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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Um povo precisa merecer democracia para que tenha… democracia!

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região tomou uma decisão realmente espetacular, que é a cara dos tempos por nós vividos. Impressiona a cegueira. Pense depressa: quando um tribunal acha que pode cassar de um ministro de Estado uma prerrogativa constitucional, o que, na prática, resta de garantia?

E não! Eu não acho que o ministro de Estado é um ser superior, acima do homem comum. O raciocínio civilizado, e deveria ser óbvio, é outro: quando nem os peixes grandes, para lembrar Padre Vieira, estão protegidos, o que a gente deve pensar sobre os pequenos?

Não dá!

A única coisa decente que um tribunal tem a fazer é decidir segundo a lei. Se esta for omissa, apela-se ao conjunto de saberes que ela produziu para chegar a uma interpretação harmônica — e assim se vai gerando a jurisprudência.

Sigamos adiante.

Uma juíza federal do Rio, aquela que espanca a língua sem cerimônia, temperando suas impropriedades com uma tentativa de ironia, houve por bem suspender a nomeação de Moreira Franco.

Certo! Já sabemos. Já tratei aqui do assunto.

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, do Rio, resolveu inovar. Não! Não endossou a liminar. Decidiu: Moreira poder ser ministro, sim. Mas sem o foro especial.

É uma decisão que fere a Constituição. O foro especial é garantido a ministros de Estado, entre outros, pelo Artigo 102 da Constituição. Os dos parlamentares está no 53.

Digam-me cá: com que autoridade desembargadores decidem ser legisladores. Moreira Franco não é o problema. O problema está no que prescreve a Carta e na função imanente ao tribunal.

Os únicos com competência para alterar a questão são deputados e senadores, por meio de Emenda Constitucional, votada duas vezes em cada Casa, com a aceitação de três quintos (60%) em cada uma.

Não! O TRF2 houve por bem usurpar uma competência do Congresso e valer por uma Câmara e um Senado inteiros.

Até onde sei, trata-se de algo inédito.

E é evidente que isso só é feito para a tender a certo alarido, não? Afinal, pode-se dizer: “Ora, se não é o foro especial que Moreira quer, está reclamando por quê?”

Minha abordagem

Ainda voltarei a este tema em particular: faço essa crítica motivada também por uma questão ideológica. Eu sou um liberal. Eu tenho uma definição, minha, de esquerda e de direita democrática.

Um esquerdista não vê mal nenhum em desrespeitar a lei em nome do que ele considera justiça social ou igualdade. Um direitista da minha turma considera que, na democracia, sempre se produz injustiças novas a cada vez que se responde a uma demanda contrariando a lei.

E, sim, claro! Os esquerdistas não estão sozinhos nesse delírio. A extrema direita está no mesmo diapasão, como se dizia no meu tempo. Hoje, talvez se possa optar por “mesma vibe”.

Há muitos anos, preciso achar, o poeta argentino Jorge Luis Borges (1899-1996) concedeu uma entrevista em que fica clara a sugestão de que a Argentina não conhece a democracia porque lhe falta merecimento para tanto. Sim, ele repudiava a ditadura de farda. Mas tinha asco do peronismo.

É claro que a ideia de “merecimento”, na entrevista de Borges, estava relacionada a escolhas que os argentinos de todos os estratos sociais foram fazendo ao longo tempo. Ora, quem escolhe uma saída autoritária merece, ao menos como vontade da maioria, autoritarismo. Sim, pode acontecer de você querer emplacar a suas (e de seus aliados) soluções violentas e receber em troca a reação do extremo oposto.

Eu gosto da ideia da democracia como merecimento, mas tomando a coisa como um valor cultural, um valor espiritual, um valor moral — não se trata de mérito individual.

Um país que considera que delação é critério de verdade (sem reservas); que vazamento seletivo de investigações sigilosas aprimora a democracia; que um simples investigado (Moreira nem isso é…) é um condenado e que identifica o direito de defesa com a impunidade… Bem, se a maioria pensa isso, então não é merecedora da democracia e não terá democracia.

Sim, eis uma ideia civilizada sobre a barbárie.

Celso de Mello

A questão não vai prosperar porque a decisão, no fim das contas, cabe a Celso de Mello, do Supremo, com o sabemos.

Mas isso não significa que o TRF2 honrou a Constituição.

A pergunta que me resta ao tribunal: quais outros artigos da Constituição os digníssimos desembargadores estão dispostos a jogar no lixo? Dá para saber de antemão, ou isso vai sempre depender do aplauso e da vaia?


Arquivado em:Blogs, Brasil, Política


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