Até que enfim mais alguém na grande imprensa se lembra de algo que já observei aqui e em toda parte. Caso o projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade seja aprovado — e a observação vale também para o tal crime de responsabilidade de juízes e membros do Ministério Público —, quem é que vai julgar uns e outros se processados? Resposta: os juízes!
É o que lembra Elio Gaspari na sua coluna na Folha deste domingo.
Procuradores do Ministério Público Federal e associações de magistrados resolveram convocar para hoje uma manifestação contra o Congresso. Não errei em nada: esses são os organizadores do ato, e essa é a pauta.
Trata-se de um evento inédito — e, obviamente, ruim. Estão brincando de choque de Poderes. A esquerda percebeu que se trata de uma oportunidade de ouro para desmobilizar e, em certo sentido, desmoralizar a pauta liberal, que chama de “onda conservadora”.
Não por acaso, Antonio Prata, cujo talento reconheço e cujas teses, no mais das vezes, repudio, anuncia a sua adesão ao protesto. Diz estar em dúvida se vai ou não. É mera hesitação decorosa e estilística. Ele vai. E, do seu ponto de vista, faz muito bem.
Qualquer liberal com um mínimo de discernimento sabe que a roubalheira petista era só um instrumento de algo muito maior e mais nefasto: o sequestro do Estado. Pôr bandidos na cadeia, pouco importa o partido, é só uma obrigação-meio. Tal tarefa deve ser encarada como coisa cotidiana. Transformar isso em finalidade da luta política é coisa de beócios, de energúmenos — não é nem de direita nem de esquerda; só é coisa de gente burra. Mas a burrice anda imodesta…
A cada vez que leio ou ouço na imprensa a expressão “a Câmara desfigurou o projeto do MP”, penso — e depois escrevo: “Que coisa mais cretina!” Em primeiro lugar, o papel do MP não é legislar. Ou é? Em seguida, constato — e depois escrevo: ainda bem que quatro das 10 medidas foram jogadas no lixo mesmo. Eram fascistoides. Outras também caíram. Não é o fim do mundo.
Antonio Prata vai ao protesto. Eu não vou.
Eu não vou porque o Ministério Público tem todo o poder de que precisa. E suas tais 10 Medidas não eram contra a corrupção exatamente, mas a favor de mais poderes para o… Ministério Público.
Eu não vou porque, com as leis que já temos, o Ministério Público meteu na cadeia parte considerável do PIB, um ex-presidente da Câmara e um senador. E vai mais gente.
Eu não vou porque, com as leis que já temos, delações premiadas vão botar na berlinda umas duas centenas de políticos, que serão, havendo os indícios necessários, devidamente processados.
Eu não vou porque, com efeito, sou contra a forma que tomou o crime de responsabilidade de juízes e membros do MP (isso não vai prosperar), mas sou favorável ao projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade.
Eu não vou porque fiz um desafio ao juiz Sérgio Moro e ao procurador Deltan Dallagnol — que dissessem qual trecho do projeto inibe a Lava-Jato —, e eles negaram fogo.
Eu não vou porque Moro teve a chance, no debate com Gilmar Mendes, de revelar qual parte do projeto atrapalhava as investigações, e ele não o fez.
Eu não vou porque o juiz se limitou a afirmar que não “é hora” de votar um texto que combate abuso de autoridade. Como eu aprecio a língua portuguesa, entendo que então existiria um momento para o… abuso de autoridade. Sou um democrata e não posso concordar com isso.
Eu não vou porque, como lembrou Gaspari, se juízes e procuradores não confiam nos juízes e procuradores, por que eu haveria de confiar?
Eu não vou porque essa é uma agenda de demonização do Congresso, o mesmo que terá de votar as reformas. Desmoralizá-lo interessa a quem não quer as reformas liberalizantes — e por isso Antonio Prata vai.
Eu não vou porque essa suposta agenda de combate à corrupção é, na verdade, uma agenda e combate às reformas. Não por acaso, estão sendo lideradas pelas duas categorias mais bem-pagas pelo Estado brasileiro: procuradores e juízes.
Eu não vou porque, à diferença do que dizem os senhores procuradores e juízes, o país está, sim, avançando no combate à corrupção. E isso se faz com reformas contínuas, não com atos de força, que buscam desmoralizar o Congresso, sem o qual não se fazem as… reformas!
Eu não vou justamente porque apoio a Lava-Jato, mas eu a quero como operação do Estado, não como ato voluntário de quem ameaça renunciar — como se isso fosse possível — caso suas vontades não sejam satisfeitas.
Eu não vou porque é mentira que a Lava-Jato corra qualquer risco.
E, sabendo que Antonio Prata vai, fica ainda mais claro por que eu não vou. Eu até poderia dividir com ele a mesa de um bar, mas não uma manifestação — quer dizer: quem sabe uma a favor de Montesquieu…
Quero o Ministério Público ocupando-se do seu trabalho. E seu trabalho não é fazer política, demonizar os políticos, conceder entrevistas coletivas a cada dois dias e cevar jornalistas com vazamentos seletivos.
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