Adam Smith
“Se a produção doméstica pode ser realizada tão barata quanto à indústria estrangeira, a regulação é evidentemente inútil; se não pode, ela deve geralmente ser ineficaz.” (Adam Smith)
O mercantilismo foi bem definido por Jacob Viner, como “o corpo de doutrinas que expunha e, na prática, empregava meios pelos quais o governo podia forçar o interesse privado, submetido a taxas, impostos de exportação e importação, proibições várias, subsídios e outras medidas coercitivas e regulatórias, a se exercer no sentido de aumentar a riqueza nacional e o poder nacional”.
Conforme o embaixador Meira Penna muito bem colocou, os mercantilistas não estavam interessados em economia, mas em poder nacional. Na teoria do mercantilismo estava expresso, como Meira Penna explica em O Dinossauro, “o reconhecimento de que a riqueza econômica constitui um instrumento da política de segurança e expansão do poder nacional”. A xenofobia é uma característica essencial do sistema. À época do clássico de Adam Smith sobre a riqueza das nações em 1776, o mercantilismo era tanto a teoria como a prática dominante. Seu livro foi uma excelente munição lógica contra tal doutrina irracional.
Durante o reinado de Luís XIV, as finanças francesas ficaram sob o comando de Jean-Baptiste Colbert, um dos grandes defensores da doutrina mercantilista. Colbert acreditava que a chave para o sucesso era a expansão do comércio, mantendo sempre um saldo superavitário na balança. Suas políticas incluíram o direcionamento de capital para empresas exportadoras, assim como medidas de substituição de importações, como tarifas protecionistas e até mesmo a proibição de comércio estrangeiro nas colônias francesas. Em resumo, um enorme dirigismo estatal focado no aumento das exportações.
O excesso de intervenção estatal acabou asfixiando os comerciantes franceses, e a indústria doméstica acabou negligenciada. Colbert ignorava certos conceitos econômicos básicos, como a identidade entre balança comercial e conta de capital. As exportações, no fundo, são os recursos usados para o pagamento das importações, em algum momento. O foco obsessivo no saldo da balança comercial ignora os efeitos na conta de capital, assim como a eficiência da alocação dos finitos recursos. Se o superávit comercial fosse o segredo para o sucesso, os Estados Unidos seriam um grande fracasso, enquanto os países do Oriente Médio seriam os ícones do sucesso. O déficit comercial americano ultrapassa setecentos bilhões de dólares, e creio que ninguém preferiria como modelo econômico o exemplo de uma Arábia Saudita.
Temos visto, recentemente, uma grande celebração com os recordes de saldo comercial brasileiro. Isso é uma herança da mentalidade mercantilista. Ora, o Brasil, um país pobre em desenvolvimento, está exportando poupança, na verdade. Se o país importa menos que exporta, significa que não está achando boas alternativas de investimentos domésticos, e esse saldo é enviado para o exterior pela conta capital. Em um país como o Japão, de população mais rica e velha, faz mais sentido o superávit comercial. Os japoneses financiam investimentos em outros lugares do mundo. Mas no caso brasileiro se deveria estar importando mais, e não comemorando as baixas alternativas de investimento produtivo no país, fazendo com que os recursos busquem melhores opções em outros lugares.
Ocorre que a doutrina mercantilista está enraizada na cultura brasileira, e é o que explica, inclusive, aberrações como monopólio estatal em importantes setores da economia. Meira Penna lembra que “nos fundamentos morais do mercantilismo, destacavam-se a desconfiança com a ‘avareza’ e ‘usura’ dos comerciantes burgueses; o desprezo em relação à preguiça, inércia e estupidez do povo trabalhador; e o orgulho da classe nobre, ociosa e privilegiada”.
É difícil ler essas palavras sem pensar no caso brasileiro, onde o empresário é visto como explorador e o parasita do governo como salvador. O ranço da visão mercantilista é tão forte, que o presidente Lula discursa apelando para a retórica de que sempre que vai ao exterior, consegue aumentar as exportações brasileiras, como se o governo fosse o responsável pelas exportações, não a competitividade das empresas.
Uma das premissas básicas por trás do mercantilismo é a absurda idéia de “soma zero” na economia, como se tudo não passasse de uma disputa entre nações onde, quando uma ganha, a outra deve necessariamente perder. Ora, a exploração das potencialidades criativas dos homens é infinita, e por isso a economia é um jogo de ganhos mútuos e crescentes. As trocas favorecem ambas as partes, o comércio beneficia os dois lados.
Em 1965, o produto mundial estava em US$ 1,7 trilhão, e em 1999 tinha saltado para mais de US$ 30 trilhões. O aumento do comércio entre nações foi um dos grandes fatores desse crescimento, tendo saído de US$ 186 bilhões em 1965 para US$ 6,37 trilhões em 1996. Em 2006, quase US$ 12 trilhões foram trocados entre os países no comércio mundial, impulsionando o crescimento econômico no globo.
A história econômica da humanidade é uma história de constante evolução, e não estagnação. A questão não é dividir um bolo fixo, mas fazer o bolo todo crescer sem parar. A expectativa de vida vem subindo, a população tem aumentado, o conforto material tem sido expandido de forma impressionante, a humanidade tem, de forma geral, experimentado um progresso jamais imaginável antes, e como uma das causas tem-se justamente a globalização, o comércio livre entre empresas de diferentes nações.
Os países que ignoram esta lógica e viram as costas para o processo da globalização, abraçando o fracassado mercantilismo, estão fadados ao fracasso. Restringindo importações fundamentais para o avanço, usando o mecanismo estatal para seleção das empresas privilegiadas, adotando um dirigismo econômico totalmente ineficiente e considerando potenciais parceiros comerciais como inimigos e ameaças, estes países perderão o bonde do progresso. Infelizmente, a mentalidade mercantilista ainda é predominante no Brasil.
O embaixador Meira Penna fez um fiel retrato da situação: “Em nosso país o que ocorreu é uma combinação verdadeiramente espantosa: a superestrutura burocrática moderna e as formas exteriores de um regime representativo pretensamente racional-legal se impuseram, com um ‘jeitinho’ de tipo bem nosso, sobre a infra-estrutura tradicional do Estado absolutista centralizador dos séculos XVII e XVIII”. Ficamos com um regime de personalismo clientelista influenciado pela ideologia social-estatizante da esquerda. Um casamento de mercantilismo com paternalismo, asfixiando de vez o livre mercado.
A máxima laissez-nous faire é atribuída à frase que o comerciante Legendre dirigiu a Colbert, por volta do fim do século XVII. Colbert teria perguntado o que mais o governo poderia fazer pelos comerciantes, no que Legendre respondeu apenas que os deixasse em paz. O primeiro autor a empregar a frase, e utilizá-la numa clara associação com a doutrina, foi o Marquês d’Argenson, aproximadamente em 1751. O Marquês foi o primeiro homem a se entusiasmar pelas vantagens econômicas de os governos deixarem o comércio livre. Dizia ele que, para governar melhor, é preciso governar menos.
A verdadeira causa do declínio das manufaturas, declarava, está no protecionismo que lhes é concedido. A seguir, em 1776, Adam Smith lançou seu clássico, defendendo com profundo embasamento e lógica o livre comércio. Infelizmente, o espírito de Colbert tem muito mais força na Terra Brasilis que as idéias de Smith. Triste é ainda ter que ouvir da esquerda que o Brasil é liberal, e por isso fracassou. Os países mais liberais prosperaram, na totalidade dos casos, enquanto os países com forte ranço mercantilista, como o Brasil, são eternas esperanças futuras, já que o presente é sempre lastimável.
Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.
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