Brasília é uma terra de sonhos e pesadelos, vocês sabem. Em algum lugar, há gente sonhando, assim, deixem-me ver como posso falar…, com o triângulo perfeito da impunidade. A feitiçaria consistiria no seguinte, prestem atenção — sempre destacando que sonhos podem não acontecer, né? Especialmente quando são revelados… Não dá sorte! No caso, a pessoa que sonhou com a patranha já andou contando por aí, e só por isso eu estou tornando a coisa pública aqui. Ó, pessoal, nem vou ouvir os “outros lados”, tá? Não existe “outro lado” para exercícios de imaginação alheia, certo?
Então vamos ver.
Renan Calheiros (PMDB-AL), nesta terça, discursando no Senado, depois de ter apresentando a sua pauta de 28 propostas e ter assegurado à presidente Dilma que a Casa se comportará como âncora da estabilidade, era de uma segurança verdadeiramente encantadora. A gente consegue reconhecer quando um político atua de modo firme, olhando para o horizonte, com uma perspectiva de longo prazo.
E não é que eu olhei pra ele e achei que se parecia mesmo com a personagem daquele tal sonho? Sim, naquela prefiguração, prestem atenção!, Rodrigo Janot, o procurador-geral da República, não apresentará denúncia contra Renan ao Supremo. Isto mesmo: o homem que passou a atuar furiosamente contra o governo quando entrou na lista de investigados do procurador-geral da República — com simples inquéritos — ficaria livre dos esguichos da Lava-Jato. No sonho que se sonha em Brasília, dois petistas de médio porte também ganhariam um “nada se provou que mereça denúncia”: os senadores petistas Humberto Costa (PE), líder do governo na Casa, e Gleisi Hoffmann (PR).
Renan virou a grande aposta de governabilidade da presidente, como vocês sabem. O Planalto dá como certo que Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não renunciará à Presidência da Câmara mesmo depois de denunciado por Janot. Este, por sua vez, poderia recorrer ao Supremo com uma medida cautelar pedindo o afastamento do outro, mas tem a certeza de que perderia. Assim, na Câmara, a tensão continua.
Renan precisa de um reforço compatível com aquele ar de estadista, conselheiro e senhor do bom senso que exibiu nesta terça. Era um verdadeiro Varão de Plutarco dando aula sobre o futuro do Brasil, ainda que a sua tal agenda de governabilidade nada trouxesse de muito novo. Como eu já havia lembrado ontem aqui e como lembrou o próprio Cunha, o país tem um regime bicameral. O Senado pode até impedir isso e aquilo, mas não aprova sozinho isso e aquilo. Calma que a coisa bem vai mais longe!
Fortalecer Renan é importante porque aquele sonhador aposta que o senador pode influenciar de forma decisiva três ministros do TCU: Bruno Dantas, Raimundo Carreiro e Vital do Rego — potenciais votos contrários a Dilma. Na lista dos favoráveis, o Planalto aposta em Walton Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler e José Múcio. Aí já haveria 6 de 9 em favor de Dilma. Lula resolveu colocar na sua cota pessoal de conquista Ana Arraes: 7. Aroldo Cedraz, o presidente, só votaria em caso de empate: 8. Na imaginação dos companheiros, o relator, Augusto Nardes, restará sozinho com a sua recomendação para que se rejeitem as contas.
Primeiro sinal: o governo quer adiar a votação do TCU para o fim do ano. O que é preciso para isso? Que o assunto não seja pautado — o que depende de Cedraz — ou que algum ministro peça vista. Um deles já teria se mostrado simpático à ideia. Não custa lembrar: o presidente do tribunal está sob artilharia porque Tiago Cedraz, seu filho, foi acusado pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, de receber R$ 1 milhão para fornecer informações privilegiadas sobre o tribunal. O destinatário de parte do dinheiro seria… Carreiro. Todos negam. Vital também está sob bombardeio, acusado ter recebido dinheiro desviado da Prefeitura de Campina Grande.
Ainda segundo esse sonho meio pornográfico, o mesmo Renan, agora com a vestes de estadista, facilitaria a aprovação do nome de Rodrigo Janot no Senado.
O tal sonhador preparou um desfecho bom para todos os amigos e amigos dos amigos. Janot seria reconduzido ao cargo, e a Operação Lava Jato continuaria, à sua moda, implacável. Renan se livraria de uma denúncia. O TCU recomendaria a aprovação das contas da Dilma, e a oposição não teria, então, “o” motivo — não pelas pedaladas ao menos — para apresentar uma denúncia contra a presidente. Na Câmara, Cunha seguiria como um dos inimigos do Planalto.
Sabem como são os sonhos. Eles não economizam imaginação. Com o governo se fortalecendo um pouco, as bases de Cunha começariam a avaliar a inconveniência de se ligar a alguém que o governo tem como inimigo declarado e começariam a debandar Em que a tramoia que sonha com a impunidade seria positiva para o Brasil? Em absolutamente nada! Só beneficiaria aqueles que dela se beneficiassem, se é que me permitem a tautologia.
Pronto! Contei o sonho ruim que andam tendo em Brasília. Agora cumpre que os decentes se esforcem para que não vire realidade.
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