Vamos lá. Vamos aborrecer algumas pessoas dizendo tudo, como recomendava Voltaire. Leio na versão online do jornal “O Globo” o seguinte título: “PF dá prazo de 24h para empreiteira apresentar bilhete original de Marcelo Odebrecht”. O primeiro parágrafo do texto é este:
“A delegada da Polícia Federal Renata da Silva Rodrigues, que conduz inquérito policial sobre o bilhete escrito pelo empreiteiro Marcelo Bahia Odebrecht, dono da Construtora Norberto Odebrecht, no qual ele fala aos seus advogados a frase “destruir e-mails sondas”, deu prazo de 24h, nesta segunda-feira, para que lhe seja apresentado o original do bilhete. A PF já pediu o original do bilhete, mas a Odebrecht ainda não o entregou. Em entrevista ao GLOBO no dia 26 de junho, a advogada da Odebrecht, Dora Cavalcanti, disse que encaminhou o documento para a seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Paraná, para que a entidade avalie se houve quebra de prerrogativas do sigilo profissional entre os advogados e cliente no episódio”.
Atenção! À diferença do que está no texto do Globo, a palavra “e-mail” está no singular, sem “s”, não no plural. É importante a diferença? É!
Vamos lá. Você pode achar Marcelo culpado ou inocente; gostar ou não dele; achar que há ou que não há impunidade no Brasil; ser de direita, esquerda ou extremista de centro, não importa. Em qualquer dos casos, você tem o direito de saber quando a polícia, lamento ter de escrever, cria uma notícia sobre o nada.
Enquanto eu achar que o direito de defesa está sendo maculado no país, vou escrever. Se a OAB silencia, problema dela. Em primeiro lugar, e esta observação se dirige ao jornal, a delegada não deu prazo para “a empreiteira” apresentar o bilhete, mas para a defesa do empreiteiro — e, sim, são instâncias distintas.
Em segundo lugar, como reconhece a própria polícia, agentes federais fizeram uma transcrição “ipsis litteris” da mensagem. Do modo como se noticia, fica parecendo que a defesa de Marcelo Odebrecht está tentando sonegar alguma informação ainda desconhecida do público.
Em terceiro lugar, à diferença do que se diz aqui e ali, o bilhete não foi interceptado, mas entregue a um agente federal. Era de conhecimento de Marcelo Odebrecht e de sua defesa que toda comunicação passa por uma triagem. Acreditar que ele entregaria a um policial uma instrução para destruir provas é subestimar a inteligência do empresário.
Em quarto lugar, já no dia seguinte à entrega do bilhete, a defesa de Marcelo Odebrecht tomou a iniciativa de recorrer à Justiça para explicar o episódio. De resto, o tal e-mail tratava de um e-mail que já estava com a Polícia. Como é que poderia ser destruído? Logo, como se nota na imagem, a palavra “e-mail” está no singular e se refere a um e-mail, não a eventuais outros que poderiam ser destruídos.
“Pô, você compra muita briga escrevendo essas coisas…” É mesmo? Lamento! Eu me nego a ser enredado nesse clima de pega-pra-capar, não me importa quem é quem. Continuo inconformado, por exemplo, com a convocação da criminalista Beatriz Catta Preta para depor como testemunha na CPI da Petrobras. É claro que advogados não têm licença para cometer crimes. Eles têm, e devem ter, prerrogativas para defender seus clientes da pretensão punitiva do Estado. O nome disso é democracia.
Volto ao bilhete: se o conteúdo é o mesmo: se os próprios advogados deram ciência ao juízo de sua existência; se o texto foi entregue nas mãos de um policial; se o e-mail já não podia mais ser destruído, pergunto: onde está a notícia? O único fato dessa notícia é o fato gerado pela Polícia Federal a partir do nada.
Não gostou do que leu? Tente provar que estou errado. Isso vale também para a Polícia Federal.
PS – “Pô, por que você parece demonstrar especial predileção por escrever sobre a Odebrecht?” Bem, posso garantir que não é porque trabalhe, tenha trabalhado ou tentado trabalhar para o grupo. Posso garantir também, como tem condições de saber a Polícia Federal, que não é porque seja assalariado da empresa. É que a imprensa brasileira, quando o assunto é Odebrecht, deixa de lado qualquer senso de objetividade e vira porta-voz da Polícia Federal e do Ministério Público, ignorando questões elementares.
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