Vejam este quadro, intitulado “O Triunfo da Morte”, de Pieter Bruegel, o Velho (1525-1569).
Agora observem três fotos da região da Cracolândia, em São Paulo, durante uma operação realizada pela Prefeitura para acabar com a chamada “favelinha” erguida por viciados. Elas são de autoria de Eduardo Anizelli, da Folhapress.
É isto. No centro de São Paulo, na região conhecida como Cracolândia, quem dá as cartas é a morte. Eu poderia ainda apelar às ilustrações dos Círculos do Inferno, de Gustave Doré, quase tão conhecidas como a horripilante narrativa de Dante em “A Divina Comédia”. Abaixo, vocês veem a ilustração X do Canto III, quando Caronte, o barqueiro do inferno, reúne os pecadores… É que falta a cor.
Tudo, naquela área da maior cidade do país — e uma das maiores do mundo remete à morte, à desolação, à tristeza, à ausência de saídas, à desgraça, à melancolia… Vamos primeiro ao fato e, depois, à sua gênese.
Centenas de viciados em crack armaram barracas no meio da rua, na região da Luz. O conjunto era conhecido como “favelinha”. É evidente que se trata de um absurdo, e a Prefeitura decidiu retirá-los dali. Só que o fez sem coordenar a ação com o governo do Estado, que, afinal, responde pelas Polícias Civil e Militar. O resultado foi o pior possível.
Houve confronto com as forças de segurança. Revoltados, os viciados partiram para cima de policiais e de pedestres com faças, pedaços de pau, pedras, o que houvesse. Motoristas foram roubados; barricadas de fogo foram erguidas. O comércio teve de fechar as portas.
Já em ano pré-eleitoral, Fernando Haddad enfrenta o desastre de sua, por assim dizer, “política” para as drogas. A “favelinha” é o retrato de um programa que não deu certo, que extremou os males que se propôs a resolver. E o prefeito decidiu, então, cadastrar os ditos usuários em programas da Prefeitura e retirá-los dali… Ocorre que…
Ocorre que foi a gestão Haddad quem, na prática, transformou a região da Cracolândia numa área para o livre consumo de drogas. O que é o programa “Braços Abertos”? Em síntese, abriga o viciado num hotel, concede-lhe um emprego precário e uma renda, sem lhe impor nenhuma disciplina ou forma de tratamento. Ou por outra: o digníssimo prefeito, sob o pretexto de implementar uma política de redução de danos, criou a civilização do crack.
Ora, meus caros, o que vocês acham que acontece quando se reúnem todos os viciados numa única área, quando se relaxam as condições de segurança — é da natureza do programa — e quando se eleva o meio circulante, isto é, a grana? Cresce o tráfico, novos viciados vão chegando, e, como acontece em toda civilização, surge uma periferia, que é ainda mais desgraçada, que é ainda mais infeliz.
Não pensem que Haddad vai recuar! Isso nunca! Ele quer avançar. Quer agora multiplicar o número de hotéis cidade afora, avançando para os Campos Elíseos, região quase contígua à Cracolândia. Assim como faz com os ciclofaixas para ninguém, se o deixarem solto, ele ainda meterá uma cracolândia na porta de sua casa.
E, como é sabido, os celerados se orgulham da miséria que financiam, promovem e espalham. Em junho do ano passado, Haddad transformou a Cracolândia em ponto turístico para a grigolândia. Levou o príncipe Harry para conhecer de perto o inferno. Na foto abaixo, vocês veem o plebeu servil do Terceiro Mundo dando explicações à nobreza europeia…
Roberto Porto, que era, então, secretário de Segurança Urbana e é um dos queridinhos de certa imprensa descolada, resumiu assim o espírito da visita de Harry ao centro da degradação humana: “Pelo contato que tive, que foi limitado, ele [o príncipe] gostou do que viu. Ele quis saber a lógica de se ter um local monitorado, com as pessoas continuando a venda de crack”. Porto é promotor. Deve conhecer o peso das palavras. A venda de uma substância ilegal se chama “tráfico”; se tal substância é droga, é “narcotráfico”. Dr. Porto disse que o nobre inglês gostou de saber que há um pedaço no Brasil em que não se respeitam a Constituição e o Código Penal.
Qual é a lógica? É a da degradação, da miséria e da morte. Essa é uma das heranças malditas de Fernando Haddad, o novo barqueiro do inferno.
“Deixai toda esperança, vós que entrais”.
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