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segunda-feira, 26 de maio de 2014

Existe o direito de ser esquecido?


O editorial do GLOBO de hoje fala sobre um tema importante, que vai ganhar mais destaque com o tempo. Trata-se da decisão do Tribunal da União Europeia de garantir a um espanhol o “direito ao esquecimento”. Existe mesmo tal direito? A quem pertence a reputação: ao próprio indivíduo ou aos demais? Como fica o direito de liberdade de expressão? Não entra em conflito com o “direito à privacidade”?


Como Pedro Doria reconheceu recentemente, não há resposta simples. Podemos estar diante de valores ou direitos em conflito, sem uma resposta única e certa para redimir o impasse. Seriam valores incomensuráveis, como diria o filósofo Isaiah Berlin. Estou disposto a aceitar que existe o dilema, mas minha opinião converge para àquela do editorial do jornal: a decisão foi equivocada e abre um perigoso precedente:


Portanto, é compreensível que persistam dúvidas em relação a códigos morais, legais e culturais sob os quais a internet deva ser avaliada. Mas, em relação às certezas, duas são inalienáveis — a web deve respeitar o direito à privacidade, uma conquista das sociedades civilizadas, e o princípio da liberdade de expressão como cláusula pétrea das normas que regem o estado democrático de direito. E estes não são pressupostos incompatíveis, a obediência a um não implica a anulação do outro.


É neste sentido que se transforma em perigoso precedente a recente decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia de conceder a um cidadão espanhol o “direito de ser esquecido”. Trocando em miúdos: em sua sentença, a Corte acolheu o pleito do internauta de obrigar o Google, o grande buscador mundial de dados, a eliminar links com informações de sua vida pregressa. Embora tal resolução não tenha efeito jurisdicional sobre a Justiça de todos os países, com ele o tribunal dá margem a um perigoso precedente: a pretexto de preservar a privacidade os juízes podem avançar perigosamente sobre o princípio, este sim inquestionável, da liberdade de expressão e informação. Não à toa, contra essa posição levantaram-se vozes importantes, como o criador da Wikipédia, Jimmy Wales, que classificou a posição do tribunal como “uma das mais amplas censuras à internet”.


A internet e as redes sociais são instrumentos poderosos. Elas potencializam aquilo que já existia, antes, de forma mais rudimentar, como a fofoca ou acervos com informações públicas sobre indivíduos. Vejo, estarrecido, as crianças e os adolescentes de hoje divulgando tudo no Facebook ou Instagram, e penso como seria se em meu tempo de moleque já fosse assim. Há muita exposição, e sem dúvida gostaríamos de apagar certos traços.


Mas são as pessoas que terão de se adaptar à nova realidade, não o contrário. Não podemos, creio, sacrificar o direito de informação em nome de uma suposta privacidade que, no fundo, não existe quando se trata de informações públicas ou publicadas. Os malfeitos praticados no passado resistem mais ao teste do tempo hoje em dia, pois a internet facilita nossa “memória”: basta um clique e temos acesso a muitas informações sobre alguém.


Essa discussão passa pelo mesmo tipo de “dilema” das biografias não-autorizadas, as únicas que prestam, pois as autorizadas são apenas extensão do marketing pessoal do sujeito. E a pergunta central, aqui como alhures, é: a quem pertence sua reputação? Ninguém tem o direito de invadir a privacidade alheia, claro; mas se estamos falando de informações públicas, a coisa muda totalmente de figura.


Os dois advogados que escrevem um contraponto ao editorial afirmam:


O direito ao esquecimento, especialmente na era digital, é uma importante ferramenta para tutelar o direito à privacidade e a dignidade da pessoa humana, impondo certos limites à liberdade de informação. Toda pessoa tem direito a ser esquecida. Sobretudo, se o fato lembrado não guardar qualquer relevância histórica. Não se está a defender que o direito à informação deve ser esvaziado pela aplicação do direito ao esquecimento. Mas que não se pode, em homenagem àquele direito, deixar de tutelar a privacidade e a dignidade da pessoa humana, impondo-se limites no seu exercício. Não há fórmula matemática. A solução de cada caso será resultado da ponderação dos interesses em jogo, com especial atenção à relevância histórica da informação reavivada.


MIB


Mas quem decide? A quem cabe dizer se há relevância histórica ou não? Toda pessoa tem mesmo o direito a ser esquecida? Mas isso não fere o direito à memória, que não pertence ao próprio indivíduo, mas aos demais? Parece-me que o editorial está correto ao afirmar que isso abre um perigoso precedente.


A internet, ao expor com muito mais facilidade nossas vidas (muitas vezes fazemos isso de forma totalmente voluntária), acaba cobrando mais responsabilidade por nossos atos também. Ficou mais difícil apagar o histórico, recomeçar do zero, esquecer o passado. Está tudo registrado e a um clique de distância.


Caberá a cada um se adaptar, andar mais na linha (eis uma importante função das redes sociais), e, acima de tudo, tomar mais cuidado com aquilo que torna público. Não existe um aparelho como aquele do Man In Black, em que basta apertar um botão e todos esquecem tudo que aconteceu. Tampouco devemos delegar ao estado um poder assustador desses…


Rodrigo Constantino







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