Bastiat
“A lei é a força comum organizada para agir como obstáculo à injustiça; em suma, a lei é a justiça.” (Bastiat)
Frédéric Bastiat publicou em 1850, ano de seu falecimento, o brilhante panfleto A Lei, que trata de uma forma incrivelmente objetiva e simples das funções da legislação, assim como demonstra o inevitável caminho da servidão através do socialismo. Enquanto Marx e outros autores pregavam a utopia que tornou-se uma máquina assassina, Bastiat já alertava para todos os perigos das flexibilizações do conceito da lei justa. O tempo mostrou com quem estava a razão.
A lei, para Bastiat, não é mais que a organização coletiva do direito individual de legítima defesa. Ninguém teria o que reclamar do governo, desde que sua individualidade fosse respeitada, seu trabalho livre e os frutos desse labor protegidos contra injustiças. O Estado seria reconhecido pelos seus fundamentais serviços de segurança. Mas a lei acaba pervertida por influência tanto da ambição estúpida como pela falsa filantropia. Torna-se um veículo de injustiça, de espoliação. Uma espoliação legal, mas nem por isso menos imoral que um roubo comum.
O homem pode desfrutar sua vida através da incessante aplicação de suas faculdades, e por meio do seu trabalho emana a propriedade. Por outro lado, ele pode também viver apropriando-se do produto do esforço alheio, sem uma troca voluntária, e daí surge a espoliação. A lei deveria justamente condenar o segundo tipo, marginalizando os que usam a força para a espoliação alheia. Sua função precípua seria proteger a propriedade privada. Porém, ela acaba sendo usada como veículo para o roubo institucionalizado, através de malabarismos lingüísticos e distorções conceituais, pelo uso de termos abstratos como “fraternidade” e “justiça social”. Os grupos passam então a se unir, aspirando a participar dessa espoliação legal.
Quando a lei e a moral estão em contradição, o cidadão enfrenta a cruel alternativa de abdicar dos preceitos morais ou desrespeitar a lei. Difícil escolha! O efeito moral acaba sendo perverso na sociedade, justamente por conta do contorcionismo aplicado às funções da lei. Quando admite-se que a lei pode ser desviada de seu propósito, que ela pode violar os direitos de propriedade em vez de garanti-los, então todos irão querer participar fazendo leis, e estas serão apenas armas para que grupos mais fortes possam espoliar indivíduos mais fracos. Mas legalidade não é sinônimo de moralidade, e uma lei usada para a espoliação não é correta nem justa, independente das interpretações dos sofistas. Não vamos esquecer que a escravidão já foi legal, e nem por isso é defensável moralmente.
Como identificar a espoliação legal? Bastiat responde que é muito simples, bastando verificar se a lei tira de algumas pessoas aquilo que lhes pertence e dá a outras o que não lhes pertence. Fica evidente que existem inúmeros mecanismos para essa espoliação legal, como tarifas protecionistas, subsídios, imposto progressivo, garantia de empregos ou lucros, salário mínimo etc. O conjunto de todos esses meios para transferência da propriedade individual privada para o Estado é defendido pelo socialismo. Nele, a lei não é nada além dos desejos dos políticos poderosos, do conceito arbitrário de “justiça social”, matando assim a verdadeira justiça objetiva, e transformando indivíduos livres em súditos do Estado “iluminado”.
Mesmo os que defendem o socialismo pelas vias democráticas não notam a contradição existente, em antes considerar o povo livre e sábio o suficiente para a escolha do governante, para logo em seguida ser encarado como um mentecapto que precisa da interferência total do Estado em sua vida. E não é porque o socialismo “democrático” invoca a lei que ele deve ser visto como justo. Lembremos que estamos lidando com a espoliação legal. A lei pode ser uma arma muito mais eficaz e segura que uma pistola para a realização de um roubo. O simples respaldo da lei não garante a justiça do ato.
O lado sedutor do socialismo é a defesa de que a lei deve ter um caráter filantrópico. Entretanto, é impossível separar a palavra “fraternidade” da palavra “voluntária”. Não há lógica em algo como fraternidade legalmente forçada, sem que a liberdade seja legalmente destruída. E para “reformar” esse ser humano “egoísta”, os socialistas, curiosamente considerando-se acima da humanidade em relação à virtude, defendem a supressão da liberdade individual, escravizando legalmente o povo. A lei é força, e deve ter caráter apenas de negação, impondo senão a abstenção de prejudicar outrem ou invadir sua propriedade privada. O socialismo transforma isso, e usa a lei positivamente, impondo aos seus súditos, por intermédio de seu agente, à força, um modus vivendi estabelecido por uma cúpula de “sábios”.
A espoliação legal vem, evidentemente, disfarçada diante os olhos de todos. Seus defensores abusam de eufemismo, como fraternidade, solidariedade e igualdade. Ora, como se os anti-socialistas não admirassem a solidariedade! O que deve ser repudiado é a imposição dela através do Estado, por representar a morte da liberdade, além de ter um resultado concreto catastrófico. O uso da lei para a imposição da solidariedade é moralmente condenável, e ineficiente ao extremo na prática. Mas os socialistas não enxergam o óbvio, e acusam os outros de insensibilidade, monopolizando a virtude dos fins, em vez de debater os meios.
Por acaso quem condena o monopólio do Estado na cultura de trigo é contra a alimentação do povo? Os socialistas confundem governo com sociedade, como se esta não pudesse se organizar espontaneamente e livremente, sem a intervenção estatal, com a exceção da defesa coletiva dos direitos individuais. Eis para que serve a lei.
Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.
from Rodrigo Constantino - VEJA.com http://ift.tt/15ynTWp
via IFTTT
Nenhum comentário:
Postar um comentário