Vamos parar de conversa mole. Se Guido Mantega estivesse se confessando com o papa Francisco e se a Polícia Federal conseguisse acesso ao recinto, ele poderia ter sido preso até no Vaticano — com os devidos entendimentos diplomáticos, é claro.
Exceção feita à restrição de horário, para preservar a inviolabilidade do lar, Mantega poderia ter sido preso em qualquer lugar. Esse negócio de que é um absurdo prender alguém num hospital — e nem foi exatamente assim que a coisa se deu — só serve para enganar trouxas.
Ocorre que a alegação do juiz Sérgio Moro para soltar o ministro leva a essa conclusão. É claro que se trata de um atilado senso de marketing do juiz: ele percebeu que a prisão de um homem já entrado na terceira idade, que é retirado de um hospital, onde sua mulher se trata de um câncer — e no dia de uma cirurgia — era antipropaganda para a Lava-Jato. Somos um povo de coração mole, certo?
Lamento o sofrimento de qualquer pessoa — e, pois, também o da mulher do ex-ministro e da família. Mas isso, para mim, no que concerne à questão pública, é absolutamente irrelevante. Eu não estou chocado com a suposta crueldade da PF e da Lava-Jato.
A prisão não poderia ter acontecido porque é ilegal; porque não atende aos requisitos da Lei 7.960, que trata da prisão provisória. E é claro que Moro tem consciência disso.
A força-tarefa sabe muito bem que se alimenta, entre outras fontes, do “espírito investigativo” dos jornalistas — havendo a lamentar apenas que a “investigação”, cada vez mais, vire sinônimo apenas de vazamento. Quem ganha pontos com os que detêm a informação — procuradores e policiais — leva para a redação o filé: o nome de algum figurão da política sob investigação ou prestes a ser investigado. Quem desafinar o coro fica com a carne de pescoço. Não leva é nada.
Assim, há um óbvio servilismo da imprensa à Operação Lava Jato, pouco importa o que esta faça; pouco importa se ela se comporta ou não dentro dos limites legais. Tem-se a impressão de que cumprir as regras do jogo, mantendo-se nas balizas do Estado de Direito, é mera questão de lado e outro lado.
Leiam o noticiário. O que menos se fez foi citar a Lei 7.960, que disciplina a prisão provisória. É ela que evidencia que a prisão de Guido Mantega foi arbitrária. Como arbitraria foi a sua soltura se o juiz considerava que havia motivos para prendê-lo. Ou ele deixou, em poucas horas, de ser uma ameaça à investigação só porque sua mulher está com câncer e passava por uma cirurgia.
E não! Eu não acho que Mantega seja inocente. Eu acho é que ele tem de ser responsabilizado segundo as regras do Estado de Direito.
Ao fazer um despacho e alegar a questão de saúde para soltar o ex-ministro, Moro sabe que está investindo e apostando da ignorância média sobre o que é e o que não é lei.
Acho ruim que uma operação dessa importância considere a desinformação dos brasileiros um ativo.
Os brasileiros que choram de piedade não são meus interlocutores. Eu converso com os que pensam.
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