Vejam esta foto, que me foi enviada por um leitor. Já explico.
“Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho”. É Machado de Assis em “Memórias Posturas de Brás Cubas”. Melhor um cisco no olho, um grânulo, um estrepe… Melhor um incômodo dessa ordem do que ser vítima de uma ideia fixa… É o que me ocorre quando penso nas ciclovias do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Que fique o alerta para os cidadãos do Brasil inteiro. Que fique o alerta para os prefeitos do Brasil inteiro. Não permitam que suas respectivas cidades caiam reféns de uma minoria organizada, que, como escreveu o próprio Machado, sempre hasteia sua bandeira particular à sombra da grande bandeira. No caso de São Paulo, a flâmula maior é a do petismo; as mesquinhas, de minorias radicalizadas, sob ela se abrigam e nos impõem a ditadura de seu gosto.
Haddad está determinado a criar 400 km de ciclovias na cidade até o fim de seu mandato, ao custo de R$ 80 milhões. Está há dois anos no poder. Boa parte dos paulistanos tem a sensação de que já são 200! As faixas vermelhas, a cor internacional desse tipo de pista, se espalham cidade afora, estrangulando o espaço dos carros, diminuindo a área de escape das motos — que hoje ajudam a movimentar a economia —, aumentando os congestionamentos, atrapalhando a vida de pedestres, criando severas perturbações no comércio. Há um clima de revolta em consideráveis setores da cidade. Não obstante, o prefeito, consta, aposta nas ciclovias para reverter a sua impopularidade. Fernando Haddad lembra o homem com a corda no pescoço que se mexe freneticamente para se livrar do incômodo. Quanto mais esperneia, mais terra lhe falta sob os pés, e mais a corda o constrange, até matá-lo. A diferença, nesse caso, é que uma cidade de milhões de pessoas padece com ele.
E por que ele age assim? Porque a grande bandeira de Haddad, o tal Arco do Futuro, ficou no passado. Nunca foi nada além de propaganda para caçar votos. Então sobraram as pequenas bandeiras, a das minorias aboletadas na Prefeitura. À Folha de S. Paulo, o prefeito afirmou: “É um programa de saúde, de esporte, de mobilidade, que dialoga com muitas demandas da sociedade”. É mesmo? Demanda de quem, santo Deus? Olhem, paulistanos, para as vastas solidões das ciclovias, que permanecem lá, vazias, com o seu vermelhão a cortar áreas da cidade, como veias abertas da estupidez e do autoritarismo. Não ocorre ao senhor prefeito que percorrer longos percursos de bicicleta requer, antes de tudo, certas condições físicas, o que restringe essa opção de transporte — se fosse realmente uma opção; não é — a uma faixa etária da população. A escolha é, antes de mais nada, autoritária, discriminatória. Uma coisa é a construção de ciclovias como um espaço suplementar para a circulação, a exemplo do que existe em algumas cidades do mundo. Outra, distinta, como se faz em São Paulo, é o estrangulamento da área de circulação da maioria em benefício de uma minoria.
O vermelho é a cor internacional das ciclovias. Mas é também a cor oficial do PT. Que cada morador de São Paulo jamais se esqueça, ao passar ao lado de uma delas, que o partido administrou a cidade e deixou uma herança.
A foto
Vejam a foto lá do alto. Haddad decidiu meter uma ciclovia na rua Boa Vista, na região central. Não circula nela uma viva alma sobre duas rodas. A área se tornou espaço para o estacionamento de carrinhos de catadores de lixo reciclável, os correspondentes contemporâneos do que Machado chamaria, a seu tempo, “almocreves”.
As ciclovias não são a única ideia fixa do prefeito. Ele tem outras: como fornecer recursos a viciados em crack para que alimentem o seu vício em… crack. É assim que traduzo o programa “Braços Abertos”. Está em curso a criação de uma nova área na cidade, no Parque D. Pedro II, em que se repetirão os erros tráficos cometidos na chamada Cracolândia.
Haddad, caros leitores, pagará o preço político por suas ideias fixas. O diabo é que a cidade pagará um preço ainda maior por suas obsessões.
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