Como é bom quando as pessoas entram num debate para esclarecer, não é?, pouco importando o lado que assumam na contenda. Recebo de uma leitora chamada Renata Esteves a seguinte ponderação. Leiam. Volto em seguida:
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Prezado Reinaldo,
Creio que um esclarecimento é necessário para se estabelecer a ordem das coisas. De sua parte, é correto dizer que os vereadores são livres para, no exercício da função legislativa, apresentarem emendas aos projetos de lei em trâmite, dentre eles, agora, o da revisão do Plano Diretor da Cidade de São Paulo.
Todavia, há que se ter em vista que:
a) o princípio da gestão participativa é garantia constitucional, explicitado no art. 182 da Constituição Federal que diz: “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.”
b)o princípio da gestão participativa está normatizado no Estatuto da Cidade, que é lei federal de observância obrigatória. O art. 2º, II, do Estatuto da Cidade diz: art. 2º – “A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana mediante as seguintes diretrizes gerais: II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”.
c) o art. 260 do Estatuto da Cidade diz: “A elaboração, a revisão, o aperfeiçoamento, a implementação e o acompanhamento do Plano Diretor Estratégico e de planos, programas e projetos setoriais, regionais, locais e específicos serão efetuados mediante processo de planejamento, implementação e controle, de caráter permanente, descentralizado e participativo, como parte do modo de gestão democrática da Cidade para a concretização das suas funções sociais.”
Estes os fundamentos do Ministério Público para expedir a “Recomendação” contida no Ofício mencionado, endereçado à Câmara Municipal de São Paulo.
Realmente, como você observa, o Ministério Público recomenda, não impõe, não exige; apenas recomenda que se cumpra a Constituição Federal e a lei.
O Projeto de Lei do novo Plano Diretor Estratégico tem alta complexidade técnica e seus efeitos afetarão grandemente a cidade e seus moradores. Deve, pois, ser preparado nos exatos termos da lei e votado com elevado espírito público e com alta responsabilidade.
A Recomendação do Ministério Público evidentemente não tem o sentido de cercear a atividade legislativa, nem poderia; mas, no âmbito da sua constitucional atuação, garantir o direito da sociedade à gestão participativa da cidade, evitando que emendas de última hora, desconhecidas e não debatidas, sejam aprovadas, comprometendo o conteúdo do novo Plano Diretor e irradiando efeitos indesejados pelos moradores da cidade.
Esta a minha contribuição que espero possa receber para a discussão.
Comento
Não conheço Renata Esteves, mas creio que seja da área. Com diferenças de acento, não creio que eu tenha afirmado coisa muito distinta no meu post inicial — aquele que não ofendeu ninguém. Nem no meu segundo post, que também não ofendeu ninguém.
Eu continuo a destacar que não há lei que possa impedir um vereador — ou qualquer parlamentar —de fazer uma emenda durante um processo de votação. Ora, que emenda não será, em certo sentido, “de última hora”? Como fazer para que instâncias de consulta popular debatam cada iniciativa dos vereadores? Estes exercem, então, um mandato tutelado e só podem atuar por delegação?
É por isso, então, que o MP, com efeito, pode recomendar. E nada além disso. De resto, repito o que já escrevi aqui e afirmei nesta sexta a um interlocutor: com todos os defeitos, a Câmara dos Vereadores representa a vontade diversa de mais de 8 milhões de eleitores da cidade de São Paulo. Quantas são as pessoas que integram as instâncias consultivas?
Parece-me, ademais, que a lei assegura a participação direta na fase de elaboração do texto, cabendo a votação aos vereadores. Sem contar que uma outra dúvida me toma: se não se pode votar uma emenda sem consulta prévia, cabe indagar: e suprimir parte do texto sem essa mesma consulta?Uma supressão não pode ser mais surpreendente do que uma inclusão?
Fosse assim, essas instâncias é que formariam a Câmara. O resultado seria fabuloso porque uma minoria de “interessados” tomaria o lugar da maioria — o que, parece-me, viola o princípio da República.
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