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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Terça-feira gorda.Fascistas de esquerda e direita rasgam fantasia

Um dos poemas de Manoel Bandeira (1886-1968) de que mais gosto está no seu segundo livro, “Carnaval”, publicado em 1919. Chama-se “Sonho de uma terça-feira gorda”. Como a de hoje. “Carnaval” é, na verdade, uma obra preciosa. Boa parte do que o modernismo teria de virtuoso no verso já estava ali ora esboçado, ora revelado. Mas vamos o texto,

Sonho de uma terça-feira gorda

Eu estava contigo. Os nossos dominós eram negros,
e negras eram as nossas máscaras.
Íamos, por entre a turba, com solenidade,
Bem conscientes do nosso ar lúgubre
Tão contrastado pelo sentimento de felicidade
Que nos penetrava. Um lento, suave júbilo
Que nos penetrava… Que nos penetrava como uma espada de fogo…
Como a espada de fogo que apunhalava as santas extáticas.

E a impressão em meu sonho era que se estávamos
Assim de negro, assim por fora inteiramente de negro,
– Dentro de nós, ao contrário, era tudo tão claro e luminoso.

Era terça-feira gorda. A multidão inumerável
Burburinhava. Entre clangores de fanfarra
Passavam préstitos apoteóticos.
Eram alegorias ingênuas, ao gosto popular, em cores cruas.
Iam em cima, empoleiradas, mulheres de má vida,
De peitos enormes – Vênus para caixeiros.
Figuravam deusas – deusa disto, deusa daquilo, já tontas e seminuas.
A turba ávida de promiscuidade,
Acotovelava-se com algazarra,
Aclamava-as com alarido.
E, aqui e ali, virgens atiravam-lhe flores.

Nós caminhávamos de mãos dadas, com solenidade,
O ar lúgubre, negros, negros…
Mas dentro em nós era tudo claro e luminoso.
Nem a alegria estava ali, fora de nós.
A alegria estava em nós.
Era dentro de nós que estava a alegria,
– A profunda, a silenciosa alegria…

Retomo
Aproveito a terça-feira gorda de Bandeira para tratar da “profunda, silenciosa alegria” que sinto ao constatar que, ao denunciar as manhas e artimanhas da direita xucra, cumpro um dever civilizacional. Olho os que se alinham contra mim e sinto orgulho. O grupo, de fato, nunca foi tão variado, e as coisas se explicam por si mesmas: da extrema-esquerda à extrema-direita, estão todos indignados.

E isso também não surpreende. O principal adversário de um fascista de esquerda é um liberal. E a esquerda me tem nessa condição. O principal inimigo de um fascista de direita é o mesmo liberal.

Os petralhas nunca bateram com leveza, como se sabe. De anunciar a minha morte a acusações estapafúrdias, há de tudo. E, agora, eles se juntam com seus homólogos na extrema-direita: os bolsonaristas. Os entusiastas do deputado – muitos devem ser robôs – atuam com uma violência inédita nas redes sociais.

Há tempos eu vinha alertando para os malefícios decorrentes da união de entusiastas da Lava Jato com extremistas de direita, que odeiam a política por princípio. Apontei óbvio: se a política passa a ser encarada, ela mesma, como um mal e se os homens públicos não podem nem mesmo exercer prerrogativas legais sem que haja a suspeita do ilícito, bem, se é assim, estamos no pior dos mundos. E a resposta será necessariamente traumática.

Parece que falava no deserto. Até que vieram as pesquisas eleitorais. E eis que Luiz Inácio Lula da Silva desponta como favorito. Sim, e muito cedo, e quero crer que os brasileiros disponham de elementos para não avançar por esse caminho. Mas o dado preocupante está aí: mesmo depois de ver a sua biografia esmagada pelos fatos, o Babalorixá de Banânia é ainda o favorito.

Em segundo lugar, empatado com Marina Silva, está o deputado Jair Bolsonaro, que é mesmo um portento das redes sociais. Seus acólitos repetem as grosserias do mestre, suas simplificações toscas, suas propostas grotescas. Algumas minoridades morais disfarçadas de jornalistas tentam emprestar uma roupagem noticiosa a um formidável apanhado de bobagens.

E notem: tanto Lula como Bolsonaro se apresentam como soluções mais ou menos mágicas. O petista porque, bem…, sabemos que sempre terá “a” resposta” porque seu lugar de demiurgo já está garantido. Bolsonaro está em fase de construção da sua mitologia – é chamado pelos seus de “bolsomito”. A ele se atribuem virtudes extraordinárias, como a “coragem”… Coragem de quê? De levar uma cusparada de Jean Wyllys, o seu oposto no mundo homoafetivo? Ou de defender a ação de torturadores?

Intimidação
A petralhas, bolsonaretes, olavetes e escatologias menores, somam-se oportunistas, notórios no mercado de ideias por fazer do ódio, do ressentimento e da vilania uma profissão de fé. Um dia se traem, e o veneno que secretam faz o seu trabalho. Questão de tempo.

Isso é tática de intimidação. Não funcionou antes, não vai funcionar agora. A exemplo daquele que se expressa no poema de Bandeira, eu não me importo com o alarido.

É curioso que eu realmente tenha virado um alvo quando as pesquisas eleitorais passaram a evidenciar o que eu vinha dizendo. Humilhados pela própria burrice, ficaram agressivos.

Protesto e ruído
Outra mentira grotesca está em afirmar que ou estou tentando sabotar o protesto do dia 26 – como se eu tivesse poder para isso – ou estaria chamando de “direita xucra” todos aqueles que decidirem participar.

Obviamente, é mentira. Sim, a direita xucra estará lá — mas estava também nos atos em favor do impeachment. A prudência fez com que as lideranças responsáveis a isolassem. Quem não se lembra dos entusiastas de Bolsonaro e Olavo de Carvalho a defender uma intervenção militar profilática? Alguns vigaristas que agora me acusam quase puseram tudo a perder. Afinal, a imprensa, que pende para a esquerda, tomava esse tipo de delinquência como expressão da opinião dos que iam às ruas.

Conheço bem os bastidores dessa história. E um dia eles virão à luz.

Acho a convocação de um protesto, agora, um equívoco. Se ocorrer, espero que os movimentos de juízo consigam, até lá, ajustar a pauta. Mas temo que acabem se misturando, no noticiário, com os xucros da extrema-direita. Sim, um dos motivos do ato é reforçar a Lava Jato — ou algo semelhante. Digam-me que risco ela corre para que possa denunciá-lo aqui.

Há a possibilidade efetiva de um ato assim degenerar em ainda mais ódio à política, num momento em que o país precisa do Congresso para algumas medidas essenciais.

“Reinaldo é tucano”
De todas as formas em curso para tentar me desqualificar, uma chama atenção: “Reinaldo é tucano, e tucano é de esquerda; logo, Reinaldo é de esquerda”. Bem, em tempos em que Donald Trump é considerado direitista, não chega a ser surpreendente que o PSDB seja tido como “esquerdista”. Eu mesmo já manguei diversas vezes do receio que tem o partido de parecer “de direita”; de sua mania de quer posar, às vezes, de um “PT mais educadinho”… Mas daí a ser “de esquerda”, eis uma afirmação que não resiste a 10 minutos de exame objetivo.

É curioso que a extrema-direita agora volte suas pistolas e rifles contra mim, acusando-me de “tucano”. Ora, essa é a pecha que os petralhas me pespegaram desde sempre. Mas chegavam a uma outra conclusão porque, afinal, eles são fascistas de esquerda, e os outros, de direita. Diziam os companheiros: “Reinaldo é tucano; tucano é de direitista; logo, Reinaldo é de direitista”.

A inteligência é a mesma.

Princípios
Não tenho interesse objetivo nenhum a defender no governo Temer. Também não sou instrumento de especuladores. Não recebo salário ou benefícios de políticos. Apenas tive a ventura, ou o bom senso, de perceber, muito antes do que qualquer outro analista, que o cenário de terra arrasada a que nos conduzem alguns erros da Lava Jato, com o alarido da direita xucra, pode abrigar a volta das esquerdas ao poder.

Os esquerdistas, aliás, sabem disso e estão se divertindo a valer. Alguns chegam a ser engraçados porque, na prática, constatam a burrice assombrosa da direita xucra, deixam claro que estou certo quando afirmo ser ela uma aliada objetiva dos companheiros e camaradas, mas, claro!, também tentam tirar a sua casquinha. “Ah, Reinaldo, isso é culpa sua. Está com medo dos seus monstrinhos?”

Em primeiro lugar, esses “monstrinhos” não são meus. Se os tivesse, eles andariam armados de Maquiavel, Montaigne e Montesquieu, não de Bolsonaro ou de um 38 — ainda que simbólico. Em segundo lugar, o arquivo do meu blog está à disposição e desafio que apontem quando foi que saí do trilho do Estado de Direito ou quando foi que condescendi com fascistoides.

Sim, vocês encontram posts meus em defesa do direito que Bolsonaro tinha de falar suas bobagens. Quando, no entanto, ele afirmou, que certa deputada não “MERECIA” ser estuprada porque muito feia, eu vi ali apologia do crime. Vejo nisso quebra de decoro e razão para perder o mandato. Ou os/as bolsonaretes acham legítimo que os esquerdistas digam isso de suas respectivas mulheres? Ou serão estas todas, segundo o critério do líder, belas e , pois, potencialmente estupráveis? As palavras fazem sentido.

Meu blog está à disposição, reitero. Mostrem ali quando foi que condescendi com esse tipo de brucutu.

Caminhando para a conclusão
Nesta terça-feira gorda de Carnaval, renovo a minha profissão de fé antifascista — contra qualquer fascismo, pouco importa a sua cor.

Peço aos leitores de juízo que tentem enxergar um pouco além da bruma. Tudo o mais constante, vamos, infelizmente, como país, para um caminho ruim.

Noto, para encerrar, o esforço que setores de extrema-direita têm feito para degradar ainda mais a imagem de Lula — como se isso fosse possível. Não é. Ele já chegou ao limite. O que os xucros vão conseguir com isso, aí sim, é dar início à transformação do vilão em vítima.

Mas a extrema-direita não aprende.

É xucra!

E vai continuar a reconstruir, com suas boçalidades, a imagem de Lula.


Arquivado em:Brasil, Política


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