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domingo, 28 de junho de 2015

Leia a íntegra da decisão que negou habeas corpus a Marcelo Odebrecht

HABEAS CORPUS Nº 5023725-56.2015.4.04.0000/PR

RELATOR -JOÃO PEDRO GEBRAN NETO

PACIENTE/IMPETRANTE: MARCELO BAHIA ODEBRECHT

ADVOGADO: RAFAEL TUCHERMAN

IMPETRADO: Juízo Federal da 13ª VF de Curitiba

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado por Rafael Tucherman e outros em favor de MARCELO BAHIA ODEBRECHT, em face de decisão proferida pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR que, nos autos do Pedido de Busca e Apreensão Criminal nº 5024251-72.2015.4.04.7000/PR, relacionado à ‘Operação Lava-Jato’, determinou a prisão preventiva do paciente, efetivada no dia 19/06/2015.

Sustenta a defesa, em síntese, que: (a) o paciente não foi sequer mencionado na decisão que deflagrou a sétima fase da operação, em 14 de novembro do ano passado, na qual vários executivos de construtoras foram presos e a sede da Construtora Norberto Odebrecht S/A foi investigada; (b) o paciente não foi objeto de nenhuma acusação veiculada nos depoimentos dos delatores; (c) não há notícia de que o paciente tenha praticado crimes, ameaçado testemunhas, suprimido provas, fugido ou tentado fugir do país; (d) o paciente não é administrador ou diretor da Construtora Norberto Odebrecht desde 14 de janeiro de 2010; (e) a decisão se apega em apenas uma mensagem eletrônica do ano de 2011, da qual o paciente não foi o autor e cuja interpretação foi equivocada; (f) a prisão preventiva necessita, além dos indícios de autoria e prova da materialidade, que seja demonstrada a necessidade da medida, associada a um dos pressupostos do artigo 312 do CPP; (g) desde a deflagração da sétima fase da operação Lava-Jato, não ocorreu nenhum fato novo capaz de vincular Marcelo aos fatos; (h) no depoimento dos delatores não há uma única palavra sobre Marcelo; (i) a decisão remete a e-mail recebido pelo paciente, porém a mensagem data de 21/03/2011, e já era conhecida na sétima fase da operação, quando o paciente não foi sequer indicado como suspeito; (j) nem a autoridade coatora está segura acerca do caráter criminoso da mensagem, admitindo que o fato necessita ser investigado;(k) O termo ‘sobre-preço’ utilizado no e-mail nada tem a ver com superfaturamento, cobrança excessiva, ou qualquer irregularidade, como quis fazer crer a representação policial, tratando-se a única prova de uma operação comercial legítima; (l) a prisão foi decretada por mera suposição do magistrado de que seria inviável que o paciente desconhecesse o ‘esquema’ criminoso;(m) a Odebrecht conta com 15 Presidentes (um para cada Negócio) atuando com plena delegação, apoiados por 162 Diretores de áreas (Financeira, Jurídica, Pessoas e Organização, Comercial, Superintendente, Planejamento, Comunicação, entre outras) e 294 Líderes de Empresas. Totalizando, são 471 executivos, somente entre Diretores e Presidentes; (n) a Odebrecht possui mais de 90 Conselhos de Administração (incluindo Pequenas-Empresas), dos quais somente 5 são presididos pelo paciente – entre eles, NENHUM integrante do Negócio de Engenharia e Construção, dentro do qual estão inseridas as empresas postas sob suspeita pela r. decisão recorrida; (o) o paciente desligou-se da Construtora Norberto Odebrecht em 02 de janeiro de 2009, quando assumiu a Vice-Presidência da Organização Odebrecht; (p) a apuração interna de crimes por parte da Odebrecht não constitui uma obrigação legal; (q) todos os suspeitos de haverem cometido crimes contra a Petrobrás já estão afastados, não havendo a apontada possibilidade de continuarem a praticar o mesmo crime; (r) na lógica equivocada do magistrado, ou enquanto não houver proibição das empresas que compõem o grupo Odebrecht de contratarem com o Poder Público os seus executivos devem continuar presos; (s) o último delito identificado teria sido cometido em 2012, sendo desnecessária a prisão nesse momento; (t) o que o magistrado chama de ‘prova documental’ não passam de depósitos bancários de valores recebidos pelos delatores, mas sem comprovação que tenham sido realizados pela Odebrecht; (u) em relação ao único depósito suspeito de ter sido feito pela Odebrecht, já foi esclarecido pelo próprio magistrado em decisão complementar que não se trata verdadeiramente de depósito, e sim de um investimento da empresa Canyon View em títulos emitidos pela Odebrecht, afastando qualquer prova material de vínculo da Odebrecht e seus representantes com o pagamento de propinas, (v) a delação transformou-se, no caso, em chave de saída da cadeia, já que todos os delatores estão livres, salvo Alberto Youssef, mas aqueles que se recusam a colaborar com a acusação ainda permanecem presos indevidamente. Requer o deferimento de medida liminar, em razão da excepcionalidade da situação, para que seja determinada a soltura imediata do paciente. Ao final, a concessão da ordem.

É o relatório. Passo a decidir.

1. Considerações introdutórias
Inicialmente, convém esclarecer que apenas foi possível a publicação da presente decisão na data de hoje em razão do acúmulo de habeas corpus relacionados à denominada ‘Operação Lava-Jato’. Sem desconsiderar que assista ao investigado – sobretudo o segregado – o direto a uma resposta breve, as circunstâncias do processo inviabilizaram uma maior agilidade no exame do pedido liminar.

Apenas para exemplificar, alguns fatores foram determinantes, tais como o elevado número de impetrações, o elevado número de documentos acostados aos autos do processo de origem e que orientaram a promoção ministerial e os decretos prisionais, assim como a própria complexidade das relações narradas na decisão hostilizada.

Some-se a isso o habeas corpus preventivo impetrado por não advogado no curso da semana, supostamente destinado a preservar a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Naquele momento, ainda que a decisão então proferida não se revestisse de grande complexidade, a impetração, desarrazoada e desautorizada, diga-se, acarretou um congestionamento na troca de dados dos sistemas do Tribunal, tanto para o público externo quando interno.

Por algumas horas, como consignei na decisão que indeferiu liminarmente aquela impetração, o processamento deste e de outros habeas corpus, inclusive não relacionados à investigação, foram prejudicados em seu exame, a ponto de exigir a decretação de sigilo pelo prazo de 48 horas sobre aquele feito.

Assim, prestados tais esclarecimentos e ressaltando-se o imprescindível respeito que este relator e a 8ª Turma do Tribunal vem dispensando aos investigados e às suas respectivas e qualificadas defesas – respeito este, ressalte-se, recíproco -, passo ao exame do pedido liminar.

2. Da prisão preventiva
A Constituição Federal estabelece, no inciso LVII do artigo 5º, que ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. No sistema jurídico brasileiro, a liberdade é a regra e a prisão processual é a exceção.

Com esse norte estabelecido, o legislador infraconstitucional garantiu, por meio da prisão preventiva, a possibilidade de supressão da liberdade durante o curso da investigação ou do processo criminal, como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Tal medida encontra previsão no art. 312 do Código de Processo Penal:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Por certo, trata-se de medida rigorosa, excepcional, mas justificável. Para a decretação da prisão preventiva, é imprescindível que o delito esteja materializado e que existam indícios de autoria, acrescidos de um de seus fundamentos: risco à ordem pública, à instrução ou à aplicação da lei penal.

A par disso, a lei não estabelece que nível de prova dos pressupostos é necessário para a decretação da prisão cautelar, mas é certo que, em se tratando de decisão proferida em cognição sumária, não é possível aqui exigir prova cabal da responsabilidade criminal.

Neste momento, entretanto, inviável atestar-se a inteira extensão da responsabilidade criminal do paciente ou de qualquer outro investigado. Até mesmo porque isso não seria possível sem a observância do devido processo legal ou sem garantir o acesso a todos os meios de defesa constitucional e legalmente admitidos.

Não se cuida, portanto, de antecipação de pena ou de medida incompatível com um processo penal orientado pela presunção de inocência. O devido processo legal, registre-se, não afasta o deferimento de medidas restritivas de direitos ou de liberdade ‘como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria’ (art. 312, CPP).

Sobre a previsão legal da prisão preventiva, o Juiz Sérgio García Ramírez, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, reconhece ser ‘… inevitável a adoção de medidas cautelares no ramo penal, entre elas a privação de liberdade, mas também é indispensável examinar as hipóteses que possam justificá-las, previstas na lei a avaliadas pelo juiz, sob sua estrita responsabilidade. O que se pretende alcançar com essa medida, confessadamente, é a marcha do processo, com suas implicações com vistas à preservação da prova, à integridade dos participantes e à executabilidade, se for o caso, da sentença. Caso seja assim – e dificilmente se poderá ir além -, cabe ao legislador restringir o espaço da prisão cautelar, ressaltando os elementos que possam legitimá-la, e ao juiz apreciar a efetiva presença desses elementos no caso submetido a sua competência. Nada disso justificaria, naturalmente, a reclusão de grupos inteiros de acusados, de maneira indiscriminada, por pertencer a determinada ‘categoria geral’, isto é, de açodo com um rótulo genérico e com apoio num julgamento prévio legislativo, não num julgamento judicial. Em resumo, não se pretende abolir a prisão preventiva, mas racionalizá-la. Não poderia ser irracional instituir, também aqui a racionalidade penal.’ (in Jurisprudência da Corta Interamericana de Direitos Humanos. Brasília: Ministério da Justiça, 2014, p. 282).

Entendo que a advertência acima guarda pertinência tanto com a legislação brasileira, que não impõe a prisão preventiva obrigatória para nenhuma espécie de crime, quanto para o caso concreto, onde o exame da condição pessoal de cada um dos investigados acabou orientando diferentes soluções, tais como a manutenção solto, conduções coercitivas, prisões temporárias e prisões preventivas.

A 8ª Turma, em casos correlatos à investigação, tem decidido que ‘a determinação de diligências na fase investigativa, como quebras de sigilo telemáticos e prisões cautelares, não implica antecipação de mérito, mas mero impulso processual relacionado ao poder instrutório’ (TRF4, EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO CRIMINAL (TURMA) Nº 5003411-41.2015.404.7000, 8a. Turma, minha relatoria).

Sob tal ótica, calha apenas pontuar que as razões de decidir não se confundem com juízo de certeza quanto à responsabilidade criminal dos pacientes, como aquela apta a redundar na condenação penal. E tal não se exige para a custódia preventiva, pois a existência de indícios é suficiente ao momento processual.

3. Da decisão que decretou a prisão preventiva
3.1. A decisão que decretou a prisão preventiva do paciente tem, no que interessa ao presente feito, o seguinte teor (evento 8, origem):

3. A existência do cartel e o pagamento sistemático de propinas já foram admitidos por vários dos envolvidos nos crimes.

Também foi admitido por vários dos envolvidos a participação da Odebrecht e da Andrade Gutierrez no cartel e no pagamento de propinas.

Esse esquema criminoso mais amplo foi revelado inicialmente por Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef perante este Juízo, em depoimentos prestados no curso da ação penal 5026212-82.2014.404.7000 (evento 1101), após terem celebrado acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal. Ambos também se referiram especificamente aos dirigentes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez como participantes do cartel e como responsáveis pelo pagamento de propinas, indicando as pessoas nas empresas responsáveis pelos crimes. Na Odebrecht, Paulo Roberto Costa, reportou-se a Márcio Faria da Silva e a Rogério Santos de Araújo, Diretores da Odebrecht, já Alberto Youssef, especificamente a Márcio Faria. Na Andrade Gutierrez, Paulo Costa reportou-se a Paulo Roberto Dalmazzo, na época Diretor da Andrade Gutierrez, enquanto Alberto Youssef informou que Andrade era atendida por outro intermediador.

O esquema criminoso também foi admitido por Pedro José Barusco Filho, ex-Gerente Executivo da Petrobrás, após acordo de colaboração premiada (5075916-64.2014.404.7000), com referência específica à Odebrecht e à Andrade Gutierrez. Informou ainda que o esquema criminoso foi reproduzido na empresa SeteBrasil, contratada pela Petrobrás para o fornecimento de sondas para exploração do pré-sal.

Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, dirigente da Setal Óleo e Gás S/A (SOG), uma das empreiteiras envolvidas no esquema criminoso, admitiu a existência do cartel, os ajustes para frustrar as licitações e o pagamento de propinas a agentes da Petrobrás (processo 5073441-38.2014.4.04.7000). Também confirmou a participação no cartel da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, que eram representadas no cartel por Márcio Faria e por Elton Negrão de Azevedo Júnior, este último Diretor da Andrade Gutierrez.

Júlio Gerin de Almeida Camargo, que teria atuado como intermediador de propinas em vários contratos das empreiteiras com a Petrobrás, também admitiu o pagamento sistemático de propinas pelas empreiteiras aos dirigentes da Petrobrás (processo 5073441-38.2014.4.04.7000).

Mais recentemente, também admitiu a existência do cartel e o pagamento de propinas o Presidente da empreiteira Camargo Correa, Dalton dos Santos Avancini, tendo este também celebrado acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal (processo 5013949-81.2015.4.04.7000, e evento 1, anexo7). Também confirmou que a Odebrecht e a Andrade Gutierrez participavam do cartel, citando especificamente Márcio Faria e Elton Negrão, respectivamente.

Gerson de Mello Almada, acionista e dirigente da Engevix Engenharia, confessou, mesmo sem acordo de colaboração premiada (ação penal 5083351-89.2014.404.7000, eventos 430 e 473), a existência do cartel. O acusado também admitiu o pagamento de vantagem indevida pela Engevix Engenharia a dirigentes da Petrobrás. Confirmou ainda que a Odebrecht e a Andrade Gutierrez participavam do cartel, apontando Márcio Faria e Paulo Dalmazzo como representantes.

Trechos da maior parte desses depoimentos foram reunidos pela autoridade policial em dois documentos que instruem a representação policial. No Relatório de Análise de Material nº 154 (evento1, anexo 22), encontram-se diversos trechos desses depoimentos, com referências específicas a Odebrecht. No Relatório de Análise de Material nº 133 (evento 1, anexo30) encontram-se diversos trechos desses depoimentos, com referências específicas a Andrade Gutierrez.

É evidente, porém, que todos os depoentes também estão envolvidos nos crimes, com o que a sua credibilidade é passível de questionamento, máxime porque vários confessaram buscando obter benefícios em decorrência da colaboração com o Ministério Público Federal.

Faz-se necessário, portanto, para além da prova oral, verificar se existe prova de corroboração do esquema criminoso.

Uma prova muito significativa consiste na identificação de contas secretas com saldos milionários mantidos por agentes da Petrobrás no exterior e que teriam servido para receber propinas.

Cerca de vinte e três milhões de dólares foram sequestrados em contas controladas por Paulo Roberto Costa na Suíça (processo 5040280-37.2014.404.7000). Posteriormente, no acordo de colaboração, Paulo Roberto Costa admitiu a existência das contas, que os recursos nela mantidos eram criminosos e renunciou a qualquer direito sobre elas, estando os valores sendo repatriados perante o Supremo Tribunal Federal.

Pedro José Barusco Filho, no âmbito do acordo de colaboração, admitiu ter recebido como propina cerca de 97 milhões de dólares e que estariam sendo mantidos ocultos em contas secretas na Suíça. Renunciou a qualquer direito a esses valores e comprometeu-se a devolvê-los. Destes valores, cerca de 157 milhões de reais já foram depositados em conta judicial, vindo de operações de câmbio da Suíça, e repassados de volta à Petrobrás (processo 5075916-64.2014.404.7000).

Cerca de vinte milhões de euros foram, por sua vez, bloqueados em contas secretas mantidas por Renato Duque no Principado de Mônaco (5012012-36.2015.4.04.7000).

Mais recentemente, na ação penal 5083838-59.2014.404.7000, vieram informações sobre duas contas secretas que Nestor Cuñat Cerveró mantinha na Suiça, mas que tiveram seu saldo esvaziado no curso das investigações.

A identificação de que pelo menos quatro dirigentes da Petrobras, o Diretor Paulo Costa, o Diretor Renato Duque, o Diretor Nestor Cerveró, e o gerente executivo Pedro Barusco mantinham contas secretas no exterior, a maioria com valores milionários, constitui prova significativa do esquema de corrupção e lavagem na Petrobrás.

Releva ainda destacar que a maior parte dos extratos dessas contas no exterior já vieram até este Juízo, confirmando o recebimento de depósitos em circunstâncias suspeitas, especialmente de contas off-shores cujos controladores estão sendo progressivamente identificados.

Antes mesmo disso, já havia sido colhida prova documental do repasse de valores milionários por diversas empreiteiras, como a Mendes Júnior, Setal, MPE, Engevix, Galvão Engenharia e OAS, para contas controladas por Alberto Youssef, que atuava como intermediador do pagamento de propinas para a Diretoria de Abastecimento, em nome das empresas MO Consultoria e GFD Investimentos. Descrevi cumpridamente essas provas na decisão de 10/11/2014 (evento 10) do processo 5073475-13.2014.404.7000.

Quanto ao afirmado repasse de valores do esquema criminoso na Petrobrás a agentes políticos, a maior parte desta investigação encontra-se em trâmite no Supremo Tribunal Federal.

Alguma prova de corroboração, porém, já foi colhida como os depósitos bancários efetuados na conta corrente do Senador Fernando Affonso Collor de Melo, ou, já perante este Juízo, os depósitos efetuados em favor de pessoas interpostas indicadas pelos ex-Deputados Federais Pedro da Silva Correa de Oliveira Andrade Neto e João Luiz Correia Argolo dos Santos (processos 5014455-57.2015.4.04.7000 e 5014474-63.2015.4.04.7000).

Além disso, na ação penal 5012331-04.2015.4.04.7000, por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa, consta, entre as imputações, a utilização de valores decorrentes de propina para a realização de doações eleitorais.

Foram ainda colhidos elementos probatórios de corroboração relativos à própria existência do cartel de empresas.

A esse respeito, merecem destaque inicialmente documentos apresentados por Augusto Mendonça, dirigente da Setal Óleo e Gás S/A (SOG), produzidos na reuniões de ajuste prévio entre as empreiteiras da distribuição das obras da Petrobrás entre elas.

Esses documentos foram juntados originariamente no processo 5073441-38.2014.404.7000 (eventos 27, inf1, e 51, apreensão2).

Podem ser visualizados no aludido Relatório de Análise de Material nº 154 (evento1, anexo 22), nas fls. 20-34.

Entre eles, pela fácil visualização, destaca-se a tabela relativamente às preferências das empreiteiras na distribuição das obras da Petrobrás e que se encontra na fl. 29 do aludido relatório.

Como ali se verifica, na tabela, há apontamento, no lado esquerdo, das obras da Petrobrás a serem distribuídas, no topo, do nome das empreiteiras identificadas por siglas, e nos campos que seguem a anotação das preferências de cada uma (com os números 1 a 3, segundo a prioridade de preferência), como um passo para a negociação dos ajustes.

Entre as empreiteiras identificadas, encontram-se a Odebrecht, identificada pela sigla ‘CO’ (Construtora Norberto Odebrecht), e a Andrade Gutierrez, identificada pela sigla ‘AG’.

Também entre eles de se destacar folha com as regras do funcionamento do cartel redigidas, jocosamente, na forma de um ‘campeonato esportivo’ (fls. 21-23 do relatório)

Documentos similares foram apreendidos na sede da empresa Engevix Engenharia e que foram juntados originariamente no evento 38, apreensão9, do inquérito 5053845-68.20144047000.

Sobre esses documentos, a autoridade policial produziu o Relatório de Análise de Documentos n.º 107, que se encontra no evento 1, anexo 4.

Deles, destaca-se a tabela produzida com às preferências das empreiteiras na distribuição das obras da Petrobrás no COMPERJ – Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (fl. 13). O documento tem o título ‘Lista dos novos negócios Comperj’. De forma similar a anterior, na tabela, há apontamento, no lado esquerdo, das obras da Petrobrás no Comperj a serem distribuídas, e, no topo, do nome das empreiteiras identificadas por siglas, e nos campos que seguem a anotação das preferências de cada uma (com os números 1 a 3, segundo a prioridade de preferência), como um passo para a negociação dos ajustes.

Entre as empreiteiras identificadas, encontram-se a Odebrecht, identificada desta feita pela sigla ‘CN’ (Construtora Norberto Odebrecht), e a Andrade Gutierrez, identificada pela sigla ‘AG’.

Desta feita, jocosamente, há tabelas nas quais à fixação das preferências é atribuída a denominação de ‘bingo fluminense’ e às empreiteiras, a denominação ‘jogadores’ (fls. 16 e 18 do relatório)

Tabelas similares também existem em relação à fixação das preferências nas obras da Petrobrás na Refinaria do Nordeste Abreu e Lima – RNEST (‘Lista novos negócios – RNEST’, fl. 12 do relatório).

Embora seja possível questionar a autenticidade dos documentos apresentados por Augusto Mendonça, já que ele os apresentou após firmar o acordo de colaboração, os demais, similares aqueles, foram apreendidos coercitivamente na sede Engevix Engenharia, muito antes da confissão de seu dirigente, Gerson de Mello Almada, a respeito da existência do cartel.

Outro elemento probatório foi colhido mais recentemente. Como adiantado, o Presidente da empreiteira Camargo Correa, Dalton dos Santos Avancini, admitiu a existência do cartel. No depoimento juntado no evento 1, anexo7, reporta-se Dalton Avancini a uma dessas reuniões do cartel, quando foram convocados diversos outros dirigentes de empreiteiras, entre eles Márcio Faria pela Odebrecht e Elton Negrão pela Andrade Gutierrez. Dalton Avancini ainda confirmou nesse depoimento o pagamento de propinas pelo contrato pela obra de terraplanagem da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), quando atuou consorciada com a Odebrecht, Queiroz Galvão e Galvão Engenharia.

Dalton Avancini ainda apresentou como prova dessa específica reunião do cartel mensagem eletrônica por ele recebida em 03/09/2011, juntamente com diversos outros destinatários, entre eles dirigentes das empreiteiras componentes do Cartel. Cópia da mensagem eletrônica encontra-se no anexo7, evento 1 (fl. 10). A reunião ocorreria no escritório da Andrade Gutierrez em São Paulo. Pela Odebrecht, o destinatário é Márcio Faria da Silva (marciofaria@odebrecht.com). Pela Andrade Gutierrez, Elton Negrão de Azevedo Júnior (elton.negrao@agnet.com.br). Seguem ainda cópias de outras mensagens eletrônicas recebidas por cópia relativamente ao mesmo assunto e encaminhadas por outros dirigentes de empreiteiras, como Ricardo Pessoa, da UTC, e Ildefonso Colares, da Queiroz Galvão (anexo7, evento1, fls. 11-24).

Portanto, não só há prova oral da existência do cartel e da fixação prévia das licitações entre as empreiteiras, com a participação da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, mas igualmente prova documental consistente nessas tabelas, regulamentos e mensagens eletrônicas.

A autoridade policial, em sua representação (evento 1), indicou as obras da Petrobras, na RNEST e no COMPERJ, em relação as quais haveria elementos probatórios de que teriam tido suas licitações ou contratos fraudados pelo cartel de empreiteiras, especialmente pela correspondência do resultado com o verificado nas tabelas apresentadas por Augusto Mendonça ou nas apreendidas na Engevix.

Destaco apenas algumas, em especial aquelas nas quais foram vencedoras a Odebrecht e a Andrade Gutierrez e para as quais os elementos probatórios são mais significativos.

A licitação para a implantação da Unidade de Destilação Atmosférica – UDA na Refinaria Abreu e Lima foi vencida pelo Consórcio RNEST/CONEST, que reunia a Odebrecht e a OAS, com a proposta de menor preço de R$ 1.505.789.122,90, ainda cerca de 16% acima do valor de estimativa da Petrobrás (R$ 1.297.508.070,67). Embora convocadas cerca de quinze empresas, foram apresentadas somente três propostas, todas por empreiteiras que faziam parte do cartel. Após negociação, o contrato foi celebrado por R$ 1.485.103.583,21. Os fatos estão detalhados nas fls. 12-15 da representação policial.

A licitação para a implantação das UHDTs e UGHs na Refinaria Abreu e Lima também foi vencida pelo Consórcio RNEST/CONEST, que reunia a Odebrecht e a OAS, com a proposta de menor preço de R$ 3.260.394.026,95, cerca de 21% acima do valor de estimativa da Petrobrás (R$ 2.692.667.038,77). Embora convocadas cerca de quinze empresas, foram apresentadas somente três propostas, todas por empreiteiras que faziam parte do cartel. Após negociação, o contrato foi celebrado por R$ 3.190.646.503,15, pouco abaixo do valor máximo admitido pela Petrobrás (20% sobre a estimativa). Os fatos estão detalhados nas fls. 19-23 da representação policial.

Interessante notar que, para ambas as obras (UDA e UHDT na RNEST), as tabelas acima referidas, notadamente as apreendidas na Engevix (‘Lista novos negócios – RNEST’, fl. 12 do relatório, evento 1, anexo4), apontavam a preferência, entre as empreiteiras, da Odebrecht e da OAS (pelas siglas ‘CN’ e ‘AO’, respectivamente).

A licitação para a implantação da Unidade de Coqueamento Retardado – UCR no COMPERJ foi vencida pelo Consórcio TE-AG, que reunia a Techint e a Andrade Gutierrez, com a proposta de menor preço de R$ 1.938.191.350,00, cerca de 15% acima do valor de estimativa da Petrobrás (R$ 1.673.156.044,00). Foram apresentadas somente três propostas, todas por empreiteiras que faziam parte do cartel. Após negociação, o contrato foi celebrado com a Petrobrás (20% sobre a estimativa). Os fatos estão detalhados nas fls. 33-36 da representação policial.

Interessante notar que, para a referida obra (UCR no COMPERJ), as tabelas acima referidas, notadamente as apreendidas na Engevix (‘Proposta de Fechamento do Bingo Fluminense’, fl. 18 do relatório, evento 1, anexo4), apontavam a preferência, entre as empreiteiras, da Techint e da Andrade Gutierrez (pelas siglas ‘TC’ e ‘AG’, respectivamente).

A licitação para a implantação da Unidade U-61000 no COMPERJ foi vencida pelo Consórcio Pipe Rack, que reunia a Odebrecht, a UTC e a Mendes Jr. As propostas apresentadas ficaram inicialmente todas acima do valor máximo admitido pela Petrobrás. A empresa estatal, porém, reviu a estimativa inicial para R$ 1.655.878.443,59. O contrato foi celebrado após negociação por R$ 1.869.624.800,00, cerca de 11% acima do valor de estimativa da Petrobrás, mas apenas após a revisão da estimativa.

Relativamente a este contrato, embora não haja correspondência do resultado com o constante nas tabelas apreendidas, o acusado colaborador Dalton Avancini, Presidente da Camargo Correa, afirmou que o cartel teria definido a Odebrecht em associação com a UTC e com a Mendes Júnior como vencedoras (processo 5013949-81.2015.4.04.7000 . Transcrevo trecho:

‘QUE, acrescenta ainda que havia uma reclamação quanto a empresas que tiveram pouca participação no COMPERJ, havendo ainda dois pacotes que faziam parte do acordo do cartel em relação a essa refinaria, um deles o PIPERACK e outro TUBOVIAS; QUE, a fim de resolver a questão da distribuição das obras foi feita uma espécie de sorteio, tendo sido contemplada no pacote do PIPERACK a ODEBRECHT, em associação com a UTC e, salvo engano, a MENDES JUNIOR, tendo o consorcio apresentado proposta que sagrou-se vencedora por conta do acordo das cartelizadas, acreditando que não houve rebid nesse caso; QUE, em relação ao pacote de TUBOVIAS, deveria ganhar o consorcio formado pela SETAL, OAS e CAMARGO, tendo o consorcio ganhado no primeiro bid,todavia não houve aceitação do preço, sendo que na impossibilidade de reduzir os valores a ponto de atender a estatal, a mesma alterou parte do escopo e abriu oportunidade para novas propostas,tendo sido convidadas outras empresas menores como MPE, GDK, USIMEC, BARBOSA MELO e SERVEG; ‘ (termo nº 7 de depoimento, citado na fl. 43 da representação policial)

Os fatos estão detalhados nas fls. 42-45 da representação policial.

Além dessas obras, há diversas outras contratadas pela Petrobrás nas quais participaram as empresas Odebrecht e Andrade Gutierrez, mas que não foram objeto de análise mais detida na representação policial.

Nas fls. 1-8 do referido Relatório de Análise de Material nº 154 (evento 1, anexo22), há lista das várias obras contratadas pela Petrobrás com a Odebrecht ou com consórcios dos quais a empreiteira participava. Entre elas, obras na Refinaria Presidente Getúlio Vargas – REPAR, na região metropolitana de Curitiba, em relação as quais também há suspeita de terem sido distribuídas entre as empreiteiras. Os contratos da Odebrecht com a Petrobrás atingem o montante de USD 4.068.074.549,60 e R$ 21.682.844.700,28.

Nas fls. 1-3 do referido Relatório de Análise de Material nº 133 (evento 1, anexo33), há lista das várias obras contratadas pela Petrobrás com a Andrade Gutierrez ou com consórcios dos quais a empreiteira participava. Os contratos da Andrade Gutierrez com a Petrobrás atingem o montante de R$ 7.360.704.171,98.

Há, pelo que se verifica na análise sumária, suficiente prova da participação da Odebrecht e da Andrade Gutierrez no cartel das empreiteiras e no ajuste dos resultados das licitações.

Outra questão diz respeito à prova do pagamento por elas de vantagens indevidas aos dirigentes da Petrobras.

[...]

4. Pelas provas até o momento colhidas, a Odebrecht pagaria propina de maneira geral de forma mais sofisticada do que as demais empreiteiras, especialmente mediante depósitos em contas secretas no exterior.

O modus operandi foi revelado pelos próprios beneficiários da propina, Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, e também pelo intermediador Alberto Youssef.

Paulo Roberto Costa, em depoimentos no acordo de colaboração, afirmou que quase todos os valores recebidos nas contas off-shores que mantinha na Suíça seriam provenientes da Odebrecht. A propina teria sido paga por Rogério Araújo, Diretor da Odebrecht, e intermediada por Bernardo Schiller Freiburghaus, este exercendo papel equivalente ao de Alberto Youssef, de operador de propinas e de lavagem de dinheiro para a Odebrecht. Transcrevo trechos:

‘QUE por volta de 2008 ou 2009, ROGÉRIO ARAUJO, que era Diretor da ODEBRECHET, numa reunião com o declarante, disse: ‘PAULO, você e muito tolo, você ajuda mais os outros do que a si mesmo. E em relação aos políticos que você ajuda, a hora que você precisar de algum deles eles vão te virar as costas’; QUE ROGERIO indicou então a pessoa de BERNARDO FREIBURGHAUS a fim de que a ODEBRECHET promovesse o deposito diretamente no exterior de recursos em favor do declarante, sem passar per qualquer partido político; QUE desse modo, todos os recursos depositados nas contas mantidas pelo declarante em tais bancos suíços foram feitas pela ODEBRECHET, não sabendo detalhes de como eram feitas as transações; QUE BERNARDO FREIBURGHAUS era proprietário da empresa DIAGONAL INVESTIMENTOS e já havia trabalhado em bancos suíços, tendo inclusive se formado na Suíça em economia, salvo engano, e possuía grande expertise na área bancaria até abrir o seu negócio próprio de intermediação na abertura de contas e investimentos no exterior; QUE a cada dois meses o declarante mantinha reuniões com BERNARDO na sede da DIAGONAL INVESTIMENTOS; QUE inicialmente houve uma reunião entre o declarante, ROGERIO e BERNARDO e, posteriormente, os contatos eram diretamente com BERNARDO; QUE os depósitos eram feitos a cada dois ou três meses, sendo que a ODEBRECHT eram quem os realizava e controlava, sendo que BERNARDO verificava os saldos em conta e informava o declarante; QUE BERNARDO possuía contato direto com a ODEBRECHT para operacionalizar os depósitos nas contas, mas o declarante não sabe dizer qual era as contas de origem do numerário, isto e, se os valores saiam de contas mantidas pela ODEBRECHT no território nacional ou no exterior; QUE o declarante afirma que BERNARDO era o responsável por aplicar os valores em fundos de investimentos nos Bancos Suíços, mas o declarante não acompanhava os extratos detalhadamente no sentido de observar a origem do numerário, não sabendo especificar; QUE o declarante comparecia pessoalmente na sede da empresa DIAGONAL INVESTIMENTOS, no Rio de Janeiro/RJ, onde BERNARDO lhe apresentava as movimentações das contas e os saldos, mas o declarante não levava consigo nenhum documento, sendo que os extratos eram posteriormente triturados para não deixar vestígios, mas houve determinado dia em que o declarante realizou anotações em sua agenda ‘MITSUI & CO., LTD.’, de capa amarela, apreendida conforme auto de apreensão n. 641/14, em sua residência; QUE nesse sentido, anotou que no dia 13/09/2012 possuía na conta 1.1.56130, em nome da empresa SYGNUS ASSETS SA, no PKB PRIVATEBANCK SA, o montante de US$ 10.513.207,00 (dez milhões, quinhentos e treze mil, duzentos e sete dólares americanos); QUE a off-Shore SYGNUS ASSETS S.A. foi aberta por BERNARDO e acredita que a mesma estava em nome do declarante, não sabendo especificar em qual país a mesma foi criada; QUE também anotou que, no dia 13/09/2012, possuía na conta1501054, em nome da empresa QUINUS SERVICES SA, no HSBC BANK, o montante de US$ 9.584.302,89 (nove milhões, quinhentos e oitenta e quatro mil e trezentos e dois reais e oitenta e nove centavos de dólares americanos); QUE a QUINUS SERVICES SA também foi aberta por BERNARDO, assim como a referida conta, em nome do declarante; QUE também não sabe dizer se a off-Shore era mantida na Suíça ou em outro pais; QUE o saldo dessa conta do HSBC foi transferido para alguma das outras quatro contas mantidas nos Bancos Suíços abertas por BERNARDO, no final de 2012 ou início de 2013; QUE anotou em sua agenda, ademais, que no dia 13/09/2012, possuía na conta 0305.7769, em nome da off-Shore SAGAR HOLDING S/A, no JULIUS BEAR, o valor de US$ 5.686.172,00 (cinco milhões, seiscentos e oitenta e seis mil, cento e setenta e dois d61ares americanos); QUE a off-Shore também foi aberta por BERNARDO, não sabendo em qual pais, sendo que o saldo de tal conta também foi transferido posteriormente para outro banco suíço; QUE outra anotação em sua agenda comprova que, no dia 12/09/2012, o declarante mantinha na conta 2016780-40, no DEUTSCH BANK, o montante de US$ 5.783.072,00 (cinco milhões, setecentos e oitenta e três mil e setenta e dois dólares americanos), sem especificação do titular da conta, e sua pessoa física ou jurídica; QUE BERNARDO achava conveniente que de tempos em tempos, haver alguma mudança”, isto e, movimentar os recursos de uma conta para outra, para fins de segurança, no sentido de não deixar rastros que permitissem que autoridades identificassem os valores ilícitos mantidos no exterior; QUE nesse sentido, o declarante cita que as contas mantidas no HSBC, no JULIUS BEAR DEUTESCH BANK foram canceladas e os recursos transferidos para as contas atuais na Suíça mantidas nos Bancos (i) ROYAL BANK OF CANADA S.NROYCAN TRUST COMPANY S.A., (ii) BANQUE CRAMER & CIA S.A.; (iii) BANQUE PICTET & CIA S.A.; (iv) PKB PRIVATBANK S.A; QUE BERNARDO também tomava o cuidado de abrir as off-shores com o objetivo de despistar o rastreamento do numerário e sua vinculação ao declarante, dada a origem ilícita dos recursos; (…); QUE todo o numerário mantido no exterior permanecia Ia sem qualquer resgate parcial do declarante, isto é, o declarante não precisava do dinheiro para sua manutenção, e apenas o estava ocultando para uso futuro quando viesse a precisar; QUE desse modo, não houve nenhum fluxo de parte desses recursos saindo da Suíça para o Brasil; QUE BERNARDO cobrava um valor fixo, pagos pelo declarante mensalmente, mas que não se recorda quanta, para que aquele gerisse as contas; (…); QUE todos os depósitos nestas contas foram feitos pela construtora ODEBRECHT, no período de 2008 ou 2009 até 2013, com certeza; QUE acredita que possam ter havido depósitos também em 2014, mas não pode confirmar; QUE o declarante afirma que a construtora ODEBRECHT continuou a efetuar depósitos nas referidas contas no exterior após Abril do ano de 2012, ou seja, após sua saída do cargo de Diretor de Abastecimento da PETROBRAS; QUE tais depósitos continuaram a ser efetuados como forma de acertar valores de contratos firmados a época em que o declarante era Diretor de Abastecimento da PETROBRAS; Que tais depósitos efetuados pela ODEBRECHT não se inseriam no percentual que tal construtora repassava aos Partidos Políticos por intermédio de ALBERTO YOUSSEF, ou seja, não estavam inseridos no percentual de 1% recebidos pelo PP e de 2% recebidos pelo PT relativos aos contratos firmados no âmbito da Diretoria de Abastecimento com todas as empresas cartelizadas; QUE Rogério, da ODEBRECHT, sugeriu esse pagamento direto no exterior em favor do declarante, para manter a ‘política de bom relacionamento’ com o declarante, que a época ocupava o cargo de Diretor de Abastecimento na Petrobras; QUE a origem do numerário eram contratos firmados entre a ODEBRECHET e a PETROBRAS, sendo que acredita que provavelmente eram recursos das obras da RENEST e do COMPERJ; QUE como a ODEBRECHT possui também diversas obras no exterior, acredita que, provavelmente, os recursos depositados as contas da Suíça possam ser provenientes diretamente de contas mantidas pela construtora no exterior, não advindos do Brasil’ (termo de colaboração nº 38, processo 5065094-1620144047000)

Em depoimento posterior (evento 19 do processo 5002744-55.2015.404.7000), Paulo Costa esclareceu que parte da propina depositada nas contas Suíça pela Odebrecht decorreria de negociações envolvendo a Petrobrás e a Odebrecht na Brasken. Transcrevo trecho:

‘A Quattor teve vida curta, devido à crise. Com a crise e a Quattor quase falindo, a Diretoria e Conselho da Petrobrás resolveram fundir a Quattor (que era Petrobrás e Unipar), comprando a parte da Unipar na Quattor e colocando os ativos na Brasken. Hoje a Petrobrás tem 36% e a Odebrecht 38% da Brasken. Em cima do processo, teve negociação de fornecimento de matéria prima para a Brasken. Nesse processo, a Odebrecht pagou uma parte sobre a negociação do fornecimento de matéria prima para a Brasken, para que o depoente acelerasse o processo da compra da matéria prima. Ou seja, especificamente sobre o fornecimento de matéria prima é que foi pago a propina, via Bernardo, nas contas da Suíça.’

Os extratos das contas secretas de Paulo Roberto Costa já vieram da Suíça, em decorrência da quebra de sigilo bancário do processo 5031505-33.2014.404.7000 (decisão de 03/07/2014, evento 25, daquele processo) e do próprio acordo de colaboração.

Pela documentação das contas, verifica-se que, em várias das contas, Bernardo Freiburghaus figura como procurador (vg. Sygnus Assets e Quinus Service), o que corrobora este ponto do depoimento de Paulo Roberto Costa.

Oportuno destacar que Bernardo Freiburghaus também consta como procurador em contas mantidas na Suíça por Pedro Barusco (v.g. Canyon View Assets e Ibiko Consulting), o que indica o seu envolvimento e da Odebrecht no pagamento de propinas também para o ex-gerente executivo.

Referido operador, no curso das investigações e logo após a prisão cautelar de Paulo Roberto Costa, deixou o Brasil e refugiou-se na Suíça, sendo de se destacar que é nacional suíço, embora residisse de forma permanente no Brasil. Em 29/10/2014, apresentou declaração de saída definitiva do Brasil junto à Receita Federal.

A fuga do intermediador de propinas e de lavagem de dinheiro que prestava serviços para a Odebrecht prejudicou as investigações em relação a referida empreiteira.

Assim, além do depoimento do criminoso colaborador, da repatriação dos milhões de dólares constantes nas contas, há também prova material da existência das contas na Suíça controladas por Paulo Roberto Costa e dos depósitos nela efetuados, provenientes quase todos de contas off-shore por determinação, conforme declarado por ele, da Odebrecht. Entre esses depósitos, destaco os provenientes da Constructora Internacional Del Sur, off-shore constituída no Panamá e que serão, adiante, objeto de consideração específica.

Pedro Barusco, além de confirmar, como adiantado o esquema criminoso e declarar que a Odebrecht também pagou propina nos contratos para a construção de seis sondas para a Petrobras explorar o pré-sal por intermédio da Sete Brasil, revelou que recebeu pagamentos em contas na Suíça por parte da empreiteira. Rogério Araújo, da Odebrecht, seria o responsável específico pelos pagamentos. Oportuno parcial transcrição dos depoimentos constantes no processo 5075916-64.2014.404.7000:

‘QUE em meados de 2011, a PETROBRÁS lançou uma licitação para mais 21 (vinte e uma) sondas a serem construídas no Brasil; QUE para ofertar essas 21 sondas à PETROBRÁS, a SETEBRASIL negociou 21 (vinte e um) contratos de construção com vários estaleiros, isto é, ESTALEIRO RIO GRANDE, da construtora ENGEVIX, com o qual foram negociadas três sondas, o ESTALEIRO JURONG, com o qual foram negociadas seis sondas, o ESTALEIRO KEPEL FELS, de Angra dos Reis, com o qual foram negociadas seis sondas, e com o ESTALEIRO ENSEADA DO PARAGUAÇÚ, que pertence ao consórcio formado pela ODEBRECHT, OAS, UTC e KAWASAKI, foram negociadas mais seis sondas, totalizando vinte e um contratos posteriormente firmados entre a SETEBRASIL e os ESTALEIROS referidos; QUE o declarante esteve à frente desta etapa de negociações a fim de buscar preços competitivos com as sondas ofertadas no mercado asiático, pois isso era uma exigência da PETROBRAS; QUE foi o maior contrato de sondas do mundo inteiro de uma só vez;

(…)

Como eram muitas pessoas envolvidas e muitos estaleiros, para organizar o pagamento das propinas, foi estabelecido que as propinas destinadas a atender aos 2/3 de JOÃO VACCARI teriam sua origem nos contratos firmados entre a SETE BRASIL e o ESTALEIRO ATLÂNTICO SUL, o ESTALEIRO ENSEADA DO PARAGUASU, o ESTALEIRO RIO GRANDE e parte do ESTALEIRO KEPEL FELS; QUE para atender ao pagamento de propina referente ao 1/3 da ‘Casa 1′ e ‘Casa 2′ os recursos teriam sua origem nos contratos firmados entre a SETE BRASIL e outra parte do ESTALEIRO KEPELL FELS e ESTALEIRO JURONG; QUE afirma que cada ESTALEIRO tinha um representante ou operador que operacionalizava o pagamento das propinas; QUE no ESTALEIRO ATLÂNTICO SUL o operador era ILDEFONSO COLARES, no ESTALEIRO KEPELL FELS o operador era ZWI ZCORNIKY, no ESTALEIRO JURONG era GUILHERME ESTEVES DE JESUS, no ESTALEIRO ENSEADA DO PARAGUAÇÚ era ROGÉRIO ARAUJO, que representava a empresa ODEBRECHT, no consórcio firmado entre ela, a UTC, a OAS e a KAWASAKI, e no ESTALEIRO RIO GRANDE o operador era MILTON PASCOVICH;((…)’ (termo de colaboração nº 1)

‘QUE ao longo dos anos de 2005 a 2010, aproximadamente, o declarante e RENATO DUQUE receberam propinas em mais de 60 (sessenta) contratos firmados entre empresas ou consórcios de empresas e a PETROBRÁS; QUE o declarante afirma que quase tudo o que recebeu indevidamente a título de propina está devolvendo, em torno de US$ 97 milhões de dólares, sendo que gastou para si US$ 1 milhão de dólares em viagens e tratamentos médicos; QUE essa quantia foi recebida durante o período em que ocupou os cargos na PETROBRÁS de Gerente de Tecnologia, abaixo do Gerente Geral, na Diretoria de Exploração e Produção, em seguida, quando veio a ocupar o cargo de Gerente Executivo de Engenharia e, por final, quando ocupou o cargo de Diretor de Operações na empresa SETEBRASIL;

(…)

QUE o declarante afirma ter trabalhado para DUQUE como uma espécie de contador, recebendo grande parte da propina para si e para RENATO DUQUE no exterior, em contas mantidas em bancos suíços, como as contas RHEA COMERCIAL, PEXO CORPORATION, CANYON VIEW ASSETS, DAYDREAM e BACKSPIN, DOLETECH;’ (termo de colaboração nº 2)

‘QUE ROGÉRIO ARAÚJO era Diretor da ODEBRECHT e também atuava como operador no pagamento das propinas relacionadas a contratos firmados pela empresa, isoladamente ou em consórcio, junto à PETROBRAS; QUE o declarante mantinha contato direto com ROGÉRIO, pois o recebia com frequência por encontros de trabalhos e às vezes almoçava com ele, com quem também tinha amizade e inclusive já viajou com o mesmo; QUE a ODEBRECHT ‘era jogo duro’, pois não concordava com o pagamento de propinas em determinados contratos; QUE conforme a planilha do declarante ora anexada, a empresa firmou, isoladamente ou em consórcio, 9 (nove) contratos com a PETROBRÁS, sendo 5 (cinco) na Área de Gás e Energia, 1 (um) na Área de Exploração e Produção, 3 (três) na Área de Abastecimento, no valor aproximado total de R$ 8,6 bilhões de reais, no período de 2004 a 2010 ou 2011; QUE nesses contratos o declarante afirma que houve o pagamento de propinas, alguns contratos dentro da divisão que foi explicitada no Termo de Colaboração 03, mas com suas particularidades, conforme a planilha que ora apresenta, e outros contratos, embora houvesse o compromisso, não lembra como foi o pagamento e a divisão, pois não recebeu a propina; QUE indagado em quais contas recebeu as propinas da ODEBRECHT em seu nome e agindo em nome de DUQUE, foram na off-shore PEXO CORPORATION, no Panamá, de propriedade do declarante, provenientes da off-shore CONSTRUCTORA INTERNACIONAL DEL SUR SA, também situada no Panamá, e que sabe que foi utilizada pela ODEBRECHT para efetivar as transferências; QUE a ODEBRECHT transferiu US$ 916.697,00 mil dólares entre maio a setembro de 2009 para a conta CONTRUCTORA, conforme documento que apresenta;’ (termo de colaboração nº 4)

‘QUE abriu nova conta chamada PEXO CORPORATION em outubro de 2008, n. 509314, no banco SAFRA, que acumulou ativos de US$ 7.295.049,60 (sete milhões, duzentos e noventa e cinco mil e quarenta e nove dólares), sendo que em março de 2014 também tentou fechar a conta, enviando para o banco PKB, para a conta da IBIKO CONSULTING; QUE uma parte foi transferida e bloqueada no destino e outra parte foi bloqueada na origem; QUE nessa conta da PEXO conseguiu identificar o recebimento de US$ 1.000.000,00 (um milhão e dólares) depositados pela ODEBRECHT’.’ (termo de colaboração nº 7)

Segundo as informações do criminoso colaborador constantes em tabela por ele fornecida às autoridades (evento 6, out6), a Odebrecht teria pago propinas à Diretoria de Serviços e Engenharia nos seguintes contratos:

- juntamente com a Andrade Gutierrez e a Queiroz Galvão, na contratação para Terraplanagem do Comperj;

- juntamente com a Camargo Correa, Galvão Engenharia e Queiroz Galvão, na contratação da terraplanagem da Refinaria Abreu e Lima;

- na contratação da Revamp do Terminal de Cabiúnas;

- juntamente com a Techint, na contratação do Gasoduto Cabiúnas Reduc-Gasduc II, parte 1;

- juntamente com a OAS, na contratação da UHDT da Refinaria Abreu e Lima;

- juntamente com a Hotchief, na contratação do prédio sede da Petrobrás em Vitória/ES;

- juntamente com a UTC e a OAS, na contratação da Carteira de Coque e do HDT de Diesel da Refinaria Presidente Getúlio Vargas – REPAR;

- juntamente com a EBE, na contratação da Tocha (Ground Flare) de Cabiúnas;

- juntamente com a IESA e a EBE, na contratação da UPCGN de Cabiúnas; e

- juntamente com a UTC e a Queiroz Galvão, na contratação da UPCGN de Cabiúnas.

Encontram-se ainda disponíveis nos autos os comprovantes de depósitos efetuados na conta Pexo Corporation, controlada por Pedro Barusco, e que seriam provenientes de contas controladas pela Odebrecht (fls. 42-50 do aludido Relatório de Análise de Material nº 154, evento 1, anexo22). Como origem são apontadas contas off-shore da Constructora Internacional Del Sur.

Em conta de outra off-shore, controlada por Pedro Barusco, a Canyon View Assets no Royal Bank do Canadá, também identificado outro depósito, desta feita nele consignado que o responsável seria a própria Odebrecht (fls. 51 do aludido Relatório de Análise de Material nº 154, evento 1, anexo22). Adiante, os depósitos serão discriminados.

Então, também em relação a Pedro Barusco, além do depoimento dele e da repatriação dos milhões de dólares constantes nas contas que mantinha na Suíça, há também prova material da existência das contas na Suíça por ele controladas e dos depósitos nela efetuados, provenientes em parte da Odebrecht. Entre esses depósitos, destaco os provenientes da Constructora Internacional Del Sur, off-shore constituída no Panamá, e aquele no qual o próprio nome da Odebrecht está identificado e que serão, adiante, objeto de consideração específica.

Alberto Youssef, além de confirmar todo o esquema criminoso e a participação nele da Odebrecht (processo 5002400-74.2015.4.04.7000), declarou que a empreiteira realizou pagamentos de propina no exterior. Transcrevo alguns trechos de depoimentos:

‘QUE, com relação ao que consta do Anexo 46 – REPAR (UTC e ODE BRECHT), afirma que por volta do a no de 2005/2006 foi solicitado por JOSE JANENE que buscasse a verba de um comissionamento da empresa UTC, relativa a uma obra acertada’ na REPAR, a qual estava sendo executada por um consorcio formado pela UTC e pela ODEBRECHT; QUE, a obra foi de cerca de dez bilhões de reais, sendo que a parte da comissão devida pela UTC, acertada em dez milhões de reais foi paga em dez parcelas de um milhão de reais em espécie, sendo que algumas vezes o declarante foi até a sede da UTC na Rua Bela Cintra, em Silo Paulo outras o dinheiro foi entregue pelo funcionário EDNALDO da UTC no escritório do declarante junto a Av. São Gabriel; QUE, não sabe qual a posição de EDNALDO na empresa UTC; QUE, afirma não ter participado da negociação do pagamento dessa comissão, a qual foi tratada por RICARDO PESSOA, PAULO ROBERTO COSTA e por JOSE JANENE; QUE, coube ao declarante apensa recolhes o dinheiro e repassar’ a parte de PAULO ROBERTO COSTA, do Partido Progressista e de JOAO GENU, ficando cinco por cento da comissão para o declarante; QUE, nesse case em participar metade da comissão foi paga pela UTC e metade pela empresa ODEBRECHT; QUE,a parte da ODEBRECHT, também de cerca de dez milhões de reais, foi paga em dólares mediante deposito em uma conta de JOSE JANENE em um paraíso fiscal; QUE, não sabe onde essa conta esteja sediada e nem o banco, todavia ter conhecimento de que a mesma foi aberta em nome de RAFAEL ANGULO, sendo todavia movimentada por JOSE JANENE’ (termo de colaboração 46)

‘QUE, acerca do que consta do anexo 50, afirma que em relação ao detalhamento de todos os comissionamentos, afirma que apresar de já ter referido as comissões pagas pelas empreiteiras como contrapartida a celebração de contratos junto a PETROBRAS, apresenta nessa oportunidade uma planilha elaborada pelos seus advogados a partir do que recordava na oportunidade; QUE, a referida planilha que fará parte integrante desse termo refere pagamentos feitos pelas empreiteiras OAS, QUEIROZ GALVAO, THOME ENGENHARIA, TOYO SETAL, ENGEVIX, GALVAO ENGENHARIA, SERVENG, FIDENS ENGEN HARIA, CONSTRUCAP, MPE, ANDRADE GUTIERREZ, UTC, MENDES JUNIOR, CAMARGO CORREA, ODEBRECHT e UTC ENGENHARIA; QUE, os pagamentos de comissões feitos pelas mesmas o foram tanto em espécie, como por intermédio de contratos feitos junto a GFD, junto as empresas de WALDOMIRO DE OLIVEIRA (MO. RIGIDEZ e RCI) e mediante cobertura das empresas de LEONARDO MEIRELLES, dentre elas a KFC HIDROSSEMEADURA; QUE, foram feitos pagamentos no exterior junto as contas de LEONARDO MEIRELLES, em especial pela ODEBRECHT, podendo citar as contas das empresas RFY e DGX junto aos bancos Standards Chartered e HSBC em Hong Kong’ (termo de colaboração nº 50)

Esclareça-se que Leonardo Meirelles responde perante este Juízo na ação penal 5025699-17.2014.404.7000 e já foi condenado por lavagem de dinheiro na ação penal 5026212-82.2014.404.7000. Confessou em ambas que seria uma espécie de operador do mercado negro de câmbio e que teria prestado serviços a Alberto Youssef, inclusive a ele disponibilizando contas no exterior para recebimento de depósitos de terceiros.

Em termo de depoimento mais recente, de 24/03/2015 (evento 1, anexo6), Alberto Youssef detalhou os pagamentos de propina efetuados pela Odebrecht. Declarou, em síntese, que a Odebrecht efetuava os pagamentos em contas no exterior que eram controladas por Leonardo Meirelles. Teria tratado do assunto com Márcio Faria e com Cesar Ramos Rocha (Diretor Financeiro da Odebrecht). Identificou nos extratos das contas em nome da off-shore RFY Imp. Exp. Ltd. na agência do Standard Chartered Bank, em Hong Kong, os seguintes pagamentos que seriam provenientes de propinas da Odebrecht:

‘esclarece que os pagamentos datados de 23/09/2011 (699.998,05), 16/09/2011 (499.998,05), 03/10/2011 (349.978,00), 28/10/2011 (179.998,05), 31/10/2011 (299.998,05), 23/12/2011 (473.998,05), 01/04/2012 (1.499.995,10) e 18/05/2012 (299.955,80), valores em USD, tratam-se de pagamentos realizados pelo Grupo Odebrecht no exterior; que tais valores correspondem a uma acordo para pagamento de 7,5 milhões de reais, a ser pagos no exterior pela Odebrecht; que o declarante conheceu Mário Faria (sic, Márcio Faria), Presidente da Odebrecht Óleo e Gás, que, por sua vez, lhe encaminhou para a pessoa de Cesar Rocha (Diretor Financeiro da Holding) para tratar dos pagamentos da Odebrecht; que Cesar Rocha era conhecido por Naruto, apelido utilizado pelo mesmo no BBM; que os valores fazem parte de um pacote de pagamentos da Odebrecht relacionados às obras do RNEST e do Comperj; (…) que, com relação à sistemática de pagamentos da conta da RFY, era feito um cronograma onde parte era pago em reais no Brasil, diretamente ao declarante, e parte em dólares no exterior; que também foram realizados pagamentos em outras contas, como por exemplo a DGX, Elite Day, bem como contas de outras operadores como Nelma Penasso, Carlos Rocha, etc; que não se recorda quais foram as contas remetentes dos valores pagos na conta de Leonardo cujo extrato é anexo ao presente termo; que ser recorda da empresa Constructora Del Sur em razão de problemas em um dos recebimentos de Leonardo Meirelles, quando foi informado pelo próprio Cesar Rocha que se tratava de pagamentos do grupo Odebrecht; que os contatos com Naruto eram apenas por BBM, e apenas para agendar encontros pessoais; que somente iam até o escritório do declarante emissários da empresa que retiravam/entregavam valores; (…)’

Os extratos aos quais Alberto Youssef se refere podem ser visualizados nas fls. 62-75 do Relatório de Análise de Material nº 154 (evento1, anexo 22).

Então também quanto à parte dos depósitos recebidos no exterior por Alberto Youssef da Odebrecht, há não só o depoimento do criminoso colaborador, mas também prova documental.

Relativamente à Renato Duque, como adiantado, cerca de vinte milhões de euros foram recentemente bloqueados em contas secretas mantidas por Renato Duque no Principado de Mônaco (5012012-36.2015.4.04.7000). A documentação relativa a essas contas já veio do exterior, estando juntada no processo 5004367-57.2015.4.04.7000 (evento 21). Entre os depósitos efetuados, destaco dois provenientes da já referida Constructora Internacional Der Sur na conta da off-shore Milzart Overseas controlada por Renato Duque e que serão adiante detalhados.

A respeito desses depósitos no exterior, foi elaborado, pela Polícia Federal, o Laudo 0777/2015 (evento 1, anexo10, fls. 27-28).

Ali apontados depósitos efetuados entre 03/04/2009 a 30/09/2013, no total de USD 7.582.046,15, em contas no exterior de Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco, Renato Duque e Alberto Youssef e que foram atribuídos à Odebrecht.

Ressalve-se que o laudo não é completo, uma vez que Paulo Roberto Costa, por exemplo, declarou que quase todos os depósitos efetuados em suas contas na Suíça seriam provenientes da Odebrecht e não apenas aqueles identificados no laudo. Da mesma forma, Pedro Barusco declarou que Bernardo Freiburghaus abriu para ele contas que foram utilizadas para repasse de propina da Odebrecht.

Preferiu-se, porém, quanto às contas de Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, consignar, no laudo, apenas os depósitos provenientes da Constructora Internacional Del Sur.

Como consta na tabela de fl. 10, foram identificados os seguintes depósitos da Constructora Del Sur nas contas da off-shore Quinus Services controlada por Paulo Roberto Costa:

[...]

Na mesma tabela, foram identificados os seguintes depósitos da Constructora Del Sur na conta da off-shore Pexo Corporation controlada por Pedro Barusco:

[...]

No mesmo laudo, foram identificados os seguintes depósitos da Constructora Del Sur nas contas da off-shore Milzart Overseas controlada por Renato Duque:

[...]

A constatação de que a Constructora Internacional Del Sur efetuou depósitos nas contas off-shore de, pelo menos, três dirigentes da Petrobras, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Renato Duque, permite concluir por sua ligação com o esquema criminoso de cartel e propinas que afetou a Petrobras.

Três criminosos colaboradores, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Alberto Youssef, por outro lado, em depoimentos prestados em separado e em momentos distintos, relacionaram esses depósitos da Constructora Internacional Del Sur à Odebrecht.

Trata-se de prova significativa de que a Odebrecht é de fato responsável por esses depósitos e pela movimentação das contas da Constructora Internacional Del Sur.

Agregue-se que junto deles, há pelo menos um comprovante de depósito de USD 300.000,00 em 30/09/2013 na conta da off-shore Canyon View Assets S/A controlada por Pedro Barusco e no qual consta expresso o nome da Odebrecht como responsável pela transação (fls. 51 do aludido Relatório de Análise de Material nº 154, evento 1, anexo22).

Apesar das dificuldades da colheita dos documentos constitutivos da Constructora Internacional Del Sur, já que situada no Panamá, conhecido paraíso fiscal, a Polícia Federal, em pesquisas em fontes abertas na rede mundial de computadores logrou algumas informações relevantes, como sua ligação com o escritório de advogados Patton, Moreno & Asvat, do Panamá, que foi igualmente contratado pela Odebrecht Óleo e Gás para emissão de títulos de renda para captação de recursos para a perfuração offshore da empreiteira. Chama ainda a atenção o fato da empresa Constructora Del Sur ter sido dissolvida em 25/08/2014, já no curso das investigações relativas à Operação Lavajato. As informações colhidas pela Polícia Federal encontram-se nas fls. 76-86 do Relatório de Análise de Material nº 154, evento 1, anexo22.

Além desses elementos probatórios, cumpre destacar pontualmente outros que, embora não relacionados diretamente ao pagamento de propinas, corroboram os depoimentos dos criminosos colaboradores quanto as suas ligações com a Odebrecht ou acerca do envolvimento desta na prática de crimes relacionada à Petrobrás.

Na fase inicial da investigação, houve interceptação telemática de Alberto Youssef, especialmente de mensagens enviadas pelo Blackberry Messenger.

No relatório de título ‘Informação nº 87/2014/Delefin’ da Polícia Federal (evento 1, anexo26), consta análise dos contatos efetuados por Alberto Youssef através do Blackberry Messenger, sendo ali identificados contatos, através do aparelho, com Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, então Diretor da Petrobrás. Alexandrino utilizava o PIN number 26c0533d, vinculado ao telefone 11 99355-0878, e ao endereço eletrônico alexandrino@odebrecht.com (fls. 4 e 22-23 do relatório). Consta também nas fls. 93-95 do Relatório de Análise de Material nº 154, evento 1, anexo22, a reprodução de mensagens que revela a proximidade entre ambos. Segundo depoimento de Alberto Youssef (termo de colaboração de nº 16, processo 5002400-74.2015.4.04.7000), Alexandrino teria negociado as propinas no caso Odebrecht/Braskem com ele e com Paulo Roberto Costa. Transcrevo trecho:

‘QUE para a cesta de produtos que a BRASKEM comprava há muito tempo, a PETROBRAS praticava preços diferentes para o mercado interno e o internacional; QUE o preço da cesta no mercado internacional era bastante inferior ao praticado no mercado interno; QUE nesse sentido, com o intuito de se favorecer na aquisição de produtos da PETROBRAS com preço inferior ao praticado no mercado interne, a BRASKEM, inicialmente por intermédio de ALEXANDRINO, funcionário do alto escalão de empresa, procurou JOSE JANENE, e este, por sua vez, juntamente com PAULO ROBERTO COSTA, negociaram que o valor da cesta fosse similar ao praticado no mercado internacional, em contrapartida ao pagamento de vantagem indevida pela BRASKEM anualmente, em média US$ 5 milhões de dólares, dos quais 30% eram destinados a PAULO ROBERTO COSTA e o restante ao PARTIDO PROGRESSISTA;’ (reproduzido nas fls. 95-96 do Relatório de Análise de Material nº 154, evento 1, anexo22)

No relatório policial de título ‘Informação 018/2015/Delefin’ (evento 1, anexo20), consta a identificação de outro executivo da Odebrecht que mantinha contato com Alberto Youssef. Como apontado acima em depoimento de Alberto Youssef, este afirmou que Cesar Ramos Rocha, Diretor Financeiro da Odebrecht, tratava do pagamento das propinas no exterior e que referida pessoa tinha o apelido de ‘Naruto’. No relatório dos contatos de Alberto Youssef no Blackberry Messenger foi de fato identificado um ‘Naruto’, que utilizava o PIN number 28644958 e se encontra vinculado ao telefone 11 96191-0293 e ao endereço eletrônico cesarrocha@odebrecht.com (fl. 17 do relatório).

Tais provas corroboram materialmente o depoimento de Alberto Youssef em relação aos seus afirmados contatos com executivos da Odebrecht.

Do material apreendido na sede da Odebrecht quando das buscas autorizadas pela decisão judicial de 10/11/2014 (evento 10 do processo 5073475-13.2014.404.7000), chama a atenção a identificação de mensagem eletrônica enviada por Roberto Prisco Ramos (da Braskem) a executivos da Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, Fernando Barbosa, Marcio Faria da Silva e Rogério Araújo, no qual se faz referência à colocação de um sobrepreço de ordem de vinte a vinte e cinco mil dólares por dia no contrato de operação de sondas, o que remete aos contratos da empresa com a Petrobrás (fl. 10 do laudo 0777/2015, evento 1, anexo10). Reproduzo:

‘De: ROBERTO PRISCO P RAMOS braskem.com.br
Para: Marcelo Bahia Odebrecht; Fernando Barbosa; Marcio Faria da Silva; Rogerio Araujo
Enviada em: Mon Mar 21 19:01:54 2011

Assunto: RES: RES: sondas

Falei com o André em um sobre-preço no contrato de operação da ordem de $20-25000/dia (por sonda).
Acho que temos que pensar bem em como envolver a UTC e OAS, para que eles não venham a se tornar futuros concorrentes na área de afretamento e operação de sondas.
Já temos muitos brasileiros ‘aventureiros’ neste assunto (Schahim, Etesco…).
Internamente, eu posso transferir resultado da OOG para a CNO, mas não posso fazê-lo para as outras duas; isto teria que ir dentro do mecanismo de distribuição de resultados dentro do consórcio.Meu ponto é que ele não pode ser proporcional as participações atuais, porque, sem a OOG, a equação não fecha e quem trás a OOG é a CNO.
Em tempo: falei ao André, respondendo a pergunta dele, que o desenvolvimento do Operador tem que ser desde o inicio, para participar da escolha dos componentes, acompanhar a construção das Unidades, definir níveis de spare parts e, principalmente, preparar os testes e comissionamento. Ele pareceu entender.’

Embora o fato necessite ser investigado mais profundamente, essa mensagem eletrônica também corrobora as declarações dos criminosos colaboradores quanto à prática de crimes na relação entre a Odebrecht e a Petrobrás.

Com base em todos elementos, ressalvando que aqui não se fez análise exaustiva da prova, mas apenas exame em cognição sumária, forçoso concluir pela presença também de prova suficiente do pagamento de propina pela Odebrecht a dirigentes da Petrobrás, principalmente através de contas no exterior. [...]‘..

3.2. Com efeito, ao menos em juízo preliminar, comum às tutelas emergenciais, não vejo motivos para interferir liminarmente na compreensão registrada pela autoridade coatora. Recorrendo a um breve histórico da ‘Operação Lava-Jato’, em dado momento, foi identificado o envolvimento de Alberto Youssef com possíveis atos de lavagem de dinheiro provenientes de obras contratadas pela Petrobras. Descortinou-se um milionário esquema de corrupção envolvendo, ao menos em juízo preliminar, grandes empreiteiras nacionais.

Tais empresas teriam formado um cartel, através do qual, por ajuste prévio, teriam sistematicamente frustrado as licitações da Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras para a contratação de grandes obras entre os anos de 2006 a 2014. O grupo chamou a atenção pela organização, contando inclusive com estatuto em linguagem cifrada, algo que foge da normalidade de organizações criminosas.

As empresas do chamado ‘Clube’ ajustavam os preços dos contratos e os dividiam de modo organizados, burlando qualquer possibilidade real de concorrência das obras da Estatal. Para tanto, contavam com a ‘cobertura’ de empregados de alto escalão, como os Diretores Paulo Roberto Costa, Renato de Souza Duque e Pedro José Barusco Filho.

Estão presos alguns dos líderes do esquema criminoso instalado no seio da Petrobras. Embora sejam muitos os envolvidos, alguns soltos e outros presos, a cessação das atividades ilícitas somente ocorrerá com a segregação dos principais atores. Eventual soltura permitirá a reorganização das atividades ilícitas, que foram praticadas até mesmo durante o ano de 2014, quando a ‘Operação Lava-Jato’ já estava em curso, inclusive com a prisão de alguns dos líderes. O papel de proeminência dentro do grupo criminoso tem sido um dos critérios adotados pelo juízo da origem, o qual merece ser privilegiado por esta Corte Regional.

3.3. Não se trata, portanto, de prisão para confissão ou delação, como querem fazer crer alguns, tampouco de juízo arbitrário ou seletivo. Há critérios para a decretação das prisões, os quais se fundam na garantia da ordem pública. Há delatores presos e não delatores em liberdade. Bom exemplo disso é o investigado e réu Ricardo Pessoa que, após a obtenção da liberdade provisória, decidiu, por iniciativa própria, celebrar acordo de delação premiada, recentemente homologado pelo Supremo Tribunal Federal.

A cadeia delitiva se completaria com a participação de operadores ou intermediários de propinas e responsáveis pela lavagem do dinheiro ilícito. Pois bem, neste contexto encontra-se o paciente apontado como Presidente da Construtora Norberto Odebrecht, sabedor e participante do esquema criminoso nos contratos da Petrobras. Consta na decisão recorrida:

Do material apreendido na sede da Odebrecht quando das buscas autorizadas pela decisão judicial de 10/11/2014 (evento 10 do processo 5073475-13.2014.404.7000), chama a atenção a identificação de mensagem eletrônica enviada por Roberto Prisco Ramos (da Braskem) a executivos da Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, Fernando Barbosa, Marcio Faria da Silva e Rogério Araújo, no qual se faz referência à colocação de um sobrepreço de ordem de vinte a vinte e cinco mil dólares por dia no contrato de operação de sondas, o que remete aos contratos da empresa com a Petrobrás (fl. 10 do laudo 0777/2015, evento 1, anexo10). Reproduzo:

‘De: ROBERTO PRISCO P RAMOS

Para: Marcelo Bahia Odebrecht; Fernando Barbosa; Marcio Faria da Silva; Rogerio Araujo
Enviada em: Mon Mar 21 19:01:54 2011
Assunto: RES: RES: sondas

Falei com o André em um sobre-preço no contrato de operação da ordem de $20-25000/dia (por sonda).
Acho que temos que pensar bem em como envolver a UTC e OAS, para que eles não venham a se tornar futuros concorrentes na área de afretamento e operação de sondas.
Já temos muitos brasileiros ‘aventureiros’ neste assunto (Schahim, Etesco…).
Internamente, eu posso transferir resultado da OOG para a CNO, mas não posso fazê-lo para as outras duas; isto teria que ir dentro do mecanismo de distribuição de resultados dentro do consórcio. Meu ponto é que ele não pode ser proporcional as participações atuais, porque, sem a OOG, a equação não fecha e quem trás a OOG é a CNO.
Em tempo: falei ao André, respondendo a pergunta dele, que o desenvolvimento do Operador tem que ser desde o inicio, para participar da escolha dos componentes, acompanhar a construção das Unidades, definir níveis de spare parts e, principalmente, preparar os testes e comissionamento. Ele pareceu entender.’

Embora o fato necessite ser investigado mais profundamente, essa mensagem eletrônica também corrobora as declarações dos criminosos colaboradores quanto à prática de crimes na relação entre a Odebrecht e a Petrobrás.

Na promoção ministerial pela decretação da prisão preventiva do paciente, a sua participação no ilícito foi assim delineada:

‘- Presidente da Odebrecht S.A, diretor da Construtora Norberto Odebrecht S.A, Conselheiro da EAO – Empreendimentos Agropecuários e Obras S.A, sócio-administrador da EAO Patrimonial Ltda, Diretor da Odebrecht Engenharia e Construção Participações LTDA, Presidente da ETH Investimentos S.A, presidente da ODBINV S.A e Conselheiro da BRASKEN.

- Trocou mensagens com funcionários da Odebrecht, dentre eles ROBERTO PRISCO PARAISO RAMOS, referente à contratação das sondas e a possibilidade de sobrepreço (Ev. 1, REPRESENTACAO_BUSCA1). Tais mensagens demonstram que MARCELO BAHIA ODEBRECHT participava ativamente da situação e tinha controle efetivo das ações envolvendo o cartel e o pagamento de vantagens indevidas aos agentes públicos’.

3.4. Desnecessário aqui transcrever, na íntegra, os depoimentos e todas as provas que levaram à investigação ao paciente. Eles já estão indicados nos autos e reproduzidos na decisão ora atacada. Vale anotar, por oportuno, que não há somente os depoimentos dos delatores que reforçam os indícios de participação de Marcelo Bahia Odebrecht no esquema criminoso, mas outros elementos de convicção. Nessa linha, cabe referir que o fato de ser Presidente da Holding Odebrecht é indiciária de que, ocupando cargo de tamanha importância, tivesse ciência dos fatos ilícitos que vinham ocorrendo na empresa.

Não se quer aqui pretender que o principal responsável pela empresa denunciasse seus subordinados às autoridades policiais, ainda que tal comportamento não destoasse da reação do homem comum. Porém, não se pode permitir que tal assertiva sirva de justificativa para que os envolvidos se furtem à aplicação da lei, sob pena de consagrar a omissão dolosa, como aquele agente que, intencionalmente, omite-se e acaba por anuir com a conduta delitiva.

Tais conclusões, registre-se, não se aproximam de uma eventual e odiosa responsabilidade criminal objetiva, à margem do processo penal e das provas acostadas aos autos.

Se é certo que a simples posição de presidente da Construtora Odebrecht, da qual teria se afastado em 2010, não faz do paciente criminalmente responsável, também é certo, em contraposição, que o simples afastamento da direção da Construtora Odebrecht e, posteriormente, assunção à presidência da holding, não o desonera da responsabilidade penal.

3.5. Há que se fazer o adequado cotejo dos elementos probatórios. O modus operandi utilizado pelos representantes do grupo foi relatado por Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, ex-servidores da Petrobras, e, ainda, pelo intermediador Alberto Youssef, um dos encarregados de branquear os ativos ilicitamente obtidos.

A Construtora Norberto Odebrecht consta na lista das empresas que integravam o chamado ‘Clube’, responsável pela divisão dos contratos firmados pela Petrobras. Efetivamente firmou inúmeros contratos, como a licitação para a implantação da unidade U-61000 no COMPERJ, vencida pelo consórcio formado por Odebrecht, UTC, e Mendes Junior.

A referência é apenas exemplificativa. Muitos são os fatos referentes a corrupção praticadas no seio da empresa que estão sendo objeto de investigação, em várias obras e atividades relacionadas à Petrobrás e a Sete Brasil. Vários são os depoimentos dando conta que as diversas empresas do grupo Odebrecht promovia o pagamento de propinas, no Brasil e no exterior.

Assim, neste momento processual, parece haver consideráveis elementos probatórios quanto a ocorrência de ilícitos perpetrados pela empresa.

Paulo Roberto Costa declarou que todos os valores recebidos nas offshores suíças seriam provenientes da Odebrecht. A propina teria sido paga por Rogério Araújo e intermediada por Bernardo Schiller Freiburghaus, cidadão suíço, que exerceria função semelhante àquela desempenhada por Alberto Youssef. O delator esclareceu que parte da propina depositada nas contas Suíça pela Odebrecht decorreria de negociações envolvendo a Petrobrás e a Odebrecht na Brasken.

Os extratos das contas bancárias de Paulo Roberto Costa na Suíça apontam que Bernardo aparece como seu procurador, do mesmo modo que representa os interesses de Pedro Barusco naquele país.

Entre os depósitos efetuados, destacam-se os provenientes da Constructora Internacional Del Sur, offshore constituída no Panamá, reconhecido paraíso fiscal. Em conta de outraoffshore, controlada por Pedro Barusco, a Canyon View Assets no Royal Bank do Canadá, também identificado outro depósito, desta feita nele consignado que o responsável seria a própria Odebrecht (fls. 51 do aludido Relatório de Análise de Material nº 154, evento 1, anexo22).

O relato é de Pedro Barusco.

3.6. As declarações de Alberto Youssef seguem no mesmo sentido, apontando o pagamento de propina no exterior pela Construtora Odebrecht. Em recente depoimento, Youssef detalhou os pagamentos: ‘Declarou, em síntese, que a Odebrecht efetuava os pagamentos em contas no exterior que eram controladas por Leonardo Meirelles. Teria tratado do assunto com Márcio Faria e com Cesar Ramos Rocha (Diretor Financeiro da Odebrecht). Identificou nos extratos das contas em nome da off-shore RFY Imp. Exp. Ltd. na agência do Standard Chartered Bank, em Hong Kong…’, todos eles provenientes de propinas da Odebrecht.

Na conta da offshore Quinus, controlada por Paulo Roberto Costa, foram identificados 5 depósitos que ultrapassam USD 1 milhão. Na conta Pexo Corporation, controlada por Pedro Barusco, 8 depósitos, totalizando aproximadamente USD 700 mil. Ainda, depósitos na conta Milzart Overseas, controlada por Renato Duque, mais de USD 800 mil.

Todos os depósitos acima relacionados foram realizados pela Constructora Del Sur.

3.7. Os depoimentos, embora de delatores, são válidos e não podem ser desmerecidos, especialmente quando subsidiados com outros elementos prova. É certo que a verdade sobre os fatos somente poderá ser desvendada após a tramitação da ação penal, com análise de toda a prova e possibilidade de contraditório pelos acusados. Além disso, os depoimentos não estão isolados, uma vez que muitos fatos relatados foram comprovados na investigação policial, o que reforça a credibilidade dos depoimentos.

Além disso, para que não paire dúvida no tocante à legitimidade das delações, Gerson de Mello Almada, dirigente da Engevix, mesmo sem acordo de colaboração, confessou os fatos a ele imputados e detalhou a existência do referido ‘Clube’ de empreiteiras, confirmando que a Odebrecht e Andrade Gutierrez faziam parte do esquema, representadas por Márcio Faria e Elton Negrão.

Também Dalton dos Santos Avancini, representante da Camargo Côrrea, confirmou que a Odebrecht e a Andrade Gutierrez participavam do cartel, citando especificamente Márcio Faria e Elton Negrão, respectivamente. Foi além, revelando mensagens que tinham por finalidade a realização de uma reunião com a presença de Elton Negrão.

3.8. Tenho entendido, e tal entendimento vem sendo frequentemente corroborado pela 8ª Turma, que ‘em grupo criminoso complexo e de grandes dimensões, a prisão cautelar deve ser reservada aos investigados que, pelos indícios colhidos, possuem o domínio do fato – como os representantes das empresas envolvidas no esquema de cartelização – ou que exercem papel importante na engrenagem criminosa’ (nesse sentido, exemplificativamente, HC nº 5013531-94.2015.404.0000/PR).

É este o caso dos autos.

Na Odebrecht, os principais executivos envolvidos seriam Rogério Santos de Araújo, Márcio Faria da Silva, Cesar Ramos Rocha, Alexandrino de Salles Ramos de Alencar eMarcelo Bahia Odebrecht. Márcio Faria da Silva aparece como Diretor da Construtora Odebrecht e operador no pagamento de propinas relacionadas a contratos firmados pela empresa, isoladamente ou em consórcio, com a Petrobras.

Como Presidente do grupo Odebrecht, o paciente teria plena ciência do que ocorria no âmbito de contratações da Petrobras. O conjunto probatório indica que não somente anuiu com a conduta ilícita como também dela se beneficiou. A participação do grupo empresarial no esquema de cartelização de licitações, resultava no superfaturamento de contratos e pagamento de propinas a agentes públicos

Ainda que os elementos de prova da autoria dos fatos pelo paciente possam ser aprofundados, entendo que o corpo de prova existente permite concluir pela sua ciência e anuência com os negócios ilícitos. Digo isto porque não é crível, consoante aquilo que ocorre ordinariamente no mundo dos negócios, que o Presidente e sócio da empresa não conhecesse fatos dessa envergadura e que implicasse na movimentação de cifras astronômicas. Se é certo que nem sempre aos administradores tem conhecimento de fatos menores praticados no seio de um gigantesco conglomerado, igualmente é certo que contratos de tão elevado valor, com implicações de diversas ordens e movimentação financeira na casa de centenas de milhões de reais não podem passar desapercebidos por qualquer gestor. E pior, se isto ocorresse, o mais natural seria a adoção de medidas de investigação interna e adoção de políticas para correção de rumos, inclusive com a punição dos responsáveis. Parece que isso não ocorreu ao longo dos tempos. Nem nos idos de 2010, nem recentemente.

E, mais grave, há pelo menos um elemento de prova concreta da ciência do paciente quanto aos irregularidade, como destacado na decisão impugnada.

De qualquer sorte, a inicial do presente habeas corpus é bastante densa, fazendo alusão a inúmeras teses, muitas delas sequer submetidas ao juízo de primeiro grau, o que torna duvidoso o seu conhecimento diretamente pelo Tribunal, como se juízo ordinário fosse.

De todo modo, sobre alguns pontos é possível tecer algumas considerações neste momento.

3.9. Sustenta a defesa, como principal razão de pedir, que o paciente, como presidente da holding encontrava-se distante dos fatos, não havendo prova de que conhecia ou anuía com o esquema criminoso.

Pois bem, antes de prosseguir, vale lembrar que o deferimento de medida liminar em habeas corpus deve ser utilizado com relativa cautela, sob pena de se desautorizar o juízo de primeiro grau, justamente aquele que está próximo dos fatos e acompanhando as investigações em tempo real desde a sua origem.

Nessa exata linha de conta, a intervenção excepcional do juízo recursal pressupõe a existência de prova acostada à inicial com aptidão mínima de alterar a compreensão dos fatos. E, neste ponto, a impetração carece de melhor documentação, resumindo-se a inicial, à Ata de Assembléia Geral da Construtora Norberto Odebrecht (Anexo 2) e a notícias de portais da internet a respeito dos novos pacotes de concessão (Anexo 3).

Mesmo com a facilidade do processo eletrônico, não é atribuição do juízo recursal buscar nos processos relacionados no primeiro grau, os elementos que corroborem a tese defensiva. Tal impossibilidade ganha maior obstáculo quando se está diante de gigantesca investigação e de pedido de quebra de sigilo guarnecido por dezenas de anexos que reúnem milhares de páginas de documentos.

São muitos os fatos alegados pela parte, mas os anexos juntados permitem apenas verificar que o paciente teria deixado a administração de uma empresa do grupo no ano de 2010, não esclarecendo, porém, se deixou de participar de toda e qualquer atividade do conglomerado ou apenas de uma das subsidiárias da holding.

Como tenho afirmado em outras oportunidades, não se está a tratar de caso isolado, mas de operação de dimensões inimagináveis, onde documentos, informações, depoimentos, computadores, agendas, entre tantos outros elementos, são apreendidos e precisam ser examinados, o que necessariamente demanda tempo e técnica para cruzamento de dados.

Este o motivo pelo qual nem toda apreensão resulta em imediata providência policial ou judicial. Por isso, no ponto e neste momento, as razões de pedir transparecem fragilidade. Malgrado as informações trazidas pela parte autora, o fato é que este dado não se acha perfeitamente esclarecido a partir dos anexos com a inicial, descabendo a este julgador investir sobre sobre os milhares de eventos existentes no processo original para verificar a veracidade, ou não, da tese do impetrante.

A par disso, nos limites do permitido em cognição sumária e em nome da efetividade da jurisdição, busquei examinar os anexos que acompanham as promoções policial e ministerial, com fito a fazer o contraponto entre os fundamentos do decreto prisional e o pedido vertido com a inicial.

Após tal exame, permito-me concluir que as alegações da defesa não desmerecem as conclusões lançadas na decisão hostilizada.

Veja-se, por exemplo, que, nada obstante o paciente Marcelo Bahia Odebrecht ter se desligado da Construtora Odebrecht (Ata – Anexo 1 da inicial), em fevereiro de 2010, as mensagens eletrônicas juntadas no Anexo 11 do Pedido de Busca e Apreensão nº 5024251-72.2015.404.7000 (evento 1) datam de março de 2011, posteriores, portanto, ao seu desligamento.

Ou seja, mesmo afastado da direção da construtora, Marcelo Bahia Odebrecht permaneceria atuando e comandando negociações de contratos com a Petrobras.

Vale anotar que a primeira mensagem da sequência que desencadeou a discussão acerca de eventual sobrepreço sobre o contrato de fretamento de sondas, foi enviada justamente pelo paciente, tendo como destinatários Rogério Araújo, Márcio Faria da Silva, Roberto Prisco Ramos (Braskem) e Fernando Barbosa. Na continuidade, outras mensagens foram trocadas pelos mesmos personagens, o que revela sim a ciência do paciente, contrariamente ao alegado na inicial.

No tocante ao conceito de sobrepreço, também não prospera a pretensão da defesa.

Em primeiro lugar, realmente estivessem a tratar de um termo técnico característico dos contratos de fretamento de sondas, seria imprescindível que o habeas corpus fosse guarnecido com documentação de caráter induvidoso que comprovasse a assertiva. Como já antecipado, de tal ônus a defesa não se desincumbiu.

O que se tem, aqui, são informações parciais que, no máximo, permitem uma interpretação exclusiva a partir de seu próprio conteúdo, mas certamente descompassada de todo o contexto da ‘Operação Lava-Jato’. E, nesse ponto, até que se contextualize os fatos, sobrepreço não pode significar coisa diversa que não a sua literalidade.

Em segundo, um rápido exame da documentação que integra a representação policial, mais especificamente o Anexo 7, percebe-se, no Termo de Declaração de Dalton Avancini, clara associação do termo sobrepreço aos custos extracontratuais destinados a pagamento de propinas a agentes públicos.

Em terceiro, mas não menos importante, parece inapropriado no âmbito do habeas corpus aprofundar a discussão a respeito do tema. Certamente no curso da ação penal, foro adequado para tanto, eventuais as dúvidas serão sanadas e oportunizada à defesa fazer prova exaustiva de suas alegações.

Assim, havendo prova de materialidade e indícios suficientes de autoria, justifica-se a prisão preventiva do paciente.

3.10. De resto, matérias não abrangidas no decreto de prisão e que podem, em tese, redundar na reconsideração da decisão, devem ser tratadas no juízo de origem. Mais do que aspecto formal da impetração, não parece adequado que o Tribunal manifeste-se sobre questões importantes somente trazidas ao conhecimento do Judiciário perante o segundo grau, sob pena de supressão de instância. Neste sentido:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PREVENÇÃO. QUESTÃO SUPERADA. MATÉRIA NÃO DISCUTIDA EM PRIMEIRO GRAU. DESCABIMENTO DO WRIT. ILEGITIMIDADE. INVESTIGADO QUE NÃO FOI OBJETO DO MONITORAMENTO DISCUTIDO. COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. 1. Descabe a utilização do habeas corpus para tratar de matéria pendente de julgamento ou que sequer foi ventilada perante o juízo de primeiro grau, sob pena desaconselhável supressão de instância. 2. Não pode o Tribunal atuar como juízo ordinário, extrapolando os limites da sua jurisdição e da estreita via do habeas corpus, sob pena de subverter a lógica do sistema processual penal. Hipótese em que não inaugurada a jurisdição do Tribunal. (…) 4. Habeas corpus não conhecido. (TRF4, HABEAS CORPUS Nº 5023642-74.2014.404.0000, 8ª TURMA, Juiz Federal DANILO PEREIRA JÚNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 04/11/2014).

HABEAS CORPUS. REVOGAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE ANTERIOR PEDIDO DE LIBERDADE NA ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ULTERIOR POSTULAÇÃO DEFENSIVA AINDA PENDENTE DE EXAME. PROVOCAÇÃO SIMULTÂNEA DE DOIS GRAUS JURISDICIONAIS. NÃO CONHECIMENTO. 1. Em prol da racionalização do uso desta via angusta, para que a impetração possa ser conhecida neste grau jurisdicional, há a necessidade de o juízo natural do feito ter sido provocado previamente acerca do pedido de reforma do ato prisional decretado apenas com os elementos trazidos ao IPL pelo órgão investigador e pelo agente acusatório, sem o contraditório iniciado pela defesa. 2. Não é admissível antecipar-se o Colegiado, deliberando acerca do que deve ser inicialmente submetido e decidido pelo magistrado primevo, a quem sempre é possível o exercício do juízo de retratação (ou reconsideração) em posse das informações e documentação defensivas, sob pena de subversão da lógica processual e inviável supressão de instância. 3. Sobrevindo postulação defensiva na origem, deve ser aguardado o pronunciamento do juízo singular para, somente após e se necessário, buscar a defesa a reversão do quanto decidido no grau jurisdicional superior, até porque inadmissível a provocação simultânea de duas instâncias. 4. Habeas corpus não conhecido. (TRF4, HABEAS CORPUS Nº 5009373-93.2015.404.0000/RS, 8ª TURMA, Relator para Acórdão Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, JUNTADO AOS AUTOS EM 09/04/2015).

A jurisprudência tem com acerto admite a segregação cautelar como forma de preservação da ordem pública, nos casos de reiteração delitiva. A exemplo, os precedentes que seguem, todos eles relacionados a investigação em curso:

HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. PRESENÇA DOS REQUISITOS. REITERAÇÃO DELITIVA. EXCESSO DE PRAZO PARA INSTRUÇÃO. INOCORRÊNCIA. MEDIDA SUBSTITUTIVA. INSUFICIÊNCIA. (…) 3. A reiteração das condutas delituosas imputadas ao paciente, demonstra não só sua indiferença perante o direito, mas também sua intenção de continuar praticando crimes, revelando maior à ordem pública e a necessidade de cessar a atividade criminosa. Hipótese em são insuficientes a fixação de medidas cautelares diversas da prisão para obstar tal prática. 4. O reconhecimento do excesso de prazo da instrução é medida excepcional, somente admissível quando a demora for injustificada, impondo-se a adoção de critério de razoabilidade no exame da sua eventual ocorrência. 5. Os prazos para conclusão de inquérito policial ou instrução criminal não são peremptórios, podendo ser dilatados dentro de limites razoáveis, quando a complexidade da investigação assim exigir. 6. Denegada a ordem de habeas corpus. (TRF4, HABEAS CORPUS Nº 5021362-33.2014.404.0000, 8ª TURMA, Des. Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 26/09/2014).

HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. PRESENÇA DOS REQUISITOS. LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA. REITERAÇÃO DA PRÁTICA CRIMINOSA. REDUÇÃO DA FIANÇA. PEDIDO POSTERIOR À IMPETRAÇÃO. INOVAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. 1. O habeas corpus não é afeto ao amplo e irrestrito contraditório. Ainda que se trate de remédio constitucional, novas teses e documentos devem ser examinados com cautela pelo juízo recursal, considerando que a análise da legalidade do ato judicial impugnado deve se dar pela mesma ótica da autoridade coatora, sob pena de supressão de instância. Hipótese em se mostra incabível a emenda à inicial. 2. A prisão provisória é medida rigorosa que, no entanto, se justifica nas hipóteses em que presente a necessidade para tanto e sendo necessária a demonstração da existência de indícios da materialidade do crime, bem como que haja indício suficiente da autoria. 3. Verificada a presença dos elementos necessários à aplicação da prisão preventiva. A reiteração das condutas delituosas imputadas ao paciente, demonstra não só sua indiferença perante o direito, mas também sua intenção de continuar praticando crimes, revelando maior à ordem pública e a necessidade de cessar a atividade criminosa. 6. Habeas corpus conhecido em parte. Ordem denegada. (TRF4, HABEAS CORPUS Nº 5007405-62.2014.404.0000, 8ª TURMA, Des. Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 09/07/2014).

Na mesma linha, segue a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:

A decretação da prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública está devidamente fundamentada em fatos concretos a justificar a segregação cautelar, em especial diante da possibilidade de reiteração criminosa, a qual revela a necessidade da constrição. (HC 96.977/PA, 1.ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 09/06/2009)

Prisão preventiva para garantia da ordem pública face a circunstância de o réu ser dado à prática de roubos qualificados pelo emprego de arma de fogo em concurso de pessoas. Real possibilidade de reiteração criminosa. A periculosidade do réu, concretamente demonstrada, autoriza a privação cautelar da liberdade para garantia da ordem pública. (HC 96.008/SP, 2.ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, j. 02/12/2008)

Não há falar em constrangimento ilegal quando a custódia preventiva do réu foi imposta mediante idônea motivação, sobretudo na garantia da ordem pública, para evitar a reiteração criminosa e acautelar o meio social, dada a sua periculosidade. (HC 100.714/PA, 5.ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 18/12/2008).

Nos termos da jurisprudência consolidada desta Corte, a reiteração de condutas ilícitas, o que denota ser a personalidade do paciente voltada para a prática delitiva, obsta a revogação da medida constritiva para garantia da ordem pública. (HC 75.717/PR, 5.ª Turma, Rel. Des. Jane Silva, j. 06/09/2007)

De qualquer maneira, limitado o momento processual ao exame do pedido liminar, não se verifica, de plano, flagrante ilegalidade no decreto prisional que justifique a intervenção na decisão de primeiro grau, resguardando-se exame mais acurado após informações e parecer ministerial.

4. Medidas cautelares diversas da prisão
Ainda que não requerido expressamente, cabível o exame, de ofício, de fixação de medida alternativa à prisão.

Pois bem, estão presentes os requisitos estabelecidos pelo legislador no art. 312 do Código de Processo Penal para a decretação da prisão preventiva, afastando a incidência do disposto no art. 319 do mesmo diploma legal, motivo pelo qual a manutenção da prisão preventiva da paciente é medida que se impõe.

Portanto, em que pese as alegações formuladas pelo impetrante, verifica-se, no caso em tela, a presença dos requisitos autorizadores da decretação da prisão preventiva, ou seja, ofumus comissi delicti e o periculum in libertatis, bem como a impossibilidade de se impor medidas cautelares diversas da prisão. A reiteração das condutas delituosas demonstra não só a indiferença do paciente perante o direito, mas também revela maior risco à ordem pública e à necessidade de cessar a atividade criminosa. Reprise-se, não se tratam de fatos isolados, tampouco apenas fatos remotos. São múltiplos fatos, praticados por intermédio da empresa, alguns em consórcio com outras empresas, cujos administradores reconheceram sua prática. O risco de reiteração, de reorganização do grupo criminoso, da prática de atos semelhantes em outros contratos que mantém com o setor público está justificar que os principais responsáveis permaneçam segregados.

Em casos tais, a negativa à substituição a posição é acolhida pela jurisprudência deste Tribunal: ‘A prisão preventiva é medida adequada e necessária para frear a atividade ilícita, diante da reiteração da conduta delituosa (habitualidade delitiva ou crime como meio de vida), diante da insuficiência de outras medidas cautelares para obstar tal prática’ (TRF4, HABEAS CORPUS Nº 5002073-17.2014.404.0000, 8ª TURMA, Juíza Federal SIMONE BARBISAN FORTES, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 25/02/2014).

Igualmente, ‘justifica-se a adoção da prisão preventiva como forma de garantir a ordem pública, em face do risco de reiteração criminosa’ (TRF4, HABEAS CORPUS Nº 5029826-80.2013.404.0000, 7ª TURMA, Juiz Federal JOSÉ PAULO BALTAZAR JUNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 15/01/2014).

É oportuno referir que a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em sessão realizada no dia 24 de novembro, ao julgar o HC nº 302.604/PR, impetrado pela defesa de outro investigado na mesma operação – custodiado desde 01/07/2014 -, negou-lhe seguimento. Contudo, registrou breve incursão no mérito da prisão preventiva. Do voto do Relator, Ministro Newton Trisotto (Desembargador convocado), extrai-se:

05.04. Em suma: Havendo fortes indícios da participação do paciente em ‘organização criminosa (Lei n. 12.850, de 2013), em crimes de ‘lavagem de capitais’ (Lei n. 9.613, de 1998) e ‘contra os sistema financeiro nacional’ (Lei n. 7.492, de 1986), todos relacionados com fraudes em processos licitatórios dos quais resultaram vultosos prejuízos a sociedade de economia mista e, na mesma proporção, em seu enriquecimento ilícito e de terceiros, (…)justifica-se a decretação da prisão preventiva, para a garantia da ordem pública.

(…)

A toda evidência, não se encontram presentes os pressupostos legais autorizadores da substituição da prisão preventiva por outras medidas cautelares.

Impende ressaltar que a prisão preventiva foi decretada porque necessária à preservação da ‘ordem pública’ – que, conforme Guilherme de Souza Nucci, ‘é abalada pela prática de um delito. Se este for grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos, propiciando àqueles que tomam conhecimento da sua realização em forte sentimento de impunidade e de insegurança, cabe ao Judiciário determinar o recolhimento do agente’ – e que há fortes provas da participação do paciente em atos de corrupção dos quais resultaram vultosos danos ao patrimônio público.

Valho-me de precedente esta Turma para rejeitar a postulação do paciente:

‘Indevida a aplicação de medidas cautelares diversas quando a segregação encontra-se justificada na periculosidade social do denunciado, dada a probabilidade efetiva de continuidade no cometimento da grave infração denunciada’ (RHC 50.924/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 23/10/2014)

Diante do exposto, indefiro o pedido liminar.

Intime-se.

Comunique-se ao juízo a quo para que preste as informações complementares que entender pertinentes ao julgamento do presente habeas corpus.

Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal.

Retornem conclusos.

Porto Alegre, 25 de junho de 2015.
Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto
Relator



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