A coisa é de tal sorte absurda que havia me destinado a nem tratar do assunto. Há momentos em que a única coisa salubre a fazer é ficar longe do berreiro das esquerdas. Mas a coisa saltou o muro da loucura e foi parar na grande imprensa. Refiro-me ao IV Seminário Luso-Brasileiro de Direito, que ocorre em Portugal. Antes que avance, algumas considerações.
A delinquência intelectual que graça no campo da esquerda no Brasil não tem paralelo em nossa história. Faz sentido. Os “companheiros” e “camaradas” nunca viveram situação semelhante, qual seja: chegaram ao poder pelas vias institucionais — que, no fundo desprezam — e tentaram solapar as bases do regime democrático para se eternizar no poder, o que é uma constante dessas correntes de pensamento na América Latina.
Vencidos pelos fatos, flagrados assaltando o Estado e o Estado de Direito, serão apeados pelas mesmas regras que os elegeram. Aí, então, é a hora de gritar “golpe”. Sintetizo: reconheceram a validade do aparato legal que lhe deu o governo, mas não a reconhecem agora, quando esse mesmo aparato vai destituí-los. Não fosse assim, esquerdistas não seriam. Para tentar pespegar a pecha de “golpe” no triunfo da Constituição e das leis, vale tudo — muito especialmente anunciar conspirações.
O seminário
Vamos ao caso. A Escola de Direito de Brasília do Instituto Brasiliense de Direito Público (EDB/IDP) e a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) promoverão o IV Seminário Luso-Brasileiro de Direito do auditório da universidade portuguesa entre os dias 29 e 31. Como se observa desde o título, trata-se do QUARTO seminário.
O encontro reunirá juristas e especialistas em direito do Brasil e de Portugal e também políticos dos dois países. Como deve supor qualquer pessoa razoável, a quarta jornada de um encontro dessa natureza começou a ser organizada ainda enquanto se realizava a terceira.
Entre os brasileiros, comparecerão ao seminário os senadores José Serra(PSDB-SP), Aécio Neves (PSDB-MG) e Jorge Viana (PT-AC). Também Luís Inácio Adams, ex-titular da Advocacia Geral da União estará presente. Quando se organizou o seminário, o professor de Direito Constitucional Michel Temer, vice-presidente da República, foi convidado. Integram ainda a lista Dias Toffoli, Ministro do STF; Carlos Blanco de Morais, Professor Catedrático da FDUL; Jorge Miranda, Presidente do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas (ICPJ), e Maria Lúcia Amaral, Vice-presidente do Tribunal Constitucional Português.
Gilmar Mendes, ministro do Supremo, que não está entre os preferidos dos petistas por seu apego à Constituição, é um dos sócios do IDP e seu coordenador acadêmico.
Muito bem! Quando os promotores convidaram o sr. Adams para participar do seminário e quando este aceitou o convite, ele era ministro da presidente Dilma. Embora fosse relativamente antiga a sua disposição para deixar a AGU, só o fez agora, na reta final do governo, porque a presidente precisava acomodar José Eduardo Cardozo, demitido da Justiça pela cúpula petista, o que todo mundo sabe.
Quando Temer foi convidado, no ano passado, mal as jornadas de março haviam ganhado as ruas com a pauta do impeachment, o que a muitos parecia improvável, a começar dos líderes de oposição, que se mantiveram distantes daquela mobilização.
Tanto não havia e não há conspiração que um quadro do PT, como Jorge Viana, se dispôs a participar. E nem se trata aqui de usar o seu nome e o de Adams como testemunhos do satanás a justificar as Santas Escrituras. É que, definitivamente, o IV seminário não tem relação com a crise política brasileira, a menos que os organizadores do Brasil e de Portugal fossem pitonisas.
Vai ver o terrível Mendes adivinhava, há quase um ano, que a Força Tarefa fosse chegar às contas de João Santana; que o senador Delcídio do Amaral faria delação premiada; que Dilma tentaria nomear Lula ministro para livrá-lo de Sérgio Moro; que o PMDB, diante da confusão criada pela presidente, que conduz o país à ingovernabilidade, iria romper com o Planalto…
Suposição ridícula
É ridícula, coisa de mentes perturbadas do Brasil e de Portugal, a suposição de que o seminário é parte de uma conspiração para depor Dilma Rousseff. Desde logo, cabem duas perguntas:
1: se Gilmar quer conspirar com Aécio, Serra e Temer, por que precisa ir para a Portugal?;
2: na hipótese de ser uma conspiração, por que fazer, então, um seminário público?
Brasileiros se divertem, e os portugueses sabem disto, com a suposta falta de inteligência de nossos antigos colonizadores. É uma das expressões bem-humoradas do ressentimento. Todo povo tem seus preconceitos vertidos em bom humor. Há uma vertente do humor no Brasil em que o povo luso oscila da tautologia à parvoíce.
Aproveito um pouco desse humor ressentido para fazer uma ironia: a “Conspiração de Lisboa” para derrubar Dilma é mesmo digna, então, de uma tramoia portuguesa. Só que os portugueses da piada, desta feita, são brasileiros, não é mesmo?
É patético! Gilmar, Toffoli, Serra e Aécio têm casa em Brasília. Por que não poderiam conspirar no conforto de seus respectivos lares. Mais: em que um seminário colaboraria para a causa? Ora, houvesse uma, como se nota, ele mais atrapalha do que ajuda.
Não vai mais
Michel Temer cancelou a sua participação. De fato, urgências internas parecem indicar que é melhor que fique no Brasil. Neste terça, por exemplo, o PMDB, que ele preside, vai bater o martelo: é possível que o parido decida romper formalmente com o governo Dilma.
É claro que o cancelamento foi visto como uma espécie de recuo estratégico, dada a gritaria da esquerda. Não sei se tal fator pesou de forma definitiva. Que o esperneio por aqui tenha sido levado em conta, não duvido.
A esquerda portuguesa, que não é intelectualmente melhor do que a brasileira, também deu espaço para as teorias conspiratórias. Também em Portugal há quem ache que uma conspiração se dá com agendamento prévio, hora marcada, local definido e participação do público.
Os petistas agora pressionam para que Jorge Viana e Adams cancelem suas respectivas participações. Ou por outra: os companheiros e camaradas querem criar um factoide para provar a sua teoria cretina.
No ano que vem, haverá V Seminário Luso-Brasileiro de Direito. Os esquerdistas já podem começar a berrar: será para comemorar o “golpe”, aquele que se dará com a aplicação dos Artigos 85 e 86 da Câmara e da Lei 1.079.
Vigaristas! Vão ter de engolir o triunfo do Estado de Direito ou, então, de vomitar em praça pública o seu inconformismo com a democracia, que lhes dará o remédio adequado: mais democracia.
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