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terça-feira, 23 de setembro de 2014

Dilma, a cigarra e a formiga. Ou: No fábula brasileira, há o risco da vitória da vilã

O governo teve de sacar R$ 3,5 bilhões do Fundo Soberano do Brasil — é praticamente tudo o que lá restava — para fechar as contas e fingir que cumpriu a meta de superávit primário, que é a economia necessária para pagar os juros.


Conhecem a fábula da formiga e da cigarra, não?, atribuída a Esopo e recontada, com a mesma moral, por La Fontaine? No verão, enquanto uma cantava a plenos pulmões, a outra acumulava alimentos. Mas chegou o inverno. E a cigarra, que passara os dias quentes na flauta, foi bater à porta da formiga para pedir umas migalhas de alimento. Reproduzo quatro estrofes na tradução que o poeta português Bocage fez do texto de La Fontaine;


Não lhe restando migalha

Que trincasse, a tagarela

Foi valer-se da formiga,

Que morava perto dela.


“Amiga, diz a cigarra,

prometo, à fé de animal,

Pagar-vos, antes de Agosto,

Os juros e o principal.


A formiga nunca empresta,

Nunca dá; por isso, junta.

“No verão, em que lidavas?”,

À pedinte, ela pergunta.


Responde a outra: “Eu cantava

Noite e dia, a toda a hora”.

– Oh! Bravo!, torna a formiga,

Cantavas? Pois dança agora!


A moral da história é óbvia. Quem não se organiza para enfrentar os momentos difíceis acaba pagando um preço alto. Muita gente entorta o nariz para essa fábula. Alguns a tomam como desprezo pelo mundo dos sonhos, do prazer e da arte, em benefício de um administração segura, aborrecida e conservadora da vida. É um caso de superinterpretação que distorce o óbvio. Há aí apenas o confronto entre a prudência e a imprudência.


No governo, o PT se comportou como a cigarra. Enquanto o cenário internacional era favorável, a China crescia a taxas espantosas, e as commodities brasileiras estavam com os preços nas aturas, o governo se entregou à farra de um modelo ancorado unicamente no consumo. Não se preparou para o inverno. Não cuidou de reformas necessárias para um crescimento duradouro e estável, repudiou as privatizações, tornou o ambiente hostil aos investimentos, queimou o patrimônio que acumulou no período da abastança.


Nesta segunda, o governo anunciou, então, que teve de sacar o que restava no Fundo Soberano para poder fechar as contas. Esse fundo era a poupança do país para situações de grave emergência. Que nada! A grana está sendo torrada pela incompetência: uma incompetência estratégica, que se mostra incapaz de posicionar o país no novo cenário internacional; uma incompetência técnica, operacional, que o impede de cortar gastos.


Em Nova York, Dilma tentou rebater as críticas: “O fundo tem uma característica contracíclica, ou seja, não age a favor do ciclo. Se o ciclo está ruim, ele aumenta o gasto para conter o ciclo. Se o ciclo está bom, ele segura o gasto e faz uma poupança. Sei perfeitamente em que condições o fundo foi formado”.


É uma tentativa de enganar trouxas. O que o governo fez nada tem a ver com medidas anticíclicas. Não se trata de ampliar o investimento estatal para financiar a produção ou algo do gênero. O dinheiro foi torrado apenas para fechar as contas.


Na fábula de Esopo, como sabem, a cigarra se dá mal. Ganha a formiga, a previdente. No Brasil, há uma chance razoável de a incompetência ser premiada. E, aí, que Deus tenha piedade de nós, já que a maioria do eleitorado não terá tido. Iremos para o abismo com a cigarra arrotando vantagem.







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