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quarta-feira, 29 de abril de 2015

Liberalismo no Brasil colônia: o que poderíamos ter sido

Alguns pensadores lusitanos já flertavam com o iluminismo escocês nos tempos do Brasil colônia, e tentaram influenciar os rumos da “nação” (conceito ainda incipiente por aqui) na direção do liberalismo. Foi o caso de José Antônio Gonçalves, que escreveu seu Memórias Ecônomo-Políticas Sobre a Administração Pública do Brasil, onde condena o poder arbitrário da Coroa portuguesa e tenta defender uma alternativa liberal. Abaixo, alguns trechos interessantes do livro:

Demolindo os reis o primeiro sistema, convencidos sem dúvida de que era mau, declararam o Brasil uma propriedade sua e nomearam seus capitães-generais, vice-rei, governadores etc… Deram então terras de boa graça a quem as queria possuir, reservando a si a liberdade de cada um indivíduo que nelas se estabelecesse e dela fizeram especial graça a seus capitães-generais e governadores, pois não há ramo nenhum da administração pública em uma capitania, nem indivíduo, que não seja sujeito ao poder absoluto dos capitães-generais. 

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Mas que nos há de governar – dirão alguns desses miseráveis homens que nunca provaram mais que despotismo. Quem nos há de governar é a Lei: todos somos iguais diante dela e ela é igual para todos. Exercerá um império divino e saudável sobre nós, pois que será feita por magistrados de nossa escolha e que volvem a gozar em comum conosco do bem que dela nos resulta, depois que se acaba sua magistratura: assim como se mudou o nome, mudes-e a coisa. O poder judiciário cabalmente determinado fará a aplicação da lei e nós gozaremos paz e liberdade sem perdermos um ápice dos frutos de nosso trabalho, que legalmente nos tocarem.

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Regulando-se pela opinião mais dominante – se é que bem a conhecemos -, tomaremos a monarquia constitucional, ou temperada, pela forma de governo mais própria para nossa união, que nos parece ser, e sem dúvida, a tábua de salvação mais segura.

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A população está tão disseminada no Brasil e as instituições civis e políticas tão mal apropriadas, que bem se pode dizer, sem receio de errar, que só a arbitrariedade é que tem reinado.

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No Brasil são corporações nulas e aviltadas, que só têm servido para os capitães-generais, governadores e comandantes exercerem sobre elas suas opressões e zombarias, por isso todos fugimos de ter algum cargo nas câmaras, despendendo para isso boa parte de nossa fazenda, de modo que parece não termos pátria.

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Devem pois as leis ser simples e claras, coligidas recentemente, e damos por certo que o povo ficará contente debaixo de seu jugo suave e aplicação que delas dizerem os juízes da terra, que serão de boa-fé na administração da justiça.

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O principal objetivo de qualquer sistema político imaginável é manter independência nacional; quanto maior é a força física, mais segura está esta independência. Ora, à primeira vista parece que no Brasil poderia um governo absoluto, quando chegasse à meia idade que fosse em população, mover toda a força física a seu capricho de um ponto a outro ponto e mesmo de um a outro extremo, e assim apresentaria uma barreira invencível a todas as nações estrangeiras; mas quem é que não sabe que um tal governo só se eleva, efêmera e quimericamente, à custa do apoucamento do povo, e que sempre acaba por sepultar-se com ele?

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A intolerância é um abuso introduzido pelos teólogos falsos, sectários de despotismo religioso, e incompatível com as máximas do Evangelho; mas este espinho já não será agravante aos nossos padres que, bem instruídos nos dogmas, farão santos regulamentos para a disciplina e salvarão as consciências de uma infinidade de remorsos.

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Para os mais liberais transcreveremos aqui o espírito da Convenção do Windsor, de 25 de dezembro de 1777, que convém verdadeiramente as bases da Constituição de Vermont, certamente a mais liberal de todos os Estados Unidos: “Todos os homens nascem livres e com direitos iguais. Devem em consequência gozar da liberdade de consciência, de imprensa, de juízo pode jurados e de regular sua polícia interior. Todas as eleições devem ser livres. O poder deriva do povo. O governo deve ser instituído para vantagem comum da sociedade e a sociedade tem direito de abolir ou reformar o governo. Todo o membro da sociedade deve ser protegido em seus bens, sua pessoa e liberdade, e em recompensa é obrigado a contribuir da sua parte para sustentação desta proteção, prestando sempre que seja preciso o seu serviço pessoal. Ninguém deve ser obrigado a servir de testemunha contra si mesmo. O povo tem direito de ter armas, mas não haverá exércitos em tempo  de paz.

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A verdadeira significação da palavra rei é de primeiro magistrado; quando ele faz justiça reta, encaminha todos os cuidados ao bem e prosperidade nacional, conservando ilesos os direitos do povo e respeitando suas instituições, é honrado com o título de Pai da Pátria ou primeiro magistrado e ganha glória imortal; quando conentra em si um mundo absoluto e quimérico é odiado debaixo do infame título de tirano e torna-se mais abjeto, quanto à fama, do que um réptil.

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Tudo quanto a lei não proíbe é lícito fazer-se e como a lei seja justa e observada, a liberdade civil, política e individual, fica ilesa e todo o ponto está unicamente no conhecimento dela. Sobre isto convém explicar que a lei nem sempre pode estar expressa ou escrita e daí se segue o respeito devido à lei tácita ou opinião pública.

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A igualdade individual é uma quimera, porque só os néscios é que podem ser induzidos em erros e revoltas; mas infelizmente as ideias falsas dessa igualdade têm arrastado nações inteiras às maiores misérias e calamidades.

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Contudo, se a igualdade de fortuna e cabedais é impraticável, não é assim a igualdade civil ou de direitos. A esta igualdade aspiram todos os membros de todas as associações imagináveis e de direito lhes toca: ela é efetuada pela justiça e retidão das leis e sua exata observância.

Em suma, está quase tudo lá. Gonçalves, escrevendo em 1822, já defendia a abolição dos escravos e um modelo de monarquia constitucional bastante liberal, em que manda a Lei, não o homem com seu arbítrio. A igualdade almejada jamais pode ser a de resultados, mas sim aquela perante as leis. O governo deve ser limitado, restrito. O cidadão tem direito de ter armas para se defender, e como o poder do governo emana do povo, para o bem comum, este pode mudá-lo.

O igualitarismo presente nos conceitos vagos como “justiça social” era claramente rejeitado, por levar justamente ao arbítrio condenado das tiranias. Um governo de leis claras e conhecidas ex ante, como já defendia Aristóteles, eis o modelo pregado por esse liberal no começo da formação do Brasil como nação. Que país poderíamos ter sido se tais ideais tivessem vingado? Quantos caudilhos populistas teríamos evitado se tais valores fossem enraizados na população?

Rodrigo Constantino



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