas há muito fizeram adaptações para que a camisa de força da lei em vigor não as impeça de oferecer uma formação melhor a seus clientes.
A crítica de Fausto é desinformada, obscurantista, grosseira e, obviamente, despropositada porque vazada numa linguagem incompatível com o debate, impedindo o lado atacado de se defender.
“Ah, o governo se comunica mal…”, ele diz. Pode até ser. Mas não há comunicação eficiente quando se enfrentam a desinformação e a truculência. De resto, nada impede Fausto Silva de se informar antes de disparar os seus petardos. Ou de recorrer a um trabalho competente de produção que possa municiá-lo com os dados corretos. Ele tem condições para isso.
É claro que Fausto tem a liberdade de dizer o que quiser. Mas também tem de se desculpar quando passa uma informação inverídica a milhões de brasileiros.
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