O ministro Afif Domingos publicou um artigo nesta quarta na Folha defendendo certos avanços na questão da burocracia para pequenas e médias empresas. Como um velho defensor do liberalismo, Afif parece um estranho no ninho, assim como o ministro Joaquim Levy como responsável pela pasta da Fazenda em um governo petista.
Já comentei aqui, com base na nomeação de Kátia Abreu para o ministério da Agricultura, que deve haver limites para o pragmatismo. Afinal, excesso de pragmatismo é prostituição moral, é maquiavelismo puro, sacrificando qualquer princípio ético mais rígido. Até que ponto vale se associar ao Diabo para conseguir alguns resultados positivos?
No texto, Afif adere até à terminologia do novo presidente do Ipea, o sociólogo Jessé Souza, que divide o país nas seguintes classes: ralé, batalhadores e ricos. Afif pode até estar celebrando algo realmente positivo: a maior formalização de pequenas empresas no país, graças à simplificação das regras burocráticas. Justo. Mas a que custo? Diz Afif, curvando-se diante do poder:
Mais uma vez, reafirmo a coragem da presidenta Dilma de incentivar e alavancar o microempreendedor individual, dando condições para melhorar a vida do cidadão brasileiro e apoiar o seu crescimento econômico e social.
O MEI é a maior prova de que, no Brasil, nós podemos trabalhar com agenda positiva suprapartidária, investindo em benefícios diretos ao cidadão e em políticas públicas eficientes e capazes de gerar renda e emprego em nossa sociedade.
Só por escrever “presidenta” o ministro “liberal” já dá um soco no estômago não só da língua portuguesa, mas dos brasileiros em geral. Pergunto: é possível mesmo trabalhar de forma apartidária com o PT no poder? Será que Afif realmente acha que este governo tem feito coisas boas para os empresários, pequenos ou médios? Olha em volta, ministro! Observe a floresta, não apenas a sua árvore!
Eis a única pergunta que gostaria de fazer para Afif Domingos: você realmente acredita que o governo Dilma em geral, do qual o senhor faz parte e empresta seu nome e prestígio (ou o que restou dele), tem feito coisas positivas para o empreendedor brasileiro, aquele que, como o senhor bem sabe, é quem gera riqueza para a nação? Responda somente essa pergunta, mas não sem antes deitar a cabeça no travesseiro e refletir com sinceridade.
Uma vez respondida a pergunta, ficará claro que não é desejável fazer parte de um governo desses, pois isso ajuda a manchar a reputação dos liberais. Alguém sempre poderá rebater que a situação estaria ainda pior se fosse um petista no seu lugar. Mas o pior é questão de prazo: seria pior ainda hoje, mas isso seria positivo para o país amanhã, para o efeito pedagógico do custo real do petismo, da mentalidade estatizante dessa turma da Unicamp.
Foi o mesmo raciocínio usado por Demétrio Magnoli para fazer sua campanha de “Fora, Levy!”. O doutor de Chicago empresta seu nome para servir de bode expiatório aos petistas, que sempre poderão acusar o “neoliberalismo” pelos custos do “desenvolvimentismo nacionalista” de Dilma. Diz Demétrio:
Levy é um subordinado de Dilma: a política econômica que conduz é a do governo. Contudo, sua presença no núcleo do governo propicia a difusão da narrativa pilantra segundo a qual o ministro é um “agente infiltrado das elites”. A finalidade da lenda é proteger Dilma das consequências de suas próprias escolhas. Sem Dilma 1 (e Lula 2, por sinal!), não existiria Dilma 2. A contração fiscal de hoje é o complemento simétrico da farra fiscal de ontem. A política econômica “de direita” emana, em linha direta, da política econômica “de esquerda”.
[...]
Dilma não convocou Levy porque ele possui algum saber excepcional, mas porque ele tem um lastro de confiança que falta à “gente do próprio PT”. O nome do “banqueiro” gera expectativas positivas entre investidores e agências de classificação de risco: acredita-se que ele oferecerá estabilidade e segurança. O lulopetismo usa essa crença como permissão para fazer o mínimo. Sem Levy, a guinada econômica teria que ser pra valer. Com ele, o governo ganha tempo, preparando um novo ciclo de populismo fiscal para as vésperas do ano da graça de 2018.
[...]
A operação Levy inscreve-se na tradição brasileira da ofuscação, que protege os interesses gerais da elite política às custas dos interesses do país. Com “gente do PT”, o lulopetismo seria obrigado a conduzir, à luz do dia, a política econômica que condena nas resoluções farsescas de seus congressos. Com “gente do PT”, o país poderia revisitar criticamente uma longa trajetória de ufanismo neonacionalista revestida com o papel de parede da redenção popular.
Seja por vaidade, seja por realmente acreditar que pode fazer alguma coisa boa para o país, mesmo se unindo ao PT, essas pessoas, que outrora tinham boa reputação, mancham não apenas sua própria imagem, mas a do que representam. Afif sempre foi associado ao liberalismo, pois sua Associação Comercial tem lutado há anos contra o avanço estatal. Medidas como o “impostômetro” são louváveis. Como, então, alguém assim vai parar num ministério de um governo do PT, e ainda elogia a coragem da “presidenta”, aquela responsável por ferrar com os empreendedores deste Brasil?
Talvez Afif Domingos, Kátia Abreu e Joaquim Levy consigam dormir com a consciência tranquila. Eu jamais conseguiria!
Rodrigo Constantino
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