Por Daniel Pereira, Rodrigo Rangel e Robson Bonin, na VEJA.com:
O ex-presidente Lula tem uma espécie de dupla identidade. No mundo da fantasia, ele é a viva alma mais honesta do Brasil, não está sob investigação das autoridades nem tem responsabilidade sobre o petrolão e o mensalão. O líder messiânico, o novo pai dos pobres, seria a representação da virtude e da nobreza de propósitos. Já no mundo real, onde os fatos se sobrepõem a versões, emerge uma figura bem diferente – e bastante encrencada.
A Procuradoria da República no Distrito Federal investiga se Lula fez tráfico de influência em favor da Odebrecht, que contratou a peso de ouro suas palestras enquanto atacava os cofres da Petrobras. O Ministério Público de São Paulo decidiu denunciar Lula por ocultação de patrimônio depois de colher evidências de que a OAS bancou a reforma de um tríplex no Guarujá que pertence à família do ex-presidente. Agora, é a vez de a Lava-Jato chegar ao petista. Delegados e procuradores têm “alto grau de suspeita” de que a OAS, a fim de quitar propinas, deu imóveis a políticos. O caso do tríplex de Lula será esquadrinhado nessa nova etapa da operação, que foi batizada, devido ao seu DNA incontestável, de Triplo X.
O mito imaginário, quem diria, tornou-se um cliente contumaz da Justiça. Hoje, apurações sobre corrupção grossa deságuam sucessivamente nele. Autoridades já reuniram provas das relações umbilicais de Lula com a Odebrecht, a OAS e a UTC, cujo dono, Ricardo Pessoa, disse ao Ministério Público ter repassado 2,4 milhões de reais, via caixa dois, à campanha à reeleição do ex-presidente. Suspeita de também participar do assalto à Petrobras, a Andrade Gutierrez deve engrossar o cordão de empreiteiras que cerca o petista.
Preso desde junho do ano passado, o presidente licenciado da construtora, Otávio Azevedo, negocia um acordo de delação premiada com o Ministério Público. Os procuradores insistem para que ele conte detalhes da operação de compra de participação societária na Gamecorp – empresa que tem Fábio Luís, o filho mais velho de Lula, como sócio – pela antiga Telemar, que tem a Andrade Gutierrez entre seus controladores. Azevedo recusou-se até aqui a explicar a real motivação da operação. Os procuradores, em contrapartida, não aceitam assinar o acordo de colaboração enquanto não receberem a explicação devida.
Para sair do impasse e fugir de uma condenação pesada à prisão, Azevedo decidiu narrar seus segredos aos investigadores. Ele dirá que a antiga Telemar, que foi rebatizada de Oi, comprou cerca de 30% da Gamecorp, por 5 milhões de reais, em 2005, a pedido de Lula. Naquela época, o presidente sabia que o banqueiro Daniel Dantas apresentara uma oferta para se tornar sócio da Gamecorp. Como queria Dantas longe de seu filho e de seu governo, o petista, segundo Azevedo, pediu aos donos da Telemar/Oi, entre eles a Andrade Gutierrez, que apresentassem uma oferta agressiva de compra dos papéis da empresa de seu primogênito. Assim foi feito.
Três anos depois dessa transação, o governo Lula mudou a legislação para permitir que a Telemar/Oi se fundisse com a Brasil Telecom, sob o pretexto de criar um gigante brasileiro no setor de telecomunicações. Azevedo confidenciou a advogados e executivos que, após essa segunda transação, viabilizada graças à mudança da legislação feita sob medida por Lula, sócios da Gamecorp e integrantes do governo começaram a exigir mais ajuda financeira da Andrade Gutierrez. Pressionada, a empreiteira, por meio da Oi, passou a contratar periodicamente serviços da própria Gamecorp. Serviços que, conforme Azevedo, não eram necessários.
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