O texto já tem cinco dias, mas não importa. Há indignidades que não envelhecem. Um amigo — que nem é judeu — chamou a minha atenção para o texto publicado na página do Itamaraty no dia 27 deste mês, quando o mundo lembra o “Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto”. Ele me enviou o link com a pergunta: “Será que estou lendo de má vontade?” Não! Ele não estava. Reproduzo a nota e comento.
O Brasil une-se hoje, 27 de janeiro, às celebrações em todo o mundo da memória das vítimas do Holocausto, conforme decisão da Assembleia Geral das Nações Unidas. Nesta data, em 1945, tropas do Exército Vermelho libertaram o campo de extermínio de Auschwitz.
Ao recordar a memória dos milhões de vítimas inocentes da barbárie nazista e a atuação heroica daqueles que, como os brasileiros Aracy de Carvalho Guimarães Rosa e Luiz Martins de Souza Dantas, trabalharam em condições adversas e com alto risco pessoal para salvar vidas, o Governo brasileiro reafirma seu inabalável compromisso com os direitos humanos e com a eliminação de todas as formas de racismo e de discriminação.
No momento em que manifestações de intolerância se repetem com preocupante regularidade em várias partes do mundo, é fundamental manter viva a memória do Holocausto e educar as novas gerações, para evitar que voltem a ocorrer crimes contra a humanidade como os que marcaram aquele que é um dos períodos mais sombrios da história.
Comento
Observem que coisa estupefaciente. Em nenhum momento o Itamaraty escreveu a palavra “judeus”. Tem-se a impressão de que o “holocausto” que está sendo condenado é um evento de caráter puramente simbólico, mera metáfora do horror, sem a particularidade que faz daquele processo ser o que foi: uma política deliberada de extermínio de um povo.
A nota dos “camaradas” do Itamaraty, assim, expropria os judeus de sua história e, obviamente, minimiza a fealdade do Holocausto ao inscrever aqueles eventos numa cadeia de “todas as formas de racismo” e de “outras manifestações de intolerância”.
Aliás, notas passadas do Itamaraty sobre atentados ocorridos em Israel estão disponíveis no site. De forma deliberada, sempre que o governo brasileiro condena um ataque a judeus, há o “por-outro-ladismo”, evocando a causa palestina, como quem busca uma licença moral que justifique o ataque.
Embaixador
Não custa lembrar: uma nota pusilânime como essa vem a público no momento em que Israel está sem embaixador no Brasil porque o nome designado por Benyamin Netaniahu, primeiro-ministro daquele país, não recebeu o “agrément” do governo brasileiro, isto é, o reconhecimento oficial. Isso significa, pasmem!, que Dilma Rousseff, esta mulher tão hábil e cuidadosa não aceita a escolha.
E por que não? O governo petista não gosta da origem de Dany Dayan, o indicado. Entre 2007 e 2013, ele integrou o Conselho Yesha, que representa os 500 mil judeus que moram na Cisjordânia. Como, oficialmente, o Brasil é contra o que chama “ocupação” do território palestino, então se arvora em censor da indicação do embaixador. É claro que é um absurdo.
Será que os petistas só aceitam diplomatas que sejam comprovadas pombas da paz? Os palestinos, já escrevi a respeito. têm o seu embaixador no Brasil. Trata-se de Ibrahim Alzeben. No dia 30 de setembro de 2011, já ocupando o cargo, numa palestra a universitários, disse: “Esse Israel deve desaparecer”. E ninguém o incomodou por aqui.
Irã
No dia da memória do Holocausto, aiatolá Khamenei, líder supremo do Irã, divulgou um vídeo (aqui) . O próprio governo do Irã se encarregou de divulgar a mensagem na quarta-feira, no Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Como vocês percebem no trecho acima, Khamenei lamenta que, na Europa, ninguém se atreva a falar do Holocausto judeu. Segundo ele, não é certo que tenha acontecido. Vai mais longe: ainda que seja verdadeiro, diz que não está claro como se deu. Ele lamenta que expressar dúvidas a respeito seja considerado um grande pecado.
Eis o Irã, que acaba de ganhar o selo de qualidade dos Estados Unidos para poder voltar a frequentar a mesa das nações civilizadas. Há coisas que só Barack Obama pode fazer pela humanidade, se é que vocês me entendem…
O Brasil, é claro!, não se incomoda com o embaixador iraniano no Brasil, que, por óbvio, endossa as palavras de seu líder espiritual. Ou por outra: o Brasil não aceita um embaixador israelense que tenha sido representante de colonos da Cisjordânia, mas aceita um representante iraniano que, por óbvio, põe em dúvida a existência do Holocausto.
Ah, claro!, cumpre notar: ainda que sua fala seja delinquente, o aiatolá ao menos associa a palavra “holocausto” a “judeus”. O Itamaraty nem isso.
Acreditem: de todas as degradações a que o petismo submeteu o país, a da política externa é a pior. Essa nota é asquerosa e, a meu ver, uma vez mais, deixa entrever a suspeita de antissemitismo.
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