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domingo, 19 de fevereiro de 2017

Petistas, Raduan, Freire e Chaui: os covardes acanalham a espécie

Já deveria ter escrito a respeito. Mas os dias não andam fáceis. Vamos lá. É raro que um evento chegue às raias da caricatura, como aquilo a que se viu na sexta, durante a entrega do Prêmio Camões a Raduan Nassar. E o que se viu mesmo? Lembro: um homem corajoso (no passado e no presente), como Roberto Freire, foi vaiado por um bando de covardes. Já chegou ao ponto.

O escritor Raduan Nassar foi agraciado com o Prêmio Camões de Literatura, concedido pelos governos de Portugal e do Brasil. A solenidade se deu nesta sexta, no Museu Lasar Segall. Atenção! A distinção foi transformada pela esquerda numa armadilha. Aos 81 anos, recebendo a distinção máxima para a literatura em língua portuguesa — 100 mil euros —, o velhinho serviu de instrumento de vingança de apoiadores do mensalão, de aloprados, do petrolão e de quantos outros roubos e safadezas tenham sido praticados no Brasil ao longo de 14 anos.

Raduan fez um discurso que talvez Dilma ou Lula não tivesse coragem de fazer. Alinhavou contra o governo Temer acusações que chegam a ser aberrantes, como se o país vivesse sob uma ditadura fascista. Para ele, o golpe está consumado, e “não há como ficar calado”. Acusou Alexandre de Moraes, indicado para o Supremo, de praticar violência contra movimentos sociais. É mentira. E partiu para ideologização mais rasteira: “Esses fatos configuram, por extensão, todo um governo repressor. Governo atrelado ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração de riqueza.” A plateia, composta, na esmagadora maioria, de sedizentes intelectuais do PT, urrava de prazer, delirava, zurrava.

Cumprindo o seu papel, o escritour atacou ainda o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal e criticou a nomeação de Moreira Franco para a Secretaria Geral da Presidência. E, não poderia deixar de ser, elogiou a ex-presidente Dilma Rousseff.

Sintetizo assim o rompante de Raduan: “A futilidade num velho desgosta-me tanto como a gravidade numa criança”. Foi a resposta que Antero de Quental, aos 23 anos, deu a Antonio Feliciano de Castilho, 65, no ano de 1865, num dos embates da chamada “Questão Coimbrã”. Tratava-se, nesse caso, de uma pendenga entre jovens poetas realistas e os românticos mais maduros.

O embate de sexta, no Brasil, foi bem mais primitivo. O que se viu ali foi ideologia em estado bruto.

O corajoso da noite
É evidente que Raduan não foi o corajoso da noite. Na verdade, comportou-se como um covarde sorrateiro. Quem demonstrou destemor e não se vexou de enfrentar uma plateia hostil e defensora do governo criminoso do PT foi Roberto Freire, ministro da Cultura. Já gostava dele, apesar de algumas divergências. Agora, passei a ser admirador mesmo. Não se deixou intimidar pela claque fascistoide.

Em sua resposta, necessária, Freire indagou, por exemplo, por que Raduan aceitou, então, um prêmio de um governo que considera ilegítimo. Recusasse, ora bolas! Foi o que fez o francês Jean-Paul Sartre, em 1964. Não quis o Nobel. O motivo apontado foi tosco, mas, ao menos, sincero. Declarou sua simpatia pelo socialismo e deixou claro que não queria ser laureado pela academia sueca. Ponto.

É pouco provável que Raduan tenha aceitado o prêmio por causa do dinheiro. Não tardará, se já não aconteceu, e saberemos que fez uma doação a uma entidade ou causa. Ele foi à cerimônia porque tinha uma tarefa a cumprir diante da plateia de esquerdistas.

Vaias e interrupções
Freire lembrou o óbvio em seu discurso. O Brasil é uma democracia, e a premiação a Raduan era um emblema disso, já que reconhecido adversário do governo. Mais: lembrou que o ambiente de uma ditadura é bem outro. Se Raduan falou o que bem entendeu e foi ovacionado pela plateia, com Freire, a coisa foi bem diferente.

Os fascistoides o interromperam aos gritos de “Fora Temer”. Augusto Massi, professor de literatura e poeta — de poesia ruim —, babava contra Freire: “Acho que você não está à altura do evento”. Marilena Chaui, aquela!!!, vociferava: “O silêncio é precioso”.

De corajosos e covardes
Freire começou a militar no PCB 20 anos, em 1962. A partir de 1968, isso passou a significar risco de vida — e alto. Para se ter uma ideia: entre 1974 e 1976, 10 dos 29 dirigentes do partido haviam sido presos. Em 25 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog havia sido assassinado no DOI-CODI. Três meses depois (17 de janeiro de 1976), foi a vez do operário Manuel Fiel Filho. No mesmo local. Os dois eram ligados ao PCB. Aquele ano chegaria ao fim com a chamada ”Chacina da Lapa”, ocorrida no dia 16 de dezembro. Nesse caso, dois dirigentes do PCdoB foram metralhados: Pedro Pomar e Ângelo Arroyo. Um terceiro, João Batista Franco Drummond, preso pouco antes, ao deixar a casa, morreu sob tortura. No DOI-CODI, claro!

Por que esse breve histórico? Sem entrar no mérito do que, para mim, era um equívoco ideológico de Freire — não sou de esquerda e repudio seus pressupostos —, noto que era preciso ter coragem para sê-lo. E a coragem é uma virtude em si. É claro que pode até estar a serviço de uma má causa. Mas o corajoso merece respeito, não importa o tempo que viva ou a ideologia que abrace.

Já o covarde não serve para nada. Nem em tempos de paz nem em tempos de guerra.

Delinquência intelectual
Quem é Augusto Massi para dizer que Freire não está à altura do evento? Eu respondo! Um covarde, que só faz esse tipo de provocação porque sabe que nada lhe vai acontecer, ora! O sujeito é dois anos mais velho que eu. Se tivesse militado em favor da redemocratização do país, alguém disso teria tido notícia. Mas nada há. Talvez se dedicasse a seus versinhos sem consequência.

O mesmo vale para dona Marilena Chaui. Foi o surgimento do PT que alçou esta senhora ao estrelato militante na USP, no começo da década de 80. Tem 75 anos. É um pouco mais velha que Freire. Quem ouve hoje em dia o seu discurso radical fica com a impressão de que quebrou muitas lanças contra a ditadura. Ninguém nunca ouviu falar da dona!

Concluo
É claro que ninguém precisa correr risco de vida em defesa da democracia ou de suas ideias, como Freire, para ganhar o direito a uma fala.  Agora, se estamos no embate político, borra-botas e borra-sandálias não vaiam os corajosos. Não na minha pátria moral.

Reitero: coragem e covardia são traços de caráter. A primeira pode até estar a serviço de um propósito ruim. Mas para que serve mesmo um covarde. Respondo: para acanalhar a espécie.

Parabéns, Roberto Freire! Pela coragem em tempos de guerra e em tempos de paz.


Arquivado em:Blogs, Brasil, Política


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