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segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Por que Marcos Valério tira o sono do PT

Há muita gente que tira o sono do governo, dos petistas como um todo e de Lula em particular. Um deles retorna do passado. Trata-se do empresário Marcos Valério, que foi apontado como operador do mensalão e que amarga uma condenação de 37 anos, a mais dura pena pelo escândalo, o que, convenham, é uma piada. Os agentes políticos daquela tramoia estão soltos. José Dirceu voltou à cadeia, sim, mas por causa do petrolão.

Pois é… VEJA já havia informado que Valério estava propenso a fazer um acordo de delação premiada. Agora, Marcelo Leonardo, seu advogado, confirma a possibilidade e diz que já está negociando os termos. Afirmou ele ao Globo: “Estive em Curitiba para tratar de outros casos, e os procuradores perguntaram se o Marcos Valério teria interesse em colaborar. Fui encontrá-lo em Belo Horizonte, e ele disse que está disposto, desde que o Ministério Público faça um acordo com todos os benefícios que a lei da delação permite. Eu e os procuradores ficamos de voltar a nos encontrar talvez já na próxima semana”.

A Lei 12.850, que trata da formação da organização criminosa e que define as condições do que lá é chamado de “colaboração premiada”, estabelece, no Parágrafo 5º do Artigo 4º: “Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime, ainda que ausentes os requisitos objetivos”.

Convenham: para quem amarga 37 anos, trata-se de um benefício considerável — desde, é evidente, que a colaboração traga elementos novos, que elucidem o crime cometido e contribuam para a investigação.

Valério já tentou antes um acordo com o Ministério Público. Por alguma razão, a coisa não prosperou. Leiam, abaixo, uma síntese do que ele afirmou ao MP em depoimento dado em dezembro de 2012:

1 – O esquema do mensalão pagou as despesas pessoais de Lula em 2003;
2 – dinheiro foi depositado na conta de seu carregador de malas, Freud Godoy (aquele do escândalo do aloprados);
3 – Lula participou pessoalmente das operações de “empréstimos” fraudulentos dos bancos Rural e BMG ao PT;
4 – os “empréstimos foram acertados dentro do Palácio do Planalto;
5 – Valério diz que é o PT quem paga seus advogados (R$ 4 milhões);
6 – Paulo Okamotto, que hoje preside o Instituto Lula, o ameaçou pessoalmente de morte;
7 – Lula e Palocci negociaram com o então presidente da Portugal Telecom a transferência de recursos ilegais para o PT;
8 – Luiz Marinho, agora prefeito de São Bernardo, foi quem negociou as facilidades para o BMG nos empréstimos consignados;
9 – o dinheiro que pagou chantagistas que ameaçavam envolver Lula no assassinato de Celso Daniel foi intermediado pelo pecuarista José Carlos Bumlai;
10 – o senador Humberto Costa (PT-PE) também recebeu dinheiro do esquema.

Hoje já se sabe que José Carlos Bumlai foi uma espécie de laranja de um empréstimo do Banco Schahin para o PT e que o dinheiro teria sido usado para pagar pessoas que ameaçavam envolver Lula e Gilberto Carvalho no assassinato do prefeito de Santo André. Agora preso, Bumlai admite, sim, a condição de laranja. E o dinheiro foi mesmo para aquela cidade.

Reportagem da VEJA
Reportagem da VEJA de setembro de 2012 revelara o que a revista chamou de conversas que Valério mantinha com seus interlocutores. Boa parte bate com o conteúdo do que ele afirmou depois ao Ministério Público. Leiam trechos da reportagem.

“O CAIXA DO PT FOI DE R$ 350 MILHÕES”
A acusação do Ministério Público Federal sustenta que o mensalão foi abastecido com R$ 55 milhões de reais tomados por empréstimo por Marcos Valério junto aos bancos Rural e BMG, que se somaram a R$ 74 milhões desviados da Visanet, fundo abastecido com dinheiro público e controlado pelo Banco do Brasil. Segundo Marcos Valério, esse valor é subestimado. Ele conta que o caixa real do mensalão era o triplo do descoberto pela polícia e denunciado pelo MP. (…) “Da SM P&B vão achar só os R$ 55 milhões, mas o caixa era muito maior. O caixa do PT foi de R$ 350 milhões, com dinheiro de outras empresas que nada tinham a ver com a SMP&B nem com a DNA”.

LULA ERA O CHEFE DO ESQUEMA, COM JOSÉ DIRCEU
Lula teria se empenhado pessoalmente na coleta de dinheiro para a engrenagem clandestina, cujos contribuintes tinham algum interesse no governo federal. Tudo corria por fora, sem registros formais, sem deixar nenhum rastro. Muitos empresários, relata Marcos Valério, se reuniam com o presidente, combinavam a contribuição e em seguida despejavam dinheiro no cofre secreto petista. O controle dessa contabilidade cabia ao então tesoureiro do partido, Delúbio Soares, que é réu no processo do mensalão e começa a ser julgado nos próximos dias pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa. O papel de Delúbio era, além de ajudar na administração da captação, definir o nome dos políticos que deveriam receber os pagamentos determinados pela cúpula do PT, com o aval do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, acusado no processo como o chefe da quadrilha do mensalão: “Dirceu era o braço direito do Lula, um braço que comandava”.
(…)

VALÉRIO SE ENCONTROU COM LULA NO PALÁCIO DO PLANALTO VÁRIAS VEZES
A narrativa de Valério coloca Lula não apenas como sabedor do que se passava, mas no comando da operação. Valério não esconde que se encontrou com Lula diversas vezes no Palácio do Planalto. Ele faz outra revelação: “Do Zé ao Lula era só descer a escada. Isso se faz sem marcar. Ele dizia vamos lá embaixo, vamos”. O Zé é o ex-ministro José Dirceu, cujo gabinete ficava no 4º andar do Palácio do Planalto, um andar acima do gabinete presidencial. (…) Marcos Valério reafirma que Dirceu não pode nem deve ser absolvido pelo Supremo Tribunal, mas faz uma sombria ressalva. “Não podem condenar apenas os mequetrefes. Só não sobrou para o Lula porque eu, o Delúbio e o Zé não falamos”, disse, na semana passada, em Belo Horizonte. Indagado, o ex-presidente não respondeu.
(…)

PAULO OKAMOTTO, ESCALADO PARA SILENCIAR VALÉRIO, TERIA AGREDIDO FISICAMENTE A MULHER DO PUBLICITÁRIO
“Eu não falo com todo mundo no PT. O meu contato com o PT era o Paulo Okamotto”, disse Valério em uma conversa reservada dias atrás. É o próprio Valério quem explica a missão de Okamotto: “O papel dele era tentar me acalmar”. O empresário conta que conheceu o Japonês, como o petista é chamado, no ápice do escândalo. Valério diz que, na véspera de seu primeiro depoimento à CPI que investigava o mensalão, Okamotto o procurou. “A conversa foi na casa de uma funcionária minha. Era para dizer o que eu não devia falar na CPI”, relembra. O pedido era óbvio. Okamotto queria evitar que Valério implicasse Lula no escândalo. Deu certo durante muito tempo. Em troca do silêncio de Valério, o PT, por intermédio de Okamotto, prometia dinheiro e proteção. A relação se tornaria duradoura, mas nunca foi pacífica. Em momentos de dificuldade, Okamotto era sempre procurado. Quando Valério foi preso pela primeira vez, sua mulher viajou a São Paulo com a filha para falar com Okamotto. Renilda Santiago queria que o assessor de Lula desse um jeito de tirar seu marido da cadeia. Disse que ele estava preso injustamente e que o PT precisava resolver a situação. A reação de Okamotto causa revolta em Valério até hoje. “Ele deu um safanão na minha esposa. Ela foi correndo para o banheiro, chorando.”

O PT PROMETEU A VALÉRIO QUE RETARDARIA AO MÁXIMO O JULGAMENTO NO STF
O empresário jura que nunca recebeu nada do PT. Já a promessa de proteção, segundo Valério, girava em torno de um esforço que o partido faria para retardar o julgamento do mensalão no Supremo e, em último caso, tentar amenizar a sua pena. “Prometeram não exatamente absolver, mas diziam: ‘Vamos segurar, vamos isso, vamos aquilo’… Amenizar”, conta. Por muito tempo, Marcos Valério acreditou que daria certo. Procurado, Okamotto não se pronunciou.

“O DELÚBIO DORMIA NO PALÁCIO DA ALVORADA”
Nos tempos em que gozava da intimidade do poder em Brasília, Marcos Valério diz guardar muitas lembranças. Algumas revelam a desenvoltura com que personagens centrais do mensalão transitavam no coração do governo Lula antes da eclosão do maior escândalo de corrupção da história política do país. Valério lembra das vezes em que Delúbio Soares, seu interlocutor frequente até a descoberta do esquema, participava de animados encontros à noite no Palácio da Alvorada, que não raro servia de pernoite para o ex-tesoureiro petista. “O Delúbio dormia no Alvorada. Ele e a mulher dele iam jogar baralho com Lula à noite. Alguma vez isso ficou registrado lá dentro? Quando você quer encontrar (alguém), você encontra, e sem registro.” O operador do mensalão deixa transparecer que ele próprio foi a uma dessas reuniões noturnas no Alvorada. Sobre sua aproximação com o PT, Valério conta que, diferentemente do que os petistas dizem há sete anos, ele conheceu Delúbio durante a campanha de 2002. Quem apresentou a ele o petista foi Cristiano Paz, seu ex-sócio, que intermediava uma doação à campanha de Lula.
(…)

EMPRÉSTIMOS DO RURAL FORAM FEITOS COM AVAL DE LULA E DIRCEU
“O banco ia emprestar dinheiro para uma agência quebrada?” Os ministros do STF já consideraram fraudulentos os empréstimos concedidos pelo Banco Rural às agências de publicidade que abasteceram o mensalão. Para Valério, a decisão do Rural de liberar o dinheiro — com garantias fajutas e José Genoino e Delúbio Soares como fiadores — não foi um favor a ele, mas ao governo Lula. “Você acha que chegou lá o Marcos Valério com duas agências quebradas e pediu: ‘Me empresta aí 30 milhões de reais pra eu dar pro PT’? O que um dono de banco ia responder?” Valério se lembra sempre de José Augusto Dumont, então presidente do Rural. “O Zé Augusto, que não era bobo, falou assim: ‘Pra você eu não empresto’. Eu respondi: ‘Vai lá e conversa com o Delúbio’. ”A partir daí a solução foi encaminhada. Os empréstimos, diz Valério, não existiriam sem o aval de Lula e Dirceu. “Se você é um banqueiro, você nega um pedido do presidente da República?”

Concluo
Dá para entender por que deve ter aumentado muito o consumo de remédio para dormir depois que Valério passou a negociar a delação premiada?



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